O defensor novato Kevin Dallman, do Boston Bruins, viu o central Jan Bulis, do Montreal Canadiens, sair em disparada na diração do gol. Dallman virou-se e começou a perseguição. Nos poucos segundos que dura uma perseguição sobre patins no gelo da NHL, um único pensamento devia estar percorrendo os neurônios do novato em seu primeiro jogo para valer. E esse pensa-mento não tinha nada a ver com a emoção da estréia ou com os parentes e amigos que sem dúvida estavam na platéia.
Não, Dallman devia estar pensando algo como: "Se eu der um pequeno puxão nele, com certeza isso vai ser uma penalidade na nova NHL. E se eu tentar colocar meu taco no braço dele e ele cair, sem dúvida vai ser um pênalti contra nós." Ó, dúvida cruel. Na dúvida, nada foi feito, e o chute de Bulis, conseqüentemente, foi parar dentro do gol. O primeiro gol da temporada. O primeiro gol de uma "nova era", por assim dizer.
Mais de um mês depois de essa "nova era" começar,
a maior revolução da história no comportamento de jogadores profissionais continua. Pode apostar, isso já é uma significativa evolução em relação às últimas vezes em que foi prometido um maior rigor no apito. As regras novas e as já existentes que voltaram a ser reforçadas — incluindo interpretações rígidas de penalidades, permissão de passe sobre duas linhas, mais espaço nas zonas de ataque e pênaltis para decidir jogos empatados — estão funcionando.
Patinar sem levar um "reboque" voltou à moda. O rodeio de agarra-agarra saiu de moda. Os jogadores técnicos, ao que parece, estão tomando novamente as rédeas do esporte.
Depois de 14% da temporada jogada (até o fim de outubro), a NHL mudou assim:
• O número de gols marcados subiu 28% comparado com o total do mesmo número de jogos no início da temporada 2003-04: de 5 por jogo para 6,4. Ainda está bem abaixo dos 7,9 de 20 anos atrás, mas já é um (bom) começo.
• Os shutouts caíram de 33 para 13.
• Por 36 vezes um time reagiu depois de estar perdendo por dois gols ou mais de diferença; no mesmo ponto da última temporada, isso aconteceu apenas 23 vezes.
Como eu já tinha citado na semana passada, um jogo que representou bem essa tendência foi a vitória do Pittsburgh Penguins sobre o Atlanta Thrashers. Os Pens venceram por 7-5 depois de sair perdendo por 4-0. Na noite seguinte, o Carolina Hurricanes marcou oito gols pela primeira vez em mais de nove anos, nos 8-6 sobre o Philadelphia Flyers. O Ottawa Senators goleou impiedosamente tanto o Toronto Maple Leafs, por 8-0, quanto o Buffalo Sabres, por 10-4. E outros exemplos como esses não faltam.
"O hóquei está divertido", elogia o técnico do Phoenix Coyotes, o mesmo Wayne Gretzky cujo Edmonton Oilers nos anos 80 foi uma das dinastias mais ofensivas de todos os tempos. "Está muito mais rápido do que dois anos atrás. Os bons jogadores, que vão na direção do gol e competem de verdade, ou conseguem uma chance de gol ou cavam uma penalidade."
Essa mudança está fazendo com que a NHL recupere um pouco do prestígio perdido em um ano de locaute. O único problema é que um certo aspecto da mudança tem incomodado alguns observadores: às vezes, o elemento físico do esporte se perde, graças à abundância de penalidades em certos jogos. O apito rápido nas penalidades por obstrução é louvável — "[O esporte] está muito melhor do que o que tínhamos, que era uma espécie de luta livre", lembra Alexei Kovalev, ponta direita dos Canadiens —, mas isso tem distorcido falsamente para cima os números ofensivos quando transforma alguns jogos em um festival de times especiais.
O número de vantagens numéricas foi inflacionado em um terço, chegando a 13,3 por jogo. Em 38 jogos, um dos times teve dez ou mais oportunidades de vantagem numérica, um aumento estratosférico em relação aos cinco do mesmo ponto em 2003-04. Em 23 de outubro, tanto o Los Angeles Kings como o Calgary Flames tiveram dez vantagens numéricas em um jogo que teve menos de 25 minutos de cinco-contra-cinco. O técnico Ken Hitchcock, do Philadelphia Flyers, tem treinado com três equipes de vantagem e quatro de desvantagem numérica!
A liga, claro, não perde uma oportunidade de mostrar como seu produto melhorou, mas Pat Quinn, técnico dos Maple Leafs, vociferou, no fim de outubro: "Apesar de todo mundo dizer 'Eu adoro o novo jogo', eu não adoro o novo jogo. Eu não acho que é hóquei. São situações de times especiais, e temos efeitos especiais [as cobranças de pênaltis] para decidir jogos." A incontinência verbal custou US$ 10 mil a Quinn.
Quem mais sofre com as mudanças são os zagueiros, especialmente aqueles que não foram agraciados com pernas rápidas. Vários defensores estabelecidos, mas não lá muito "móveis", como Bob Boughner, do Colorado Avalanche, e Lyle Odelein, dos Penguins, estão com dificuldades para acompanhar o novo ritmo de jogo. Como lembrou Gretzky: "Já falei para nossos olheiros que não quero nem ouvir falar de zagueiros que sejam espertos e durões, mas não tenham velocidade alguma."
O diretor de operações da NHL, Colin Campbell, diz que as novas regras foram feitas para melhorar o hóquei em sua volta e cita como exemplo a disputa de home runs entre Mark McGwire e Sammy Sosa em 1998, que ajudou o beisebol a se recuperar da greve de jogadores que impediu a conclusão da temporada de 1994. Permitir passes sobre duas linhas já gerou boas chances de gol, mas não tem havido um exagero de tentativas. As zonas onde os goleiros são proibidos de dominar o disco não têm sido um grande incômodo para eles.
Na verdade, algumas das discussões menos comentadas são justamente as mais dramáticas, especialmente a regra que proíbe o time que comete um icing de fazer uma troca de linhas antes do face-off seguinte. Em 25 de outubro, O Anaheim Mighty Ducks foi pego com sua quarta linha depois de um apito de icing. O técnico do Los Angeles Kings, adversário da noite, botou no gelo uma linha ofensiva para o reinício de jogo, o que garantiu aos Kings a vitória tanto no face-off como no jogo, já que Luc Robitaille marcou o gol da vitória no lance. De acordo com Randy Carlyle, técnico dos Ducks, aquele foi um "gol das novas regras".
Campbell avisa que ainda estamos no começo da temporada e que "ninguém ainda está se gabando", mas que a liga vai continuar a monitorar as atuações de seus árbitros e os números ofensivos. Se a média de gols começar a cair ao longo da temporada, a NHL vai considerar mais opções para o ano que vem, incluindo a polêmica sugestão de aumentar o tamanho dos gols.
É bom que, desta vez, a rigidez na aplicação das regras dure não só um mês, mas a temporada inteira.
Alexandre Giesbrecht, 29 anos, gosta do novo jogo. E recomenda o Piccolo Bistrot (Rua Tucuna, 687, Pompéia, São Paulo) para quem gosta de um restaurante aconchegante e com boa comida.