É da natureza humana. Nós gostamos tanto de adivinhar o futuro quanto de falar sobre os feitos conseguidos por estrelas passadas. Adoramos também vislumbrar o que pode vir a ser a carreira de uma grande estrela, e se ela será capaz de superar as estrelas da geração anterior.

Não podia ser diferente com Sid “The Kid” Crosby. O mínimo que se espera dele é a carreira de um líder, um franchise player, tal qual Mats Sundin ou Joe Thornton. O máximo? Bem, o céu é o limite. A propaganda geral é de que Crosby é o Lemieux da nova geração. Não à toa seu nome já é tão popular quanto o de estrelas consagradas em outros esportes, como Allen Iverson ou Tiger Woods. Basta fazer uma rápida pesquisa no Google para constatar isso. Crosby tem ainda em comum com os jogadores citados um contrato milionário com uma grande empresa esportiva desde sua adolescência.

Como as habilidades de Crosby já foram comparados aos de praticamente todos os grandes jogadores da liga, prefiro dessa vez expor o outro lado da moeda. Não é uma previsão vaga, sem sentido, já que há um exemplo prático, e que ainda vive na memória de parte dos fãs de hockey: Alexandre Daigle.

“Alex Kid”, como era conhecido Daigle pela imprensa canadense (alguma semelhança? mera coincidência?) foi escolhido pelos Senators com a 1ª escolha geral no recrutamento de 1993. Dono de um currículo nos juniores de fazer inveja até mesmo a Lemieux e Gretzky, Daigle conseguiu arrancar dos Senators um contrato de US$ 12,5 milhões por 5 anos – mais bônus por pontuação e quantidade de jogos (o que levou a NHL futuramente a criar o teto salarial para calouros). Os Sens foram acusados inclusive de entregar alguns jogos no final da temporada de 1992-1993 somente para conseguir obter Daigle no recrutamento.

A sua carreira na NHL começou de forma sólida. Como se esperava, ele dominava as ações dos Sens, e chegou a atuar próximo a 30 minutos em média por jogo, em todas as situações possíveis. As coisas começaram a desandar quando, apesar de pontuar, Daigle era incapaz de levar os Sens a sonhar com classificação aos playoffs, o que frustrou a mídia e os torcedores, aumentando a pressão sobre o garoto de 18 anos apenas.

Pouco a pouco o talento de Daigle deu lugar às distrações alheias ao hóquei. O desejo de atuar (no cinema, que fique claro) e aparecer superou a paixão pelo hóquei, levando Daigle a dar declarações condenando o estilo de vida canadense, dizendo que “lá as pessoas só aceitam que você jogue hóquei e durma, não podia ter vida particular. Aqui [em Philly] o mundo não gira em torno do hóquei, e as pessoas não dão a mínima para o que você faz fora do gelo”.

A passagem pelos Flyers foi parte da decadente carreira de Daigle, que passou ainda por Tampa Bay, Edmonton e pelos Rangers, até que resolveu tirar um tempo para si. Mal-sucedido em seus projetos, acabou voltando para o hóquei, para atuar ao lado de Lemieux mas acabou dispensado dos Penguins, indo parar no defensivo time de Minnessota. Sob o comando do disciplinador Jacques Lemaire (treinador do Wild), Daigle postou sua melhor temporada na carreira, sendo o maior pontuador da equipe e igualando o número de pontos de sua melhor temporada (ainda calouro nos Sens).

Daigle é considerado atualmente um bom jogador. Muito distante daquele que se esperava dele. Chega a ser triste vê-lo em ação, especialmente os torcedores dos Sens. O talento está claramente lá, a velocidade, a capacidade de colocar o disco onde quer... mas faltou uma etapa no desenvolvimento dele como jogador, e os anos perdidos não se recuperam. Quando assisto a um jogo do Wild (salve Dudu) a única impressão que tenho é a de um grande talento desperdiçado.

Claro que isso é a imagem de alguém que estava pouco preparado para a atenção que recebeu, para ser o centro da atenção. Crosby sempre teve treinamento sobre como lidar com a mídia. Além disso, Sid terá tempo para desenvolver seu talento, em uma equipe já sobrecarregada de estrelas em todas as posições. Sob a asa de Lemieux, Crosby poderá galgar cada passo que leva um jogador ao estrelato.

Quem sabe finalmente nós não estamos frente a frente com o sucessor de Gretzky? Ao menos, seus primeiros passos foram mais humildes do que os de Daigle, que será eternamente lembrado pela declaração pós- recrutamento de que “agradecia a Deus por ter sido o primeiro escolhido. Afinal, ninguém lembra do número 2”. Ao que Chris Pronger, segundo recrutado daquele ano, respondeu com um simples “Nós veremos”. E vimos.


Daniel Novais ainda sente um aperto no coração sempre que fala de antigos símbolos dos Sens, como Yash e Daigle.
POSE DE ESTRELA Alexandre Daigle, como calouro do Ottawa Senators; de esperança a fiasco. (Arquivo TheSlot.com.br)
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Página publicada em 19 de outubro de 2005.