Não é só no futebol que existe o famoso bicho, aquela grana prometida aos jogadores em caso de uma vitória importante. No hóquei no gelo ele também existe, geralmente pago por um jogador que retorna à cidade onde jogava para enfrentar seu antigo time, como forma de recompensar o autor do eventual gol da vitória de sua nova equipe. Culturas diferentes, mas a mesma essência: um incentivo financeiro em caso de triunfo.
Durante a semana, o assunto ganhou destaque na imprensa internacional.
Tudo porque Ron Wilson, treinador do Toronto Maple Leafs, jogou 600 dólares na mesa e prometeu pagar a quantia ao jogador que marcasse o gol da 600.ª vitória de sua carreira.
Wilson está na 17.ª temporada de sua carreira de treinador, somando quase 1.300 jogos no período, nunca tendo vencido uma Copa Stanley e com a duríssima missão de reconstruir os Maple Leafs. Em suas duas melhores campanhas, o treinador guiou o Washington Capitals até as finais, apenas para ser varrido pelo Detroit Red Wings, em 1997-98, e o San Jose Sharks até as finais de conferência, em 2003-04.
A sexagentésima vitória veio justamente contra os Sharks, seu ex-time, na terça-feira, com o gol decisivo marcado por Carl Gunnarsson, defensor de 24 anos que faz apenas a sua segunda temporada na NHL.
Wilson fez tudo às claras, inclusive sendo captado pelas imagens da TV com o dinheiro na mão. Os jogadores comentaram abertamente o assunto com os jornalistas. Eles só não imaginavam que a exposição demasiada causaria problemas.
Os abelhudos da NHL viram no bicho uma forma de burlar as regras do teto salarial, que não permite que qualquer coisa de valor seja paga pelo clube ou um de seus membros a um jogador além do que está previsto em seu contrato. Resultado: os Maple Leafs serão multados pela NHL por conta do incentivo financeiro de Wilson.
A atitude da liga atinge diretamente uma prática comum no esporte, abrindo um precedente perigoso que a obriga a policiar o bicho, investigando os jogos em que possa haver apostas desse tipo. Por causa de 600 dólares.
A quantia representa 0,001% do teto salarial, que é o máximo que o time pode gastar na temporada com salários. Dá pra imaginar alguém burlando as regras por pagar 0,001% a mais a um jogador?
A NHL entende que sim, porque as pessoas que dirigem a liga são muito chatas e adoram o politicamente correto. É óbvio que eles devem zelar pelo respeito às regras, mas daí a incomodar uma franquia por causa de 600 dólares é um exagero.
Wilson não prometeu um carro novo ou uma casa na praia, ele apenas deu uns trocados para um de seus jogadores.
Felizmente os Leafs não deram muito bola para a questão. O gerente geral Brian Burke afirmou que Wilson pouco se importava com a legalidade de sua conduta e que a equipe aceitaria sem objeções a multa.
Os 600 dólares de Wilson apareceriam em não mais do que um parágrafo no meio de um texto ou em uma nota de rodapé, como os casos listados abaixo, mas a reação da liga promoveu o assunto à primeira página da cobertura do hóquei no gelo nos jornais.
Em fevereiro de 2009, durante o segundo intervalo de um jogo entre Pittsburgh Penguins e Tampa Bay Lightning, o atacante Evgeni Malkin prometeu depositar mil dólares no "fundo dos jogadores" caso o time virasse o jogo, o que de fato aconteceu. Quem dedurou a prática foi o atacante Luca Caputi, então calouro, durante uma entrevista de rádio.
Em março de 2010, o treinador Brent Sutter, do Calgary Flames, prometeu um pequeno incentivo em espécie aos seus jogadores em troca de uma vitória contra seu antigo time, o New Jersey Devils. Os Flames venceram o jogo, mas o atacante Curtis Glencross não revelou o valor do bicho.
Nessa semana, um torcedor do Columbus Blue Jackets prometeu, via twitter, doar 20 dólares para a instituição de caridade favorita do jogador que marcasse o gol da vitória contra os Red Wings no jogo de sexta à noite. A rede social favorita da maioria dos internautas espalhou a causa, que atraiu até torcedores dos Red Wings, e antes do jogo ultrapassou a marca de 7 mil dólares de doações, contando também com dinheiro dos jogadores. Os Jackets venceram o jogo na disputa de pênaltis.
Há ainda o relato de um jornalista afirmando que pelo menos um gerente geral teria oferecido 100 mil dólares do seu próprio bolso
para os seus jogadores eliminarem um time rival durante uma série de playoffs anos atrás, e ninguém ouviu nada sobre isso.
Humberto Fernandes tem trabalhado muito.