Por: Thiago Leal

"Oi, meu nome é Patrick Marleau. Eu sou o capitão deste time e a cara desta franquia. E agora que estamos em mais uma final de conferência, passa pra mim que eu resolvo". OK, dificilmente um cara (aparentemente) sério e reservado como Marleau já disse algo desse tipo. Mas há alguns meses (ou até há alguns dias) até pensar em um monólogo desse gênero era ridículo. O cara simplesmente sumia em decisões. Não foi à toa que perdeu o C de capitão. E não estamos entrando em méritos técnicos, apenas no fato de Marleau não dar as caras quando o time precisa.

Por isso é surpreendente que os cinco gols que os Sharks tenham feito até aqui nessa final de conferência tenham a participação de Marleau, que marcou quatro deles e deu assistência para um. No jogo 1 da série, em San Jose, foi de Marleau a assistência ainda no primeiro período para Jason Demers marcar 1-0 para o time da casa. No jogo 2, também no Vale do Silício, dois gols marcados pelos Sharks, ambos de Marleau com assistências de Dan Boyle. E no jogo 3, em Chicago, em duas ocasiões que os Blackhawks estiveram na frente foi Marleau que marcou para buscar o empate. Neste, em específico, Marleau deu passes, chutou a gol... foi o melhor jogador no rinque sem sombra de dúvidas e se mostrou um jogador capaz de desequilibrar. Até que enfim! E olha que estamos falando de um jogo onde Duncan Keith e Patrick Kane foram muito bem!

E Marleau ainda deu declarações sobre a importância de ser o cara, de ser a referência do time. Claro que, tímido que é, não chamou para si os holofotes ao estilo Neto que marcava gols e se ajoelhava dizendo Eu sou f*, e apenas disse que achava importante que o San Jose jogasse com referência em um jogador, independentemente de ser um atacante, um defensor ou até um goleiro. Mas o homem em questão era um atacante. Era ele mesmo, Patrick Marleau. Em outra ocasião qualquer torcedor dos Sharks estaria pensando "Que é isso, capitão! Você é o cara!"

Mas dá para ter essa alegria quando o seu time está prestes a ser varrido da competição, justo numa final de conferência? Tudo pareceria muito bem se não fosse o detalhe de que os Sharks perderam os três jogos. 2-1 e 4-2 em casa, 3-2 na prorrogação fora de casa. Está há um jogo de ser eliminado. Claro que acabamos de ter o exemplo do Philadelphia, que virou uma série de 3-0 em 4-3, mas reconheçamos que isso não é a coisa mais corriqueira do mundo e não deve acontecer agora novamente, ainda mais com o hóquei que o Chicago vem jogando. Principalmente Dustin Byfuglien, marcador dos dois gols vencedores nas partidas em que seu time venceu por um gol de diferença — ou seja, é ele quem vem desequilibrando na série. "Os caras" do Chicago têm aparecido, claro: Duncan Keith, Patrick Sharp, Patrick Toews... mas comentei que o jogo dos Blackhawks é mais coletivo e não se concentra em um jogador. Nem preciso dizer o que tem acontecido com Joe Thornton e Dany Heatley, não é? Mas é irônico que só agora o suposto líder da franquia apareça marcando gols decisivos e mesmo assim eles não sejam decisivos, já que no final das contas o time fracassa.

O pior de tudo é que nem dá para culpar tanto assim os Sharks. Os melhores jogadores do San Jose em playoffs, Devin Setoguchi, Joe Pavelski, Dan Boyle, Ryane Clowe... todos estão lá, se matando no rinque. Comandam o ataque do time de azul-esverdeado-como-o-mar-de-São-Francisco, e a presença ofensiva dos Sharks é boa e dominante na série. E aí são méritos de Antti Niemi, o goleiraço que fechou o gol dos Blackhawks e se transformou no principal jogador do time em duas das três partidas do confronto até aqui.

Esse despertar de Marleau depois de 2004 é curioso. Eu não acreditava que isso pudesse acontecer porque sempre via em Marleau a figura de um cara que não sabe lidar com a responsabilidade. Em 2004 os Sharks foram quase uma surpresa (não é bem o que chamo de surpresa, era um time muito bom, mas...) então, bom jogador que é, Marleau chegou sem grandes pressões e liderou o San Jose junto a Cheechoo até a final de conferência. De 2006 para cá, ainda mais ao lado de Thornton, virou obrigação. Virou responsabilidade. Tanto para ele quanto para Joe.

A diferença entre ter os craques, ter que contar com os craques e ter um bom time
No meu artigo da semana passada, chamei atenção para a diferença entre ter o melhor time, caso dos Sharks, e o melhor time, caso dos Blackhawks. A diferença entre os dois é básica. O San Jose tem um esquadrão de arrasa-quarteirões. Um cara do tamanho de Joe Thornton, um sujeito agressivo como Dany Heatley e um jogador técnico como Patrick Marleau unidos a um bom goleiro como Evgeni Nabokov e um defensor com presença ofensiva como Dan Boyle garantem a qualquer time uma temporada regular dominante. Foi nesse esquema que o Anaheim Ducks venceu sua primeira Copa Stanley, em 2007.

Os Blackhawks, por outro lado, têm um conjunto muito melhor, ainda que tenha seus craques em Jonathan Toews, Patrick Sharp e a grande promessa de Patrick Kane. Sim, também têm um grande defensor, o Duncan Keith. De qualquer forma se Byfuglien vem decidindo jogos, mostra que os Hawks têm opções a seus craques.

Mas esse não deveria ser, então, o mesmo princípio para Pavelski e Setoguchi nos Sharks? Não. Há uma diferença sensível nessa questão. Os Hawks são liderados por Toews, mas não dependem exclusivamente de Toews ou de Marian Hossa. A responsabilidade é dividida e os jogadores de alto escalão como Toews e Kane continuam respondendo à expectativa, ainda que, quando marcados, dependam do apoio de Keith ou Byfuglien. Nem Toews nem Kane sumiram nessa final de conferência embora estejam aparecendo menos. Já os Sharks dependem de Thornton e Marleau que não aparecem. Pavelski e Setoguchi acabam levando o time nas costas e não são capazes de decidir os jogos mais importantes, como vem sendo aqui contra o Chicago — afinal de contas, são jogadores secundários.

Esse princípio decide a série a favor dos Hawks. Tente prestar atenção em quantos jogadores do Chicago você verá apoiando a defesa na próxima partida. O San Jose tem chutado mais de 40 vezes a gol, mas muitas das tentativas acabam parando no peito com o desenho de um grande chefe indígena porque parece haver mais comprometimento e empatia do outro lado. Essa participatividade é menor pelo San Jose e Rob Blake acaba tendo que proteger Nabokov quase que sozinho. É injusto e dificulta para os Sharks. Obviamente com os Hawks não seria tão fácil quanto contra o Colorado Avalanche ou contra um Detroit Red Wings em sua pior fase.

Talvez seja por isso que Marleau não seja o cara. Um grande jogador que não tem a menor empatia pela defesa do seu time. Não volta para bloquear os chutes, mesmo quando vive seu melhor momento. Essa é a casa de Marleau. Thornton e Heatley não são crias de San Jose. Chegaram há algum tempo, mas é Marleau que é o filho preferido deste time e ele deveria ser o primeiro a brigar com todas as suas forças por ele.

Suas últimas atuações com a camisa dos Sharks devem inspirar orgulho em algum torcedor. Mas nadar para morrer na praia mais uma vez é mais frustrante que qualquer orgulho.

Ainda dá tempo de reverter. Mas eu sinceramente duvido muito. Se bem que duvidava que Marleau aparecesse em playoffs...

Thiago Leal assina: Disney 1 x 0 Tim Burton.
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Página publicada em 22 de maio de 2010.