Na última edição da sua TheSlot.com.br, o competente, carismático e desordeiro colunista Thiago Leal, brindou a todos com a apresentação das 16 seleções que estão na Rússia para a disputa do Campeonato Mundial. Subo no vagão mundialista e escrevo agora algumas notas sobre como a seleção organizadora se portou na primeira fase e também sobre uma maldição que já está criando raízes no planeta hóquei.
Duas escritas no caminho dos anfitriões russos
Para uma nação acostumada a trucidar os adversários e colecionar títulos mundiais e olímpicos por quase meio século, a seca de 14 anos sem vencer um mísero Campeonato Mundial mais do que incomoda, ela fere o orgulho russo. E como se não bastasse esse longo jejum, ainda há uma estatística no mínimo macabra: desde que a União Soviética venceu o título Mundial de 1986 em Moscou, nenhuma nação anfitriã ficou com o caneco. Nada mais, nada menos, do que 21 anos em que a torcida local teve que assistir os visitantes fazendo a festa em seu quintal.
Os suecos, que nesse período venceram duas medalhas de ouro olímpicas, construíram a grandiosa e moderna Globe Arena especialmente para a edição de 1989. O time foi bem na fase preliminar, mas quando o quadrangular final chegou, a fortíssima seleção perdeu todos seus jogos, terminando em um frustrante quarto lugar. Em 1995, Estocolmo voltou a ser palco da competição, que teve um final ainda mais doloroso: Finlândia, campeã mundial pela primeira e única vez em sua história, após um categórico placar final de 4-1 sobre os donos da casa.
Essa conquista dos conterrâneos da gloriosa vodka Finlândia foi um troco do que acontecera quatro anos antes, quando a pátria da vodka Absolut ficou com o Mundial — na também recém-construída Elysee Arena, na cidade de Turku. Na oportunidade a Finlândia era liderada no gelo pelos mitos Sloteanos Jari Pekka Kurri e Teemu Ilmare Selanne.
Em 2000 seria a vez da Rússia experimentar o amargo gosto do fracasso caseiro. Na segunda maior cidade russa, São Petersburgo, os camaradas da Vodka Stolichnaya conseguiram perder para Letônia, Suíça, Estados Unidos e até para a Bielorússia. O 11.º lugar final foi, sem dúvidas, o maior vexame do hóquei russo/soviético desde a derrota para os colegiais americanos nos Jogos Olímpicos de 1980.
A Suécia teve mais uma oportunidade de ficar com o ouro, dessa vez em Gotemburgo, 2002. Poucos meses antes, a seleção das três coroas havia sofrido uma derrota inesperada frente a Bielorússia nos Jogos Olímpicos de Salt Lake City, e esse mundial era a chance para recuperar parte do orgulho perdido. Mas, mais uma vez, tudo se apodreceu. A Eslováquia venceu os suecos nas semifinais e os russos na finais para obter a glória esportiva mais destacada do jovem país em todos os tempos — pelo menos na nosso ótica distorcida e imprecisa.
Suecos, finlandeses e russos. Bem, faltava um fracasso tcheco e ele viria no mundial de 2004 em Praga, quando o obscuro defensor Andy Roach marcou, de pênalti, o gol que eliminou os anfitriões, na época com um time cheio de estrelas da NHL, ainda nas quartas-de-final.
Em 2006 a Áustria foi a sede e esperava realizar sua melhor participação no torneio em anos. Não aconteceu. Na verdade a seleção foi tão mal que acabou rebaixada para o grupo de acesso do hóquei mundial.
Na última edição do torneio, os letões organizaram um belo mundial, com direito a casa sempre cheia, ótimos jogos e líderes de torcidas com trajes sumários e movimentos sensuais e provocantes. Pois bem, a Letônia terminou no opaco 10.º lugar, fugindo por pouco do rebaixamento. Em uma de suas partidas, o time local foi humilhado, despedaçado, aniquilado, devastado e mais uns 20 adjetivos desagradáveis terminados em "ado". Aquele 11-0 em Riga entrou para a história do hóquei letão pela porta dos fundos — menos mal que as animadoras de torcida não se importaram muito com quase uma dúzia de gols sofridos e continuaram dançando e pulando, dançando e pulando e...
Para o filme não se repetir...
Para evitar que a tragédia de São Petersburgo volte a acontecer, a federação russa elegeu Vyacheslav Bykov para o comando técnico do time. Curiosamente, Bykov foi o autor do gol que deu o título mundial aos soviéticos em 1986, na vitória de 3-2 sobre a Suécia na mística arena moscovita Luzhniki.
Mas será que Bykov é o cara certo para esse desafio? Como sempre a TheSlot.com.br tem a resposta — bem, nem sempre temos as respostas, mas com um pouco de boa vontade podemos dizer que temos algumas respostas para certas perguntas não tão complicadas...
Sim, Bykov era uma das melhores opções para o cargo. Por ser um treinador da nova escola russa, acostumado a lidar com o ego inflado de atletas que ganham milhões, mas que também transita pelo lado disciplinador (não chegando a ser o novo Viktor Tikhonov). Alexander Semin foi vítima desse lado menos amistoso de Bykov. O atleta do Washington Capitals foi cortado da delegação após chegar atrasado no primeiro dia de treinamento, após ser alertado duas vezes pelo auxiliar de Bykov, Sergei Nemchinov. Em minha turva opinião, a alta cúpula do hóquei russo foi muito rigorosa com Semin, mas pelo visto, a mensagem (o corte) serve de exemplo para que a bagunça, que andou imperando nos selecionados russos nos últimos anos, não se repita.
E os resultados?
Tudo perfeito na primeira fase do mundial. Três partidas, três vitórias. Duas delas verdadeiros massacres. Primeiro a Rússia empalou a Dinamarca por 9-1. Entretenimento puro em uma estréia perfeita. Na partida seguinte a sanha goleadora foi mantida e a Ucrânia sofreu apenas um gol a menos que os emergentes dinamarqueses.
Nesse embate contra a Ucrânia, uma aposta de Bykov mostrou que pode render dividendos: utilizar a poderosa unidade de Kazan também na seleção russa.
O quinteto de Kazan
Por incrível que pareça, muito já foi dito sobre o Ak Bars Kazan na sua TheSlot.com.br, em especial na coluna sobre a Copa dos Campeões da Europa. Se o time conquistou o título continental de 2007, na liga russa o primeiro lugar no pódio coube ao maior clube de hóquei do globo terrestre, o Metallurg Magnitogorsk. Mesmo com o time da cidade do aço russa ficando com a Superliga, é inegável que o time de Kazan continua possuindo a melhor unidade de todo o hóquei europeu. Quando os defensores Ilya Nikulin e Vitali Proshkin e o super trio Sergei Zinoviev, Danis Zaripov e Alexei Morozov estão em ação, é melhor começar a rezar, porque é sinal que chumbo pesado se aproxima. Bykov sabe disso e por isso mesmo convocou todos para o mundial, e manteve a turma de Kazan junta. Desde o período de domínio do CSKA Moscou isso não acontecia.
Essa goleada superlativa de 8-1 contra a Ucrânia deixou a unidade em evidência. Os membros da equipe tártara somaram 14 pontos na partida. O ex-Penguins Morozov liderou a trupe com três gols e três assistências. Sergei Zinoviev contabilizou cinco pontos e Danis Zaripov, modestamente, terminou o jogo com três.
Se Dinamarca e Ucrânia não podem ser consideradas super potências no hóquei, o terceiro adversário do selecionado russo em Moscou tem uma história rica, cujo último grande capítulo foi vencer a própria Rússia nas semifinais dos Jogos Olímpicos de Turim. A Finlândia talvez seja a maior ameaça nesse torneio. Um time cheio de figurinhas carimbadas da NHL e alguns bons valores da SM-Liiga. O confronto entre ambas as seleções tinha tudo para ser o melhor do torneio até agora. E foi o que aconteceu.
O arisco prospecto do Toronto Maple Leafs, Nikolai Kulemin, atuando na quarta linha ao lado de Alexander Ovechkin, e novamente a unidade de Kazan, fizeram com que, ao final do segundo período, um confortável 4-1 para os donos da casa aparecesse no placar. Mas gols de Jukka Hentunen e Jere Lehtinen deram contornos mais dramáticos ao embate. Os finlandeses beliscaram o empate, mas o capitão Petr Schastlivy fuzilou Fredrik Norrena devolvendo uma vantagem de dois gols. O ótimo público na Khodynka Arena ainda comemorava, quando o defensor Petteri Nummelin, com seu time em situação de vantagem numérica, diminuiu. Mas não foi o bastante: Rússia 5-4 e aproveitamento de 100%.
O que falta
Os atletas que atuam na própria liga russa são os responsáveis pela boa tarefa até agora. O gigante goleiro Vasili Koshechkin, os membros da linha do Tartaristão e o atacante do Metallurg Magnitogorsk, Nikolai Kulemin, são os destaques até agora. Do pessoal de sangue mais nobre da NHL ainda não vimos muita coisa. Espera-se muito da uma linha formada por Ilya Kovalchuk, Evgeni Malkin e Alexander Frolov, mas parece que Malkin e Kovalchuk ainda estão tentando apagar suas pobres aparições na última pós-temporada da NHL da cabeça. Malkin também parece não estar suportando a temporada mais longa de sua carreira.
Mas isso também cria uma cenário de terror para os adversários: se mesmo com seus principais nomes ainda apagados o time já marcou 22 gols em três partidas, o que acontecerá quando Ovechkin, Frolov e Kovalchuk despertarem? Não espere outra coisa que o fim da maldição citada no início desse texto. Que venha o Canadá!
Fonte: IIHF.com Morozov em ação contra a Ucrânia: melhor atleta da competição até agora. |
Fonte: IIHF.com A Finlândia foi a terceira vítima da sanha goleadora russa na competição. |
Arquivo pessoal Perdendo ou ganhando, Stolichnaya! |