Para quem tem um bom conhecimento de história recente do hóquei: qual foi a última vez que você viu os playoffs se iniciarem sem Senators e Devils estarem presentes simultaneamente?
Como eu não sou uma enciclopédia ambulante, fui buscar a informação. Na longínqua temporada de 1995-96, ou seja, mais de dez anos atrás, foi a última vez — curiosamente, ambas as equipes ficaram de fora da festa na ocasião.
Desde então, Sens e Devils sempre participaram das fases finais da temporada. Apesar disso, apenas em uma ocasião as duas equipes se cruzaram, em uma épica final de conferência, definida por um gol nos cinco minutos finais do jogo 7 marcado por Jeff Friesen.
As experiências das equipes ao longo dos anos em playoffs foi retratada na finalização dessa série. Partindo o coração, mais uma vez, dos torcedores da capital canadense, a vitória foi suficiente para os Devils serem campeões (como já havia feito duas vezes anteriormente) enfrentando um surpreendente, porém frágil, elenco dos Ducks, campeões do Oeste.
Daquela longínqua experiência, muitos personagens ainda sobrevivem para contar história. Os jogadores de franquia característicos como Brodeur, a linha EGG, Langenbrunner e boa parte do elenco de apoio já compunham o grupo vencedor. Pelo lado dos Sens, Redden e Alfredsson são os principais remanescentes.
Apesar disso, é difícil comparar aquela época com a atual. Os Senators finalmente amadureceram com suas experiências anteriores, sob a tutela de um treinador muito mais dinâmico e com mais espírito lutador, tão necessário nessa parte da temporada.
Já os Devils continuam aplicando o mesmo estilo de jogo que os consagrou anteriormente — porém de eficácia dubitável na nova NHL. Apesar de continuar freqüentando o topo da classificação, é difícil considerar os Devils como grandes favoritos ao título.
Com essa cara, a série mais interessante dessa fase se iniciava em New Jersey.
Jogo 1: O dia que Brodeur tirou folga
Após a polêmica decisão da NHL de adiar em dois dias o início da série entre Senators e Devils, era de se esperar que os Devils viessem descansados, enquanto os canadenses entrassem no gelo um pouco lentos.
O que ocorreu foi exatamente o oposto. Os Senators entraram arrasando, marcando quatro gols em um período, coisa rara frente aos Devils até mesmo em um jogo completo. Restou aos Devils recolher os trapos, e buscar motivação em um gol no fim do período.
Não à toa, os Devils são considerados um dos elencos mais sólidos da NHL. Em um segundo período recheado de oportunidades, os donos da casa conseguiram marcar mais dois gols logo no início, colocando pressão nos visitantes, famosos durante a temporada por perder jogos ganhos no terceiro período.
O ímpeto local só diminuiu com o gol de Redden no início do terceiro período, marcado pela forte marcação e diminuição de espaços. O calouro Zach Parise, forte candidato a estrela nos próximos anos, ainda achou uma forma de deixar o placar mais apertado. Mas o jogo terminou em 5-4 favorável aos visitantes. Ottawa 1-0 na série.
Jogo 2: A diferença que 1 segundo faz
Oficialmente, faltavam 0,2 segundos para o fim da partida. Ao menos foi isso que o marcador do tempo (ou como você desejar chamá-lo) achou, amplamente criticado pelos jogadores e comissão técnica dos visitantes. Apesar disso, o domínio dos Devils, motivados pelo retorno de seu capitão Elias, foi marcante ao longo de todo o primeiro período.
A história se modificou nos períodos seguintes. Com Brodeur de volta aos seus dias de graça, os Senators precisaram dar 26 tacadas a gol, contra apenas oito dos Devils na soma dos dois períodos. Ainda assim, foi necessário um gol já sem goleiro para prolongar a partida para os tempos extras.
Após um primeiro tempo equilibrado, uma falha de Joe Corvo foi tudo que Langenbrunner precisou para finalizar o pleito dos Sens de voltar para casa com a vantagem de dois jogos. Contra um time habituado a jogar se aproveitando dos erros do oponente, entregar o disco de presente não é uma possibilidade. Série empatada em 1-1.
Jogo 3: O "totózinho" que fez a diferença
Em um jogo dominado pela excelente atuação dos goleiros lado a lado, era impossível que o jogo não fosse decidido em um detalhe mínimo — mas que faria uma diferença enorme na série.
Após dois períodos de tentativas frustradas dos dois times, os Sens acharam uma forma de furar Brodeur. Como este se negava a cometer qualquer erro, foi necessário um empurrãozinho por parte de Mike Fisher: buscando se aproximar do gol e tentar um possível rebote, Fisher acertou a perna de Brodeur enquanto patinava. Foi suficiente para deslocá-lo e permitir que Preissing marcasse de um ângulo questionável.
O gol foi suficiente para render a segunda vitória para os canadenses, assegurada com um gol sem goleiro nos minutos derradeiros. Ainda durante o jogo, Lou Lamoriello, atualmente o manda-chuva total de New Jersey, fez questão de reclamar da suposta trombada. Brodeur fez questão de colocar panos quentes, afirmando que essa não era uma jogada típica de ser praticada por Fisher — ao menos intencionalmente. Ottawa volta a dominar a série por 2-1.
Jogo 4: O gol de letra de Brodeur
Mais um jogo parelho, cheio de oportunidades. Se desenhava um novo jogo a ser decidido por meros detalhes, quando Brodeur resolveu dar um presente para os donos da casa quando o placar apontava 1-1 no segundo período.
Em nova tacada vinda de um ângulo um tanto quanto radical, numa tacada absolutamente defensável, Brudeur acabou por desviar o disco com seus patins para dentro do gol. Heatley, ainda meio atônito pelo ocorrido, só pôde comemorar o inesperado evento.
Talvez ainda abalado pelo gol anterior, Brodeur ainda contribuiu levando um gol estranho de Fisher no terceiro período, prontamente respondido por Emery ao tomar um gol do meio da rua. Assim se encerra a partida, e os Devils começam a ver sua classificação mais ameaçada a cada momento.
Não há qualquer dúvida de que a série agora pende completamente para os Senators. Com alinha EGG produzindo pouco (talvez pelo retorno precipitado de Elias) e o grande, porém titubeante, Martin Brodeur, a possibilidade de repetir 2003 parece cada vez mais remota.
Obviamente que em uma série jogada por equipes tão dinâmicas, qualquer coisa pode acontecer. E os Devils são famosos por conseguir esse tipo de façanha. Porém, Scott Stevens e Claude Lemieux, ex-líderes natos dessa equipe, são apenas parte da história desta vitoriosa franquia. Talvez seja hora do talento suplantar a disciplina tática e o hóquei truncado.