NO LUGAR CERTO Recchi, à esquerda, comemora o gol da vitória enquanto Pronger e Markkanen só lamentam (Elsa/AP/CP - 12/06/2006)
por Michael Farber
Não quero dizer que faz tempo que Mark Recchi não ganha uma Copa Stanley, mas a última vez que ele patinou com o troféu na mão, um dos estádios da NHL era o Garden (jardim, em inglês).
O Jardim do Éden.
Na verdade, Recchi ganhou a Copa quando havia um Bush na Casa Bran-ca, o primeiro Bush. Isso foi na paleozóica era pré-American Idol de 1991, quando Recchi era uma peça-chave do poderoso Pittsburgh Penguins que ganhou a primeira de suas duas Copas. Um ponta direita compacto, Recchi era chamado de Wrecking Ball ("bola de demolição") pelos locutores dos Penguins nas transmissões da sua temporada com 40 gols e 113 pontos.
Ele já não demole mais. Recchi agora constrói seu jogo corroendo, deixan-do seu coração e seu cérebro carregá-lo, ao invés de suas pernas.
Recchi marcou o gol que deixou o Carolina Hurricanes a uma vitória de sua primeira Copa, uma vitória por 2-1 no jogo 4 que teria pareceria esquisita — teve a cara da velha NHL — não fosse pela coleção de penalidades. Recchi cavou uma importantíssima sobre o principal defensor dos Oilers, Chris Pronger, no último minuto do segundo período, dando aos Canes uma vantagem numérica de quatro contra três. Se pareceu mais Recchi se jogando do que um choque-em-cruz de Pronger, lembre-se de que Recchi, aos 38 anos, já passou por isso. Se ele consegue tirar o melhor jogador dos Oilers em uma situação crítica — cancelou o que teria sido uma vanta-gem numérica do Edmonton —, ele vai conseguir chegar mais fundo que Lloyd Bridges no filme Aventura Submarina (Se você não entender a referência, pergunte aos seus pais).
Recchi foi alugado pelo Carolina, no que quase se pode chamar de um triângulo amoroso. Ele poderia ter ficado até o fim desta temporada no Pittsburgh, um time que não deve ir a lugar nenhum por alguns anos — a não ser, é claro, para outra cidade, se um novo estádio não for construído na cidade dos três rios. Mas do dia-limite de trocas, ele decidiu desistir da cláusula de seu contrato que impedia trocas, deixando sua esposa e três filhos na cidade-natal dela, para ter uma chance de ganhar a Copa.
"Só sei como é difícil chegar aqui", filosofa Recchi, que marcou quatro gols e três assistências nos 20 jogos de temporada regular que serviram para apresentá-lo a Raleigh. "Essa era a minha esperança quando eu concordei em desistir da cláusula. [Os Penguins] tinham jogado contra [os Canes] quatro vezes, então eu tinha uma boa idéia de como eles eram. Eles ata-cavam em ondas. Eles patinavam bem, Do jeito que o esporte é jogado hoje, achei que eles tinham um estilo que teria sucesso. Eles também ti-nham qualidade no gol. Na época, era o [Martin] Gerber, mas o gol estava sólido. Este era um dos time da [Conferência] Leste que eu consideraria. Nunca é fácil tomar uma decisão como essa. Significava afastar-me da minha família por três meses. Talvez mais. Mas esta poderia ser minha últi-ma oportunidade. E tem dado certo até agora."
O gol da vitória veio quando o técnico dos Hurricanes, Peter Laviolette, que escalou seis centrais entre seus 12 atacantes, brincou de mudar suas linhas mais uma vez, como se fosse uma apresentação de circo no Ed Sullivan Show (de novo, pergunte aos seus pais). Em um esforço de fazer Eric Staal pegar no tranco, Laviolette fez o fenômeno dobrar seus turnos, usando-o freqüentemente em uma linha com Cory Stillman, um dois seus pontas regulares durante a maior parte da temporada. Stillman criou a jo-gada que mudou a série a cerca de quatro minutos do fim do segundo pe-ríodo, ao pressionar Pronger, botando seu taco na frente de uma tentativa de afastar o perigo do canto. O disco subiu, caiu nos pés de Staal, e o central de 21 anos passou-o para Recchi, que estava acampado à direita do goleiro dos Oilers, Jussi Markkanen. "Tudo o que tive de fazer", conta Recchi, "foi colocá-la para dentro de um gol vazio." O disco viajou pouco menos de um metro no gol, mas não se pergunta qual foi a distância nem quantos foram (foi o seu sétimo nos playoffs). Pergunta-se quando foi.
O renascimento de Staal era uma validação previsível de sua temporada com cem pontos e de seus sólidos playoffs. Ele também assistiu no gol do Carolina no primeiro período, que veio 29 segundos depois que os Oilers abriram o placar, um gol que não transformou o Rexall Place em uma biblio-teca, mas certamente baixou o volume da enlouquecida torcida. Stillman, que marcou o primeiro gol, tem se encaixado perfeitamente não importa onde Laviolette o use, e Justin Williams, que dá trancos e marca gols e mata penalidades e faz tudo menos encher as garrafas d'água, deu continuidade à melhor pós-temporada longe dos holofotes de que se tem notícia nos últimos tempos.
E ainda havia Recchi. Ele não jogou nem oito minutos no jogo 4. Ele rece-beu apenas 1:42 em vantagem numérica. Mas, no jogo que mais importa-va nas finais da Copa Stanley, ele estava no lugar certo na hora certa.
Em 9 de março, ele apostou que o lugar certo seria a Carolina do Norte.
Michael Farber é jornalista da revista Sports Illustrated. O artigo foi traduzido por Alexandre Giesbrecht.