Terça-feira, 13 de dezembro de 2005. Em Atlanta, na Philips Arena, Detroit Red Wings e Atlanta Thrashers se enfrentavam em um dos mais movimentados jogos da temporada regular até o momento.
No mesmo horário, em Ubá, Minas Gerais, em sua residência, um fã dos Red Wings trabalhava na diagramação de algumas seções da lendária edição número 100 de TheSlot.com.br enquanto acompanhava o jogo pela rádio.
A dúvida permeava a cabeça desse torcedor: cansado, era melhor ir dormir, afinal no dia seguinte às 7h30 teria de estar de pé para trabalhar, ou deveria permanecer acordado e ouvir o restante do jogo? Prevaleceu o bom-senso. Concentração redobrada, volume aumentado, dá-lhe Red Wings!
A história do confronto entre as duas equipes já era um convite ao jogo: Detroit venceu todos os sete jogos disputados contra Atlanta. Nos dias atuais mais um estímulo: os Red Wings vinham numa seqüência de três vitórias seguidas, ao contrário dos Thrashers, que carregavam seis derrotas nos últimos sete jogos.
Apesar da má campanha, são poucos os jogadores de Atlanta que precisam entrar no gelo com crachás para serem identificados. A maioria é velha conhecida do público ao redor da liga.
Ambas as equipes disputaram o jogo com goleiros reservas. Pelos Red Wings, o novato Jimmy Howard iniciou a quarta partida de sua carreira, substituindo o titular Manny Legace, contundido, e o suplente Chris Osgood, cansado após atuar na noite anterior. Nos Thrashers o escolhido foi Michael Garnett, de 23 anos, que herdou o posto de número um da equipe após uma seqüência infeliz de contusões para Mike Dunham, Kari Lehtonen e Steve Shields.
Entre os patinadores, três dos grandes nomes da liga nos últimos anos não disputaram a partida. Steve Yzerman e Robert Lang, dos Wings, e Peter Bondra, dos Thrashers.
Precisamente às 22h08min de Ubá começou o jogo. E logo aos três minutos Eric Boulton acertou o goleiro Jimmy Howard em sua meta e foi penalizado, concedendo aos Red Wings a primeira vantagem numérica da partida. Porém foi o Atlanta que se aproveitou da situação, quando Pavel Datsyuk entrou na zona de ataque e errou um passe para Henrik Zetterberg. J.P. Vigier interceptou o disco, arrancou sozinho superando com facilidade Tomas Holmstrom na patinação e chutou no canto esquerdo de Howard para abrir o placar.
Cerca de oito minutos depois Jim Slater e Serge Aubin foram penalizados quase simultaneamente, deixando os Wings com dois homens a mais no gelo, a situação ideal para empatar. Foi assim que Datsyuk se redimiu, quando recebeu passe de Brendan Shanahan na segunda trave e desviou para a rede, em típica jogada de vantagem numérica: o disco vai de uma trave a outra e o goleiro nada pode fazer.
Melhores na partida, os Thrashers mereciam a vitória parcial ao fim do primeiro período. E conseguiram. Após envolvente troca de passes na zona ofensiva entre Slava Kozlov, Patrik Stefan e Greg de Vries, o defensor chutou e Stefan aproveitou o rebote cedido por Howard, devolvendo a liderença ao time. A defesa dos Wings, com Mathieu Schneider e Chris Chelios, ficou a ver navios.
Logo no começo do segundo período os Red Wings empataram, novamente com Datsyuk. O calouro Brett Lebda rifou o disco da zona neutra em direção às bordas atrás do gol, Shanahan interceptou-o e deu um belíssimo passe para o russo partir em direção ao goleiro e chutar rasteiro no canto direito.
Jogo empatado, não por muito tempo. Imediatamente os Thrashers responderam em mais uma falha da defesa dos Wings. O brucutu Bobby Holik comandou o ataque ao lado de Brad Larsen e Vigier, encurralando Lebda e Schneider, que nada puderam fazer diante da troca de passes inteligente dos adversários. Quando Schneider saiu para combater Larsen, esse lançou para Holik desviar em frente ao gol, vazando Howard pela terceira vez em 16 chutes.
Confirmando sua excessiva falta de paciência com goleiros, o treinador Mike Babcock substituiu Howard por Osgood. Talvez o treinador tenha feito isso para poupar o garoto de um vexame. Talvez.
Na seqüência os Red Wings cometeram três penalidades. Duas com Schneider, no mesmo lance, outra com Daniel Cleary. Com dois homens a mais no gelo os Thrashers ampliaram o placar, em gol de Kozlov, que só vestiu duas camisas em toda sua carreira, justamente as que estavam no gelo. Kozzie armou toda a jogada e finalizou próximo ao gol, na segunda trave, após chute de Ilya Kovalchuk desviar na defesa. Detalhe: foi a única participação de Kovalchuk no placar.
Ainda em desvantagem numérica os Wings foram penalizados mais uma vez, em falta de Andreas Lilja, menos de meio minuto após o gol de Kozlov. Novamente com dois homens a mais os Thrashers precisaram de 18 segundos para ampliar a goleada, com Marian Hossa, aproveitando fácil rebote de Osgood após chute de Holik.
Não parou por aí. Completando a festa e a moleza de marcar em vantagem numérica contra os Red Wings, Ronald Petrovicky aproveitou uma falha de passe do ataque adversário e recuperou o disco ainda na zona defensiva, patinando com velocidade em direção ao gol. Petrovicky era acompanhado de perto por dois companheiros de time e nenhum jogador de branco-e-vermelho foi visto na imagem. Cara-a-cara com Osgood bastou chutar no ângulo do goleiro.
Pasme!, Atlanta 6-2 Detroit, com três gols marcados em menos de dois minutos. Detroit dominou o restante do período, Osgood até fez uma ou outra boa defesa, mas pode-se imaginar a “cara de bobo” de Babcock ao constatar que seu goleiro levou três gols em seis chutes.
O período terminou após penalidades de Niclas Havelid e Larsen. Restavam 52 segundos de vantagem numérica de dois homens para os Wings.
Foi neste momento em que a decisão de continuar ouvindo a partida foi tomada. Com 6-2 no placar e Osgood no gol, o terceiro período poderia ter sido muito pior. Mas há certas coisas que diferenciam um fã dos Wings de outros torcedores da liga. Acreditar é uma delas.
O último período começou e logo aos 24 segundos Shanahan marcou em vantagem numérica. A jogada foi a mesma do primeiro gol: Lidstrom na linha azul, passe na primeira trave, jogada individual de Shanny e disco na rede.
Menos de dois minutos depois os Wings voltaram ao jogo com gol de Jason Williams. Lebda passou para Shanahan, que conduziu o disco até a zona de ataque, tentou um passe para a frente da rede, Garnett não segurou e Williams aproveitou o rebote.
Ensaiava-se uma reação, que veio em mais uma oportunidade em vantagem numérica de dois homens, após penalidades de Jaroslav Modry e Hossa. Aos oito minutos do período, com a mesma formação que marcou duas vezes na noite, realizando a mesma jogada, “Lidstrom para Shanahan para a área e para o gol”, os Wings diminuíram para um a diferença no placar. Shanahan tentou um passe na área, sem sucesso, mas o disco sobrou de frente para o gol no taco de Schneider, e aí não tem goleiro que segure.
Exatos 40 segundos depois os Wings fizeram o que parecia impossível, empataram a partida. Datsyuk acertou um passe mágico para Zetterberg entre dois defensores adversários. O sueco dominou o disco e chutou, mas Garnett não segurou. Holmstrom aproveitou o rebote e com dificuldade marcou.
Se nos primeiros gols da reação o narrador já gritava com emoção, imagine nos dois últimos. É a emoção de ser um torcedor dos Red Wings. O comentarista da rádio gritou a plenos pulmões: “INACREDITÁVEL!”. Em menos de nove minutos o Detroit empatou a partida em 6-6.
Foi com o empate que a idéia deste artigo nasceu, para contar a “sensacional virada protagonizada pelos Red Wings em Atlanta”. Mas há coisas inexplicáveis na vida, e nos esportes isso é ainda mais intenso.
Com o momento todo a favor da equipe os Wings não conseguiram o gol da vitória e com muito custo evitaram o gol dos Thrashers na penalidade cometida por Mikael Samuelsson. Naquele momento parecia que marcar quatro gols para empatar o jogo era muito mais fácil que marcar um único tento para vencer.
O lance que decidiu a partida aconteceu com menos de cinco minutos para o fim do jogo. Todos os dez patinadores estavam na zona de defesa dos Thrashers e os Wings trocavam passes buscando o gol. Aí o famoso “Sobrenatural de Almeida” entrou em ação. Lilja recebeu o disco à frente da linha azul e no ato do chute seu taco quebrou. Aubin dominou o disco e de primeira passou para Stefan, esse já no centro do gelo, patinando em velocidade. Stefan conduziu o disco próximo ao círculo esquerdo de faceoff e chutou na saída de Osgood. Lilja não conseguiu se recuperar a tempo de bloquear o chute sem seu taco e Lidstrom pouco pôde fazer.
Dali em diante os Wings tentaram em vão, até em rede vazia, empatar a partida. Mas a vitória ficou mesmo para os Thrashers, em incríveis e históricos 7-6. E mesmo a derrota não apagou a idéia de escrever sobre este grande jogo de hóquei.
Após o jogo Babcock falou sobre a noite. "Eu acho que nossos jogadores realmente lutaram para voltar [ao jogo]. Acho que nós fizemos um bom trabalho, mas no final eles conseguiram chutar e marcar, e isso é o jogo". Típica declaração que exprime frustração. Sobre Shanahan, falou com mais sinceridade. "Foi seu 1300º jogo e ele marcou cinco pontos, isso mostra em que ponto da carreira ele está". E a respeito de mudar os goleiros, foi ainda mais sensato. "Isso não funcionou esta noite. Eu poderia fazer tudo de novo? Absolutamente." Osgood sofreu o mesmo número de chutes que Howard, porém concedeu um gol a mais que o calouro.
Maior pontuador da noite, Shanahan explicou a postura final do time. "Nós queríamos colocar muita pressão sobre eles, como estavam fazendo conosco, e pudemos fazer isso quando voltamos ao terceiro período com vantagem de dois homens no gelo. Foi uma dura derrota que poderia ter sido uma vitória emocional para nós".
Stefan, eleito a estrela da partida, também falou. "Nós marcamos aqueles dois gols e eles vieram atrás de nós. Acho que o mais importante foi evitar penalidades. Eles têm um grande time de vantagem numérica. Nós marcamos alguns grandes gols nesta situação. Então eles marcaram também". Foram sete gols marcados em vantagem numérica, sendo quatro deles em vantagens de dois homens.
Rica em tantos detalhes, a primeira vitória da história do Atlanta Thrashers sobre o Detroit Red Wings jamais será esquecida, nem mesmo por este fã que acompanhou a derrota de seu time até 0h34min.
Humberto Fernandes perdeu sua cachorra, Raja, da raça Akita, no último sábado, vítima de erliquiose canina. Que seu companheiro por oito anos, Scott, tenha vida longa!
(QUASE) VIRADA As imagens da primeira vitória do Atlanta Thrashers sobre o Detroit Red Wings em toda a sua história. De cima para baixo: o primeiro gol de Patrik Stefan, uma boa defesa de Chris Osgood e a comemoração do gol da vitória, também marcado por Stefan (Gregory Smith/AP - 13/12/2005)