Por
Thomaz Alexandre
O ano é 1993. Você vê na locadora mais próxima
alguns joguinhos novos, chamados NHL e NHLPA, para os dois consoles
de 16 bits mais populares. Aluga os dois. Você já tinha
ouvido falar algo sobre hóquei na TV Bandeirantes, mas muito
pouco, e numa época jovem demais para se fixar tal coisa.
De volta aos joguinhos. Eles são divertidíssimos: rápidos,
com muitos gols, colisões entre os jogadores e uniformes fantásticos
para cada time. Há uma certa estranheza quando dois jogadores
adversários largam os tacos e partem para os socos, sentimento
que se mais tarde virá a se dissipar com a maior integração
ao esporte. Há dois jogadores, um de preto e cinza com o número
99 e outro de preto, dourado e branco com o número 66, que saltam
aos olhos, com muitos gols e jogadas plásticas. Seus amiguinhos
"normais" jogam o jogo com você e se divertem muito.
Quem já tem TV a cabo pode assistir à verdadeira liga
pela ESPN, que naquela época realmente cobria a NHL. Muitas das
narrações ainda são exclusivamente em inglês,
muitas delas em horários ingratos, devido ao fuso. A partir desse
ponto você já é o único da turminha que encara
o programa. Você acaba de se tornar um fã de hóquei.
Com a partida gravada, visita em casa, você a convida para assistir.
Nesse ponto, começa a se acostumar a ser chamado de "maluco"
e perceber que não vai ser fácil compartilhar sua empolgação.
Três anos mais tarde, um outro console, já rodando suas
roms em CD, lhe permite ir mais adiante: você já troca
linhas "on the fly", conhece os craques pelo nome, escolhe
os times não só pelo nome da cidade, mas também
pelos apelidos, conhece as arenas e até mesmo cria um time com
seus jogadores favoritos.
No mesmo ano, o jornal Lance, que, infelizmente, não é
tão bem distribuído fora do eixo Rio-São Paulo,
traz os resultados das rodadas na NHL, a classificação
e, por eventuais milagres, uma foto com legenda.
A Internet se populariza, e você já pode ler sobre seu
time favorito e acompanhar seus resultados. Com uma graninha extra,
já se compram revistas (que, por milagre, também apareciam
em certos lugares nas grandes cidades), vídeos e os sonhados
uniformes. Você olha no espelho e se vê um Jagr, Bure ou
Graves.
Só que você sai com a camisa para passear, principalmente
no verão, e as pessoas mais chegadas não se restringem
a chamá-lo de louco, alienado. Na ESPN, a essa altura, as transmissões
ainda não secaram, mas já são em português
na maioria das vezes. O narrador André José Adler torna-se
um popular e, por que não?, folclórico, incentivador do
esporte no País. Sua aceitação pela parcela mais
jovem do público é grande. Muitas vezes falta informação
de qualidade, é verdade, mas o esforço de Adler junto
a esportes antes áridos por aqui, como hóquei e futebol
americano, é contagiante.
Falando em Adler e Internet, os primeiros sites, listas e bate-papos
sobre o esporte começam a surgir por aqui. Adler está
envolvido em todas, apoiando o extinto site Powerplay, o canal #nhl
na rede Brasnet de IRC e a lista de discussão NHLBr. É
agora que os fãs podem encontrar alguém para conversar
sobre sua paixão. Às vezes há colegas a uma distância
bem menor do que se imagina. Devido à união e à
camaradagem que cercam o hóquei, fatalmente colegas tornam-se
amigos. Timidamente, são agendados os primeiros encontros de
fãs.
E não esqueçamos dos joguinhos. Agora estão muito
mais evoluídos, disponíveis em versão para PC,
e os fãs do país a fora se enfrentam. Daí em diante,
quantas vezes Ubá (dizem as más línguas que qualquer
cidade do país) não comandou os Red Wings para uma vitória
sobre os Rangers, sob o controle de Recife?
É aí que a ESPN começa a abandonar o barco. Quando
a base de fãs já passa da ordem de centenas, os jogos
ficam raros, geralmente restritos a reprises na madrugada. Migalhas
como NHL Power Week (Cool Shots) e SportsCenter, que, por um período,
foi retirado em prol da versão ar(gh)gentina, são devoradas
como se fossem o último manjar dos deuses.
Um recurso de muitos é ouvir os jogos pela Internet. O que é
muito divertido, pois muitas rádios contam com excelentes narradores
e comentaristas. Baixar vídeos e assistir nos PC's também
é obrigatório. Principalmente para que alguém "de
fora" saiba e te julgue nerd, insano.
Numa tentativa de viver mais de perto um ambiente como o da NHL, é
criada a BHL, Brazilian Hockey League, uma liga virtual em que os jogadores
são os gerentes de seus times e interagem entre si pela Internet.
Devido à negligência do membro designado comissário,
a liga é encerrada sem completar nenhuma temporada.
Numa segunda vez, a liga é planejada com antecedência,
testada, novamente testada. Obviamente, o comissário é
outro, e dois dos mais conhecidos fãs de hóquei do país
formam sua comissão. Após recrutar 16 membros, está
formada a LBH, Liga Brasileira de Hóquei.
A primeira temporada foi um sucesso, o que chamou a atenção
de uma imensa lista de espera para expansão. Oito novos times
aceitos, e a temporada 2002-03 segue, já estando em sua fase
decisiva. O sucesso cresceu. Os encontros agora reúnem quase
uma dezena de fãs, levando gente de um estado a outro para conhecer
pessoalmente seus "irmãos".
Há também outra forma de liga virtual, na qual se aposta
em jogadores da NHL e ganha-se pontos pelo seu rendimento na vida real.
São as fantasy leagues.
E muita coisa segue mudando. Os problemas contratuais impedem que alguém
concorra com a ESPN e nos sirva hóquei de verdade. Ao contrário
da Directv americana, a brasileira não tem canal exclusivo de
hóquei, o cobiçado NHL Center Ice (quem puder, acesse
o site deles e solicite. Quanto mais pedirmos, mais chances teremos).
E as coisas que mudam para bem? Bem, essas vocês leitores e nós
da The Slot BR precisaremos continuar apoiando incondicionalmente nosso
esporte/paixão, para que possamos, quem sabe, um dia colher um
fruto mais saboroso.
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Thomaz Alexandre ama o hóquei. |
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