Por
Fabiano Pereira
Lembro que meu primeiro contato com o hóquei não se deu
com aquele filme horrível da Disney, sobre os Mighty Ducks. Nada
contra a equipe de Anaheim; só acho o filme horroroso mesmo.
Meu primeiro contato foi com o sensacional NHL 94, da EA Sports, para
Super Nintendo, cujo ROM tive o prazer (incomensurável!) de baixar
e jogar novamente em casa. Depois de conhecer os sensacionais e realistas
NHL 2001 e 2002, o divertimento e o quociente de felicidade que tive
com esta velharia foi mil vezes maior do que com os antigos.
Joguei com os Rangers (claro) e virei um jogo contra os Hawks, por 6-3,
com quatro gols de Mark Messier, um de Esa Tikkanen e outro de Mike
Gartner. Sinceramente, vale a pena! Mas por que eu citei o jogo? Bem,
eu lembro que, quando comecei a jogar, eu achava que aqueles nomes não
poderiam ser de verdade. Como poderia alguém se chamar Jaromir
Jagr, Esa Tikkanen, Darren Turcotte ou, pior, Zarlei Zalapski? Estava
além da minha compreensão de realidade.
Foi então que um amigo me presenteou com uma revista, a Sporting
News, com Mario Lemieux na capa. Como é? Esse cara é real?
Os times são reais? Uau! Os Rangers, time com quem tanto gostava
de jogar, com Leetch, Patrick, Richter, Messier, Tikkanen e Gartner,
são reais? Li sobre o time, falando que, após um fiasco
na temporada 92-93, deveria ter mais chances e que os Penguins, com
Lemieux, eram os francos favoritos.
Meu contato seguinte com o hóquei foi em 1995, quando comprei
o NHL 95, já sabendo que a liga era de verdade e, melhor ainda,
com a capa em mãos (que tenho até hoje), descobri que
os Rangers haviam sido campeões, em cima do Vancouver Canucks.
Começava aí meu fanatismo, não só pelos
blueshirts, mas pela NHL. Ah, sim. E que os favoritos Penguins não
tinham levado.
No ano seguinte comecei a ter acesso à Internet, conheci mais
o time e até criei um site. Acho que ele nem existe mais, mas
foi por ele que conheci um grande amigo (que até escreve aqui
na Slot, o Cláudio Aguiar) e descobri que ele não era
o único torcedor da equipe de Nova York. Ele fez o convite para
que eu me inscrevesse na lista virtual de e-mails, NHLBr, o que aceitei.
Lá, acabei virando moderador e conhecendo outros doidos que veneravam
o hóquei sobre todo e qualquer outro esporte!
Agora que vocês sabem quem é o Fabiano, vou dizer o que
tenho visto neste país, em relação ao hóquei.
Primeiro, como ex-jogador de basquete amador (muito amador) e fã
da NBA (devo ser exceção aqui nesta revista, junto do
Thomaz), poderia até gostar do espaço que este esporte
recebe das TVs, sejam abertas ou fechadas. Mas não gosto, porque
relega a um ducentésimo plano meu esporte favorito.
Vejo uma lista de e-mails para discussão do esporte que já
chegou a mais de cem pessoas, com umas 50 ativas. Vejo pessoas na rua
com camisas de times. Converso com pessoas que gostam de hóquei
e até assistiriam, mas não sabem onde passa. Quando ouço
isso, acho melhor nem comentar que não vão conseguir assistir
mesmo.
Argumenta-se muitas vezes que o hóquei não é transmitido
porque é um esporte que não teria como se praticar aqui,
que seria muito caro etc., etc. Futebol, tudo bem: uma bolinha de meia
resolve. Vôlei, uma bola e uma corda, pra amarrar em dois postes.
Mas e basquete? Como fazer tabelas? E tênis, que se populariza
a cada dia? Como jogar sem raquetes específicas? Sem elas, vira
um frescobol muito do vagabundo. Hóquei no gelo seria impossível,
mas certamente poderia ser praticada alguma variante com patins (nem
todos são caros), tacos (isso é fácil de improvisar),
os gols seriam feitos com pedrinhas mesmo e a bola, por que não
a de meia?
Você deve estar se perguntando: "Epa! Então você
está querendo me dizer que é possível praticar
hóquei por aqui?". Claro que sim! Até futebol, se
for para ser praticado direito, acaba ficando caro. Uma bola profissional,
chuteiras de marcas extra-ultra-mega famosas, traves de verdade, jogo
de camisa pra um time de 11 pessoas e um campo oficial custam o olho
da cara. Alguém que goste de um esporte e quer jogar vira-se
com o que tem em mãos.
É inegável, então, que o esporte das massas, como
dizem nossos cronistas futebolísticos, está tão
enraizado em cada um e que é difícil convencer todos que
existem outros esportes, bons do mesmo jeito que o futebol e também
acessíveis.
Por conseqüência, a mídia acaba por relegar os outros
esportes a artigo de luxo, somente para uma platéia mais seleta.
Eu, seleto? Por quê? Por que gosto de um esporte praticado fora
do Brasil? Tenham a santa paciência, né? Se Villa-Lobos
conseguiu criar uma música erudita brasileira e a bossa nova
nada mais é que um jazz made in Brasil (com S mesmo), qualquer
coisa pode ser feita em nosso solo. Ou não somos o povo mais
criativo?
Digo isso, pois sofro ao dizer às pessoas que não jogo
futebol. Tratam-me como alienígena. Mas quando eu puder, vou
me vingar e mandar essas pessoas para Suécia ou Canadá.
Aí eu quero ver...
O hóquei tem um bom potencial de crescimento, pelas iniciativas
(mesmo que poucas) em relação ao esporte. Acompanhei o
crescimento do basquete no País, que teve um impulso muito grande
nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992, com o Dream Team. A partir
dali, os brasileiros tiveram acesso a nomes como Larry Bird, Magic Johnson,
Charles Barkley e, claro, Michael Jordan. O que falta é uma exposição
maior da NHL na mídia.
O problema é como conseguir isto, já que não temos
uma seleção nacional de hóquei no gelo e, mesmo
com os jogadores da NHL liberados para jogarem por suas seleções
nos torneios mundiais e Olimpíadas de Inverno, isso não
apareceu por aqui. É muito estranho ver a atitude da ESPN ao
não passar hóquei. Falam muito sobre o tempo que leva
um jogo de hóquei, mas pelo tempo que levam os jogos da NFL (National
Footbal League, Liga Nacional de Futebol Americano) e da MLB (Major
League Baseball), sei não, isso parece desculpa esfarrapada.
Quando vejo iniciativas como esta revista, a NHLBr.com ou mesmo listas
de discussão como a Coolgame e a NHLbr, além de ligas
virtuais como a LBH (Liga Brasileira de Hóquei) e páginas
pessoais de torcedores como eu, não consigo imaginar que existam
neste país apenas meia dúzia de pessoas para formar um
público de hóquei. Não acredito também que
só nós da Slot sejamos fanáticos a ponto de ficar
até de madrugada acordados para assistir a um jogo. Em 170 milhões
de brasileiros não podem existir apenas 150 aficcionados (o que
seria a soma de pessoas cadastradas na NHLBr
e Coolgame).
Sinto até pena da paixão que tenho quando olho minha camisa
dos Rangers com o número 11 atrás e o nome Messier em
cima ou o disco do time que tenho (obrigado, Márcio). E sinto
pena de cada um de nós da Slot, que escreveu um belíssimo
texto (digo isso sem ter lido o de mais ninguém) e que, com certeza,
será solenemente ignorado pela ESPN ou pela NHL.
Mas não tem problema. Torcedor é doente mesmo e se contenta
com o pouco que tem. Seja um "melhores momentos" na Band,
ou uma faixinha informando resultados no SportsCenter da ESPN, ou entrando
no site da NHL para tentar ao menos ouvir em alguma rádio virtual
como estão os jogos dos times do coração. Mesmo
que a narração seja em inglês. E, na pior das hipóteses,
acabamos escrevendo um site quase que todo baseado no que lemos diariamente
nas informações que coletamos em cada página (novamente,
em inglês) sobre este esporte tão querido.
Talvez estejamos na era do dinheiro, e o que vale é o gosto da
maioria, ou, como diria Adorno, da massa. Ainda que este gosto não
seja dos melhores. Mas não tem problema. Pessoas com gostos esdrúxulos
jamais serão vencidas. Como diria um amigo meu: "Sempre
existirão aqueles que gostam de groselha, sorvete de chocolate
com menta, Frank Sinatra, Del Rey e bolas de siri no câmbio do
carro". Que tal colocar a palavra "NHL" nesta frase?
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Fabiano Pereira queria apenas poder assistir aos seus Rangers.
Mesmo que fosse para vê-los perdendo, como sempre. E para
constar: ele gosta de groselha, sorvete de chocolate com menta e
Frank Sinatra. |
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