Uma dinastia é definida como uma série de soberanos que se sucedem numa ordem. No caso da década de 1950, esse soberano foi o Montreal Canadiens. Nesses dez anos os Habs conseguiram o que muitos times da NHL em toda a sua história não conseguem. O clube centenário esteve presente em todas as finais de Copa Stanley da década em questão, um recorde na liga. Dessas, os Canadiens venceram seis, sendo cinco seguidas, outro feito nunca realizado.
Nesta matéria especial em homenagem aos cem anos do clube mais tradicional da NHL, vamos ver como foi essa sequência de cinco Copas Stanley seguidas, fato que talvez seja o recorde mais difícil de ser quebrado na NHL moderna.
1951-1955: Na primeira metade da década, os Canadiens bateram na trave quatro vezes. Em 1951, perderam a Copa Stanley para o Toronto Maple Leafs e, em 1952, foram varridos pelo Detroit Red Wings, que também foi o seu carrasco em 1954 e 1955. O único título nesta sequência de finais foi em 1953, quando o Montreal bateu o Boston Bruins, com um gol de Elmer Lach na prorrogação do jogo cinco. Lach, que hoje tem 91 anos, jogou 14 temporadas na NHL — todas pelos Habs —, foi campeão três vezes e teve o seu número 16 aposentado durante a comemoração do centenário do clube.
Lach foi o central da famosa "Punch Line", que tinha ainda Toe Blake pela esquerda e Maurice Richard na direita. A linha foi montada em 1943 e durou até 1948, com a aposentadoria de Blake. Seria necessária uma matéria inteira para descrever as façanhas dessa linha. Agora, basta dizer que ela liderou os Canadiens na conquista de duas Copas Stanley, as de 1944 e 1946.
Em 1955, após a segunda derrota em final de Copa Stanley e apenas uma conquista em cinco finais seguidas, os Canadiens decidem contratar um dos heróis da famosa linha. Toe Blake, autor do gol dos títulos de 1944 e 1946, foi contratado com o objetivo de acalmar um ambiente turbulento e controlar o temperamento explosivo de seu antigo companheiro de linha, Richard.
1956: Liderados por Blake, os Canadiens dominaram a temporada regular. Foram 24 pontos de distância para o segundo colocado Red Wings, e Jean Beliveau foi o destaque dentro do gelo. O central foi o artilheiro da temporada, com 88 pontos em 70 jogos, e eleito o melhor jogador da temporada regular. Mas o seu ponto alto na temporada foi um jogo contra os Bruins. Nesta partida, os Canadiens perdiam por 2-0 no segundo período quando Beliveau diminuiu numa situação de dois homens de vantagem numérica. Vinte e quatro segundos depois, e ainda com a vantagem numérica, "Le Gros Bill", como era chamado, empatou a partida e, 20 segundos mais tarde, Beliveau viraria o jogo. O hat trick de 44 segundos é o segundo mais rápido da NHL, só perdendo para os 21 segundos de Bill Mosienko, do Chicago Blackhawks, em 1952.
Na pós-temporada, os Canadiens passaram pelo New York Rangers em cinco jogos e chegaram à final contra os então bi-campeões e carrascos nos dois anos anteriores Red Wings. No primeiro jogo, Richard marcou quatro gols na vitória de 6-4, mostrando que desta vez os Canadiens vinham mais fortes do que nunca. Depois desse jogo, Jacques Plante fechou o gol e o Detroit só conseguiu marcar mais de um gol em um único jogo da série, na partida 3, quando venceu os Habs por 3-1 em casa. No jogo seguinte, Plante defendeu todas as tacadas, zerando o ataque dos Red Wings em Detroit.
Agora bastava uma vitória em casa para a conquista da Copa Stanley, e ela veio. Primeiro com um gol de Beliveau, depois, Richard marcou o que viria a ser o gol do título, e Bernard Geoffrion assinalou o último dos Canadiens. O gol de Beliveau foi o seu sétimo na série e até hoje ninguém nunca marcou tantos gols numa final da Copa Stanley. O central também foi o artilheiro da pós-temporada, com 19 pontos. Depois de duas temporadas, o capitão Emile Bouchard, que, divido às contusões, só jogou um único shift em toda a pós-temporada, levantou a oitava Copa Stanley dos Canadiens.
1957: A temporada regular foi marcada por equilíbrio entre os Bruins, os Canadiens e os Red Wings, com uma leve vantagem para este último. Tanto que o time de Detroit terminou a temporada regular na primeira colocação e teve o artilheiro e melhor jogador, Gordie Howe. Em Montreal, a temporada ficou marcada por um jogo contra os Maple Leafs, em que os árbitros apitaram o final do jogo com uma barra de ferro na mão para conter os torcedores dos Habs, que estavam revoltados, alegando favorecimento aos Leafs. Com menos de dois minutos para o fim do jogo, foi marcada uma falta, cometida por "Rocket" Richard quando os Canadiens venciam por 1-0. Os Leafs empataram e, ao sair do banco de castigo, Richard discutiu com um dos juízes. A torcida começou a jogar objetos no gelo e a partida foi interrompida, devido ao temor de um novo grande tumulto — como o que ocorreu dois anos antes envolvendo o próprio Maurice, um juiz e a torcida enfurecida. Quando a partida foi retomada, o Montreal marcou o gol da vitória, com menos de seis segundos para o fim do jogo. Mesmo com a vitória, os torcedores continuaram protestando contra o presidente da liga, Clarence Campbell, que estava presente no Fórum e que só pode sair escoltado pela polícia meia hora depois do fim da partida.
Na pós-temporada, os Canadiens passaram novamente pelos Rangers em cinco jogos e enfrentariam nas finais os Bruins, que derrotaram os Red Wings também em cinco partidas. Mais uma vez, o "Rocket" Richard mostrou o seu cartão de visitas no jogo um, marcando quatro gols, assim como no ano anterior. Plante foi ainda mais perfeito nesta final, tomando apenas seis gols nas cinco partidas disputadas. O Boston venceu apenas o jogo quatro, em casa, o que adiou a festa do título por dois dias, e ainda a levou para Montreal.
No jogo cinco, os atletas menos famosos foram as estrelas. Nos dois primeiros períodos, Don Simmons, Dickie Moore e Geoffrion — que fez a melhor pós-temporada de sua carreira, terminando como artilheiro dos Habs nos playoffs —, abriram 3-0. Depois que Don Marshall marcou o quarto gol, o último período virou "cumprimento de tabela". No final, o 5-1 pros Canadiens deu o direito ao capitão Richard de levantar a nona Copa Stanley do Montreal.
1958: A temporada foi novamente dominada pelos Canadiens. Foram quase 20 pontos de distância para o segundo colocado. Moore, autor do gol do título da ultima temporada, foi o artilheiro do time na temporada regular, marcada por dois fatos importantes. Primeiro, mesmo limitado a apenas 28 jogos por causa de uma contusão, "Rocket" Richard tornou-se o primeiro jogador a marcar 500 gols na carreira. O segundo fato que merece menção foi a criação da Associação de Jogadores da NHL, a NHLPA. Junto com ela veio uma série de brigas judiciais, onde os jogadores pediam um aumento em suas aposentadorias. No final, depois de processos, evidências plantadas e trocas forçadas de jogadores, a NHL enfraqueceu o movimento, mas cedeu alguns benefícios para os jogadores.
Na pós-temporada, os Canadiens varreram os Red Wings e encontraram n final novamente os Bruins, que haviam passado pelos Rangers. A final desta temporada foi mais disputada, com os Habs perdendo o jogo dois em casa, mas recuperando a vantagem ao vencer, fora de casa, o jogo três. Graças à grande atuação de Richard na pós-temporada, com 11 gols — três deles na prorrogação, dois contra o Detroit e outro no jogo cinco da final —, o Montreal estava a uma vitória do título no jogo seis.
O jogo do título mais disputado do penta dos Canadiens começou com a falsa impressão de que seria uma partida simples pois Geoffrion — duas vezes —, Richard e Beliveau fizeram 4-0 para o Montreal. Mas os Bruins marcaram três vezes e venderam caro o título até o fim, quando Doug Harvey marcou com a rede vazia. Com a vitória, os Habs se tornaram o segundo time a conseguir três títulos seguidos — o primeiro foi o Toronto, em 1947-48-49.
1959: Os Canadiens ditaram o ritmo mais uma vez na temporada regular. Além de melhor campanha, o clube ganhou quatro dos seis troféus individuais: artilheiro, melhor novato, melhor defensor e melhor goleiro. O ponto alto daquela temporada foi a virada dos Maple Leafs. Faltando cinco jogos para terminar a temporada regular, o Toronto estava a sete pontos da última vaga para os playoffs. Num jogo onde Plante não pode atuar, os Leafs arrancaram rumo à pós-temporada vencendo os Canadiens por 6-3. A derrota forçou o treinador Blake, do Montreal, a demitir o seu goleiro reserva e contratar Charlie Hodge, do Montreal Royals. Hodge segurou os Rangers na partida seguinte, que nunca mais se recuperou. O Toronto acabou tirando a diferença de pontos, numa arrancada que só terminou na final da Copa Stanley daquele ano.
Na pós-temporada, o Montreal venceu os Blackhawks em seis jogos, enquanto os surpreendentes Maple Leafs precisaram de sete jogos para eliminar os Bruins. Sem poder contar com Richard, contundido, Marcel Bonin e Moore foram os destaques dos Habs na série final. Os Canadiens venceram os dois primeiros jogos em casa e, com uma vitória fora no jogo quatro, os fãs foram ao Fórum com a chance de ver sua equipe ser campeã mais uma vez em casa.
Para o último jogo, os Canadiens tiveram mais uma baixa, com Beliveau juntando-se a Richard na torcida. Ralph Backstrom, Geoffrion — duas vezes —, Tom Johnson e Bonin deixaram o Montreal com uma vantagem de quatro gols no último período. Os Habs administraram o jogo até o final e a vitória de 5-3 garantiu a quarta Copa Stanley seguida ao time, um feito inédito repetido apenas pelos próprios Canadiens (1976-77-78-79) e pelo New York Islanders (1980-81-82-83).
1960: A última temporada da sequência de títulos dos Canadiens já mostra que o poder do Montreal estava diminuindo. Apesar de fazer a melhor campanha da temporada regular, a diferença de pontos não foi tão alta como anteriormente e os Habs não dominaram as premiações. A temporada desse ano foi marcada por uma mudança radical na NHL. Vinte minutos depois que o disco o acertou no rosto, Plante voltou ao gelo usando uma mascara de fibra de vidro e defendeu 27 das 28 tacadas contra o seu gol na partida. Plante, nunca mais jogou sem máscara novamente e calou os críticos que temiam que o uso da máscara atrapalhasse seu rendimento, com uma sequência invicta de dez partidas. Depois dele, um a um os goleiros passou a proteger os seus rostos.
Na pós-temporada, os Canadiens varreram os Blackhawks, do artilheiro da temporada regular Bobby Hull, enquanto os Maple Leafs sofreram para vencer os Red Wings em seis jogos, onde um deles durou até a terceira prorrogação. A final da Copa Stanley foi então uma repetição da última edição, porém o Montreal mostrou porque colecionavas títulos seguidos, não tomando conhecimento do Toronto. O destaque da pós-temporada foi Henri Richard, irmão do "Rocket" Richard, e Plante, que, usando sua máscara, não perdeu um jogo sequer.
No quarto jogo das finais, Plante defendeu as 30 tacadas dos Maple Leafs, que precisavam desesperadamente da vitória para forçar o jogo cinco. No primeiro período, Beliveau e Harvey marcaram com 29 segundos de diferença. No terceiro período, Henri Richard aumentou, depois de uma assistência de seu irmão, e Beliveau fechou o placar em 4-0. Maurice Richard levantou a quinta Copa Stanley seguida dos Canadiens, um recorde de títulos seguidos que ainda não foi batido. O passe para o gol de seu irmão foi o último ponto do "Rocket" Richard, que se aposentaria ao final daquela temporada. No jogo três da série, o artilheiro do Montreal marcou seu 34° gol numa final de Copa Stanley, recorde que também nunca foi quebrado.
1961-1980: Nos vinte anos seguintes, o Montreal Canadiens continuou sua hegemonia na NHL. O time esteve presente em 11 finais de Copa Stanley e conquistou o troféu 10 vezes nesse período. Três dessas vitórias foram sob o comando de Toe Blake. O treinador é o segundo maior ganhador da Copa, só perdendo para Scotty Bowman, que conquistou nove títulos, cinco deles pelos Canadiens.
Por duas vezes os Canadiens bateram na trave na tentativa de repetir a conquista das cinco copas seguidas. Entre 1965 e 1969, o Montreal conquistou o troféu quatro vezes e só não conseguiu o penta porque perdeu a final de 1967 para os Maple Leafs. A outra vez foi entre 1976 e 1979, quando os Habs ganharam quatro títulos seguidos sob o comando de Bowman, mas não conseguiram chegar às finais em 1975 e 1980.
Se os 30 anos entre 1951 e 1980 são de fartura para os Canadiens, com 16 títulos e aparições em 21 finais de Copa Stanley, os 30 anos seguintes foram de decadência para tradicional time canadense. Nas 28 temporadas disputadas desde 1981, os Habs só conseguiram chegar a três finais, conquistando a Copa apenas duas vezes, em 1986 e 1993.
UPI/Bettmann/Detroit Times Maurice Richard e Jacques Plante num jogo da final da Copa Stanley de 1956 contra os Red Wings. O primeiro dos cinco títulos seguidos dos Canadiens. |
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