Por: Bruno Sader

Fim da tarde de terça-feira. Como era inverno, a cidade já estava às escuras. Antes de sair de casa, aquela consulta no Wheater Channel para ver a temperatura. Quinze graus negativos com sensação térmica de -21. Crédito para o vento. A roupa era a mesma de sempre, camisa de manga curta vermelha por baixo, moletom por cima e o considerável casaco de 400 dólares por cima de tudo para sobreviver ao inverno. Me recusava a colocar calça leg ou as populares ceroulas. Ia de jeans mesmo. No pé, a meia extra-grossa de algodão e a bota impermeável.

Saí de casa faltando pouco mais de uma hora e meia para o jogo. Essa era a vantagem de morar no centro, pois dava pra fazer tudo a pé e com calma, nada de ônibus ou metrô. Os jogos durante a semana não passavam nos canais de televisão aberta — os únicos que eu tinha —, apenas nos canais por assinatura, e em francês. Sendo assim, tinha que me dirigir a algum pub para ver o time da cidade em ação. Tinha mesmo que ir ver todo jogo? Claro que sim! Faz parte do dia-a-dia, da rotina, da cultura, da população. Quem sou eu para ser diferente?

No caminho, uma parada no Quiznos Sub's, um primo genérico mais barato (e mais gostoso) do famoso Subway. Sanduíche pronto rapidamente, menos 15 dólares no bolso, e lá vamos nó para o ponto de encontro. Meus amigos ficaram na dúvida entre o lugar que deveríamos ir. Alguns queriam o Peel’s Pub, a três quadras do ginásio, onde sempre íamos para nos "aquecer". Argumentei que lá era mais legal para beber, mas não para ver o jogo, e que aquele era dia de clima de jogo! Sendo assim, não havia lugar melhor que o "la Cage".

La Cage aux Sports era um bar. Um bar enorme. Um bar dentro do Centre Bell. Sempre lotado em dias de jogos. Pedimos mesa pra oito. Espera de pelo menos 40 minutos. Fazer o quê? Uma volta pela loja oficial que ficava entre a entrada da arena e a entrada do bar era ideal para matar o tempo. O certo era reservar mesa, mas como era mais um jogo normal, ninguém teve paciência para fazê-lo. Um tempo depois fomos chamados e sentamos.

No lugar, dois andares, diversas telas de 40 polegadas em high definition e dois grandes telões. Também havia dois placares eletrônicos, como os do ginásio. Por sinal, dava para ver o corredor do ginásio de dentro do bar. Quem estava vendo a partida nas arquibancadas vinha para o bar no fim do jogo, quando as portas para o mesmo eram abertas. Sentados, foi só pedir alguns "pinchs" de cerveja (jarros de cerveja) e algumas entradas básicas à base de fritura. A água era de graça, como em todo o Quebec. No La Cage, a pipoca também era.

O jogo era contra os Rangers de Nova Iorque. Após uma hora de partida, o placar mostrava 5 a 0 para o adversário. O clima no bar era nada mais do que frustrante.  Mas o inesperado aconteceu. O time começou a marcar gols e perto do fim do terceiro período o placar apontava apenas um gol de desvantagem. A tensão ficou grande por dois motivos. Um deles era óbvio, do time empatar o jogo. O outro era que se o time marcasse cinco gols, todos no bar ganhavam oito asinhas de frango por conta da casa. Era o "5 but 8 ailes". E empatamos! Explosão de alegria no bar lotado. Vamos para a prorrogação. Nenhum gol anotado em cinco minutos, decisão nos tiros livres indiretos e vitória canadense. A maior virada em quase 100 anos de história do clube.

Já havíamos pagado a conta antes do fim do jogo para não ter que fazer isso na hora em que todos fazem. Quando saímos felizes e com cupons de frango de graça nas mãos, eu vi o gelo. Não o da neve do lado de fora mas, do o do rinque do Centre Bell! As portas para o corredor do ginásio estavam abertas e o público que ficava nas fileiras mais próximas do gelo saía por ela para o La Cage. Eu puxei uma amiga e fui pelo meio da massa no contra fluxo, até adentrar a arena. Desci as escadas até encostar no vidro. Sentei em uma cadeira da primeira fileira para imaginar a sensação de ver o jogo dali, mesmo que só com um Zamboni (aquela máquina de limpar o gelo) na minha frente. Tirei uma foto nas escadas. Ver um jogo dali custava cerca de 500 dólares, e eu não tinha dinheiro nem para comprar um ingresso nos níveis superiores. Apesar deles custarem cerca de 30 dólares, todos eram vendidos no começo da temporada, e só sobravam nas mãos de cambistas por, no mínimo, 120 pratas.

Mas fui pra casa feliz. Vitória histórica, oito asas de frango garantidas para a quinta-feira e uma foto perto do rinque. Uma bela (e inesquecível) noite em Montreal.

Bruno Sader, que viveu esse momento em fevereiro de 2008 quando morava em Montreal, tem saudade de beber água de graça nos bares e restaurantes.
Arquivo TheSlot.com.br
O bar "La Cage aux Sports", local de concentração dos torcedores dos Habs em dia de jogo.

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"5 but 8 ailes": oito asinhas de frango para cinco gols dos Habs.

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Emoção ao ver de perto o gelo do Centre Bell.

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Página publicada em 10 de janeiro de 2010.