Na quinta-feira passada o defensor Nicklas Lidström marcou seu milésimo
ponto na NHL. Era algo esperado para o começo desta temporada, claro.
Anormal seria ele não conseguir. Mil pontos em 1336 jogos (até então).
Todos jogando pelo Detroit Red Wings. É o primeiro defensor europeu
a conseguir isso na NHL. É o oitavo defensor a alcançar esta meta.
É plausível acreditar que Lidström ultrapassará
as marcas de Potvin e Leetch, estabelecendo-se como o 6.º maior pontuador
da história da NHL entre defensores. Acima disso é exagero: Lidström
brevemente entrará na seara Chris Chelios dos 40 anos de idade. Ele
ainda joga uma média de 25 minutos por noite, chegando a 30 em algumas
vezes, mas é provável que esse tempo diminua nesta temporada — se não
me engano já diminuiu na última.
Não se sabe quantos anos a mais ele quer jogar na NHL. O que se sabe
é que ainda não há defensor melhor que ele para jogar de “quaterback”
na vantagem numérica. Ainda não há defensor melhor que ele no embate
um-contra-um (acredito que tenha sido Brett Hull que uma vez disse que,
no um-contra-um, o jeito de Lidström movimentar o taco em direção ao
disco, para retirá-lo do adversário, assemelha-se com o bote de uma
serpente. Rápido, seco e eficiente).
Os dois pontos da quinta-feira vieram de assistências, disparando o
disco da zona da linha azul para ser redirecionado para o gol. Henrik
Zetterberg e Thomas Holmstrom foram os que aproveitaram.
A carreira ofensiva de Lidström é assim mesmo, com ele fazendo o básico
que um defensor de elite faz: disparar o disco ou direto para o gol,
ou na direção de algum taco de algum jogador do time, ou ainda disparar
o disco para que bata nas bordas do fundo e retorne para a região em
torno da área do goleiro (essa era uma jogada muito usada nos tempos
de Mathieu Schneider no time). Difícil mesmo é fazer isso constantemente
bem. De todas as formas, o disco que sai do taco de Lidström é certamente
um disco perigoso para o adversário.
Mais perigoso ainda para o adversário é ser um atacante e ter Lidström
à sua frente, defendendo. Não porque ele seja bruto ou fisicamente intimidador.
(Muito pelo contrário, uma vez li que em toda sua carreira recebeu apenas
uma penalidade por “roughing”. Não sei realmente se é boato, não consegui
conferir. Seja como for, se não foi uma, foi muito próximo disso.) O
perigo é porque o atacante estará frente a frente com o defensor mais
eficiente da liga quando se trata de não permitir que o disco seja desferido
contra o gol.
Por conta disso, quando chegam os playoffs ele é sempre escalado para
conter os principais jogadores adversários. Brett Hull, Peter Forsberg,
Jarome Iginla, Joe Sakic, Eric Lindros, Teemu Selanne, Mike Modano,
Ryan Getlzaf, Sidney Crosby, entre tantos outros.
Defensor absurdamente constante, seus erros, de tão raros, tornam-se
superlativos. Quando Chelios e Schneider fizeram temporadas melhores
que a dele, foram notícia. Como é que poderia algum defensor no próprio
time estar melhor que ele? Ao largo dos altos e baixos dos que o rodeavam
e rodeiam, Lidström era e é sempre Lidström.
Foi o primeiro europeu a vencer o troféu Norris, em 2001. Foi o primeiro
capitão europeu a conquistar a Copa Stanley, em 2008. Foi o primeiro
europeu a conquistar o troféu Conn Smythe, como MVP em 2002. Apesar
dos seis troféus Norris como melhor defensor, em sua prateleira não
consta nenhum troféu Hart como jogador mais importante do time na temporada
— embora dificilmente alguém discorde do estrago monumental que faria
— e que fará algum dia — sua ausência do Detroit.
Desde que passei a acompanhar a NHL, na temporada de 1996-97, que acompanho
também a ascensão de Lidström, tanto no Detroit quanto na própria NHL.
Já naquela temporada ele despontava como o principal defensor do time,
após a saída do clássico Paul Coffey.
E já naquela época a impressão geral era de que ele era um defensor
de rara qualidade, que atuava bem em praticamente todos os jogos. Absolutamente
nada mudou nas características de Lidström: ele seguiu sendo um jogador
sério, de um estilo de jogo praticamente único, paradoxalmente modesto
e relativamente pouco popular. Um jogador que jamais apela para o embate
físico, evita penalidades, não desfere trancos espetaculares, não faz
jogadas sensacionais (ao menos não no senso comum) carregando o disco
e que cisma de jogar com uma regularidade que é absolutamente incomum
a qualquer jogador de qualquer esporte coletivo.
Tornou-se um líder com a saída de Coffey do time em 1996 e sobretudo
com a saída de Yzerman em 2006, quando foi alçado à condição de capitão
do time. Naquela época já havia alguns anos que era Lidström o jogador
mais importante e valioso do time, e não o camisa 19. Isso são palavras
do próprio Yzerman, e não são da boca para fora (“
Lidström
é o coração e alma da equipe”. É até hoje).
Apesar da tal modéstia, a gerência sempre soube valorizar
o jogador: há algum tempo que o salário de Lidström
é referência de teto dentro do elenco.
Eu tive a felicidade de ver jogar alguns dos maiores da história, mesmo
que o final da carreira de alguns. Nomes como Wayne Gretzky, Mario Lemieux,
Yzerman, Sakic, Ray Bourque, entre vários outros.
Eu tive e tenho a felicidade única de acompanhar a ascensão e o auge
de Nicklas Lidström. O declínio, ainda estou pra ver. De jovem promissor
a seis Norris, quatro Copas — uma delas como capitão —, um Conn Smythe,
entre outras conquistas. Lugar assegurado como um dos maiores defensores
da história do hóquei. Conquistou tudo o que um jogador pode querer.
Para mim, o melhor e mais importante jogador do Detroit desde que acompanho
a NHL.