Na temporada 1968-69 da NHL quase todas as séries da primeira fase dos playoffs terminaram em varrida. Quase porque em uma delas não só não aconteceu varrida como foi até o sétimo e decisivo jogo. Foi a série entre o extinto California Golden Seals e o Los Angeles Kings. Na ocasião, os Kings eliminaram os Golden Seals. E o que isso tudo tem a ver? Simples. Essa foi a primeira, e até então única, série de pós-temporada entre duas franquias da Califórnia. Só agora, 40 anos depois, Sharks e Ducks tornam a protagonizar confronto semelhante. E apesar da diferença de potencial entre as duas franquias durante a temporada regular, há motivos de sobra para acreditar que, desse confronto, vai sair faísca.
Os Ducks e os Sharks concretizaram o trabalho iniciado pelo Los Angeles Kings em colocar, definitivamente, a Califórnia na história da NHL. Se lá atrás os Kings foram a primeira franquia californiana a chegar a uma final de Copa Stanley, os Ducks foram os primeiros a conquistá-la. Agora que os Sharks confirmaram o Troféu dos Presidentes, podemos dizer que os californianos já ganharam tudo o que poderiam ganhar. Agora é só incrementar tradições e manter regularidade em participações em pós-temporada.
Mas o que poderia ser melhor para o fortalecimento de uma tradição de que uma boa e ríspida rivalidade? Tem como você falar no Montreal Canadiens sem citar sua rivalidade com o Boston Bruins ou com o Toronto Maple Leafs? Ou a rivalidade recente entre Detroit Red Wings e Colorado Avalanche? Como não falar nela, ao citar a nova e vencedora fase da história dos Wings — que, para muitos, teve início justamente no clímax dessa rivalidade? Não é segredo que as rivalidades fortalecem ambas as equipes que dela dividem e tornam a cena do esporte naquele local mais evidente. Florida Panthers já chegou à final de Copa Stanley, enquanto o Tampa Bay Lightning já a conquistou. Mas, mesmo as duas franquias ficando no mesmo estado, em cidades próximas, uma rivalidade nunca se fomentou entre ambas. E mesmo com suas conquistas, sendo a Copa do Lightning até recente, elas estão caindo no esquecimento da liga, voltando a ser meras franquias coadjuvantes.
Para não correr esse risco, Sharks e Ducks precisam, e devem, encrementar uma fagulha de rivalidade que exista por parte das duas equipes. Essa rivalidade ganharia até mais sentido se a colocarmos no âmbito geográfico: uma luta entre a Califórnia do Norte (NorCal), representada pelos Sharks, contra a Califórnia do Sul (SoCal), representada pelos Ducks — e que também tem os Kings como representantes. Fãs das três franquias, inclusive, costumam se referir a confronto entre Sharks e Kings ou entre Ducks e Kings como NorCal vs. SoCal, por exemplo. Logo, os fãs já consideram a rivalidade que Ducks e Sharks possam ter, independentemente de ser por motívos políticos. É uma ótima oportunidade, então, de promover o esporte através dela.
O próprio sítio oficial dos Sharks é o primeiro a mencionar a rivalidade entre NorCal e SoCal dizendo que ela está "indo fundo" para essa primeira rodada da pós-temporada. E ainda por cima a imagem escolhida foi uma foto de briga entre George Parros e Jody Shelley. E eles ainda publicaram um artigo falando sobre todas as rivalidas entre NorCal e SoCal, incluindo outros esportes. Começaram bem!
Não tem época melhor para uma rivalidade crescer que pós-temporada da NHL. É o momento ideal para que Sharks e Ducks promovam a sua, tanto no gelo quanto fora dele. E digo, sem clubismo nenhum, que o ideal para essa rivalidade seria que os Ducks vencessem o confronto em sete jogos, na prorrogação do último jogo. Por quê? Porque para os Sharks essa é, de uma vez por todas, "a" temporada para ser campeão. O planejamento começou quando Ron Wilson foi demitido, ainda na temporada passada, e para seu lugar veio Todd McLellan. Em seguida vieram as contratações dos veteranos Rob Blake e Dan Boyle — mais nomes experiente para a franquia. O time conquistou o Troféu dos Presidentes, tem um ataque sensacional, uma defesa forte e, ainda por cima, repatriou Claude Lemieux. No dia limite de trocas, trouxeram Kent Huskins e Travis Moen, dois jogadores que tiveram sua importância na conquista da Copa Stanley pelo Anaheim Ducks. E o tempo todo, apenas com uma coisa em mente: a Copa Stanley. Imaginem que, depois de todo esse trabalho, o time fosse eliminado logo na primeira rodada da pós-temporada, numa prorrogação da sétima partida, por um rival caseiro. Com certeza isso seria o estopim para o crescimento do ódio que qualquer torcedor, ou mesmo jogador, dos Sharks pudesse sentir pelo Anaheim. Ódio, no bom sentido, clado, é o alimento para qualquer boa rivalidade.
Mas com certeza nenhum torcedor dos Sharks quer saber disso. "Pô, dane-se a rivalidade! Eu quero a Copa!" Claro, e tem todo direito. Apesar de não ser a minha aposta inicial (foi os Rangers) e nem a aposta do momento (fica entre Bruins e Blackhawks) para conquista da Copa Stanley, com certeza não tem time que mereça mais esse troféu na atual temporada que os Sharks. Primeiro, por ter o melhor jogador de hóquei no gelo em atividade. Para mim não é Sidney Crosby ou Alexander Ovechkin, mas sim Joe Thornton. O número de jogadores com a experiência de já ter jogado — e vencido — Copas Stanley seria mais um motivo para acreditar nos Sharks, e o próprio clube promove esta ideia: Dan Boyle, Kent Huskins, Travis Moen, Rob Blake, Brad Lukowich e, claro, Claude Lemieux já levantaram o troféu antes. Devin Setoguchi, Joe Pavelski, Milan Michalek, Christian Ehrhoff e os já citados Blake e Boyle são nomes que fazem dos Sharks o melhor jogo coletivo da temporada regular. Aliás... por falar nela... nos seus primeiros 30 jogos os Sharks perderam apenas cinco. De quebra, bateram o Boston Bruins — o segundo melhor ataque e a melhor defesa da NHL — por 5x2, em Boston, no que foi, para muita gente, o melhor jogo da temporada.
Ou seja, razões não faltam para que os Sharks vençam a série e avancem em busca pela Copa. E se eu disse que uma vitória dos Ducks seria melhor para a rivalidade, uma vitória dos Sharks não seria ruim. Muito pelo contrário. Se o clube foi o primeiro a instigar essa rivalidade em seu sítio, então os próprios Sharks contribuiriam com ela, mesmo vencendo.
OK, agora vamos sair um pouco da questão da rivalidade e pensar um pouco com os patins para poder prever qualquer coisa da série.
Primeiro, os Sharks são totalmente favoritos. Eu sei que palpitei a favor do Anaheim nos nossos pitacos de pós-temporada, mas aqui considero não minha opinião, mas os fatos. E é fato que o time dos Sharks é melhor. Já listei uma porção de motivos para isso acima. Os Sharks têm um ataque melhor que os Ducks e uma defesa muito melhor. O jogo coletivo dos Ducks bem que melhorou nesta arrancada final de temporada, mas nem chega aos pés dos Sharks. No próprio confronto direto entre ambos os Sharks venceram quatro de um total de seis. Os Sharks também têm um time mais técnico e habilidoso, mantendo sempre uma contagem alta de gols.
Uma característica que os dois times têm igual é o poderio ofensivo dos defensores, muitos deles subindo sempre ao ataque.
As diferenças começam quando pensamos no quão físico o time dos Ducks é. Aliás, conquistaram a Copa Stanley baseados nessa forma de jogar. E hoje podemos dizer que os Ducks estão mais físicos ainda — e o time ainda tem uma boa técnica, com jogadores como Teemu Selanne, Scott Niedermayer, Ryan Getzlaf ou Bobby Ryan. Esse pode ser um ponto decisivo no confronto. Os Ducks devem buscar a vitória através do jogo físico.
É notável a fragilidade defensiva do Anaheim, sobretudo em desvantagem numérica. Esse deve ser o ponto explorado pelos Sharks para vencer a série. E acima de tudo, evitar concentrar seu jogo em Thornton. Seria recomendado explorar ao máximo Setoguchi e Pavelski. Porque não tenha dúvidas de que os Ducks vão apelar para o jogo físico e, dessa forma, tentar anular Thornton. E aqui aparece um outro problema, que questionei na edição anterior, que é o poder de decisão dos Sharks. O costume do time "amarelar" em pós-temporada nada mais é que a dependência e responsabilidade exagerada que é colocada sobre alguns jogadores, como fora com Cheechoo e Marleau no passado e hoje de reflete em Thornton. Aparentemente esse problema, que acontecia também em temporada regular, foi solucionado na temporada atual, com tanta gente dividindo a responsabilidade com Thornton. Já falei que hoje os Sharks têm o melhor jogo coletivo, e isso acontece porque Thornton tem ao seu lado Setoguchi, Pavelski, Michalek ou Clowe. O poder de decisão dos Sharks melhorou.
O final de temporada em Anaheim e as atuações de Ryan Whitney, Andrew Ebbett, James Wisniewski e Petteri Nokelainen mostram que o poder decisivo dos Ducks também aumentou, e muito. Isso é capaz de tornar a série parelha, mais do que muita gente imagina.
Os Sharks continuam favoritos. Mas, independentemente disso, a Califórnia nunca esteve tão perto de ter uma grande rivalidade. Que ela se concretize.
AP O policial George Parros, cometendo mais um ato de abuso de poder. (05/04/2009) |
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