Por: Alexandre Giesbrecht

Foi o sonho de qualquer fanático por hóquei, especialmente aquele sem envolvimento emocional com nenhum dos times. Afinal, essas coisas podem causar sérios problemas cardíacos, quiçá até psiquiátricos. Se tivesse ocorrido em um jogo 7 de Copa Stanley, veríamos livros e documentários sobre o feito. Como foi na decisão do campeonato universitário da NCAA, o impacto é um pouco diferente, mas em nada minimiza a conquista e, principalmente, suas circunstâncias.

O jogo entre Universidade de Boston e Universidade de Miami (Ohio) seguia empatado depois de dois períodos equilibrados e oito oportunidades de vantagem numérica desperdiçadas pelos dois lados. Aos 12:31 do terceiro, o goleiro Kieran Millan, da UB, cedeu um rebote, que Tommy Wingels aproveitou, e Trent Vogelhuber fez 3-1 para os Red Hawks, praticamente colocando uma das mãos do time de Ohio no troféu.

O que se passou a seguir foi até mais surpreendente que a virada imposta pelo River Plate sobre o Botafogo em 27 de setembro de 2007. Foi como se os três últimos gols do time argentino tivessem saído nos acréscimos. O técnico Jack Parker, dos Terriers, usou seu pedido de tempo aos 17:28 e substituiu Millan por um atacante a mais. Seriam mais de três minutos e meio que os Red Hawks teriam para marcar em gol vazio. E mais de três minutos e meio de desespero para os torcedores da UB.

Para quem fala que camisa não pesa, temos mais um exemplo do contrário. A UB não é nenhuma grande potência (tem agora cinco títulos, menos que as Universidades de Michigan, Denver, Minnesota e Wisconsin), mas tem muito mais tradição que a Universidade de Miami (Ohio), que nunca ganhou um título nacional em qualquer esporte. A UM é mais conhecida aqui no Brasil como a universidade onde estudou Ben Roethlisberger.

Desde que os Terriers tinham tirado seu goleiro, mais de 70% do tempo até o apito final tinha se passado sem que isso tivesse adiantado. Por outro lado, isso também não tinha servido para que os Red Hawks fizessem um gol que lhes garantiria o título. Na cabeça deles, o gol "decisivo" já tinha sido marcado pouco antes. Ora, faltava apenas um minuto para que eles pudessem jogar suas luvas e tacos para o ar comemorando um título histórico.

A UB pensava diferente e pressionava de maneira constante, embora sem gerar uma grande quantidade de chutes a gol. Os Hawks estavam acuados, protegidos pela vantagem de dois gols a um minuto do que seria o fim do jogo. Qualquer um que acompanhe hóquei há mais de 28 segundos sabe que um minuto no gelo representa mais que um minuto no campo de futebol, por causa da distância mais curta de um gol a outro e das paradas no cronômetro quando o disco para. Ainda assim, um minuto não dá tanto tempo assim para se marcar um gol, quanto mais dois, e é justamente isso que faz com que histórias como o Milagre de Manchester sejam, bem, históricas.

No campus da UB, esta história certamente vai ganhar um nome mais para a frente. E quem contá-la certamente vai começar pelo quase despretensioso chute de backhand de Zach Cohen, que de alguma maneira iludiu o goleiro Cody Reichard a 59 segundos do que seria o final do jogo. O clímax da história se dará pouco depois, mais precisamente quando o cronômetro do estádio apontar 17,4 segundos para o fim. Os segundos imediatamente anteriores mostram mais uma tentativa no desespero, com o disco de um lado para o outro, mas em nenhum momento sendo chutado na direção do gol.

Exatamente a 18,8 segundos do fim, Nick Bonino pegou de primeira um passe de Matt Gilroy. Àquela altura, o defensor Will Weber, dos Hawks, mergulhava à sua frente, na tentativa de literalmente matar no peito o disco. Ele não teve tempo para pensar no que fazer se conseguisse, mas, se tivesse, certamente consideraria a opção de isolá-lo: se não marcasse no gol vazio, talvez algum colega seu conseguisse alcançá-lo, impedindo o icing e praticamente pondo um ponto final na partida, no sofrimento e no jejum de títulos.

Mas o disco passou por baixo de seu corpo e seguiu sua trajetória rumo ao gol. Reichard era a única esperança de qualquer ser humano que conseguisse raciocinar com a velocidade de um computador e porventura torcesse pela UM. Cerca de seis décimos depois que o disco encostou por uma fração ainda menor de segundo no taco de Bonino e passou por baixo do corpo de Weber, ele singrou por cima da luva de Reichard. A partir dali, não havia mais nenhum recurso da física conhecida para impedir que o disco atravessasse a linha de gol e estufasse as redes, consolidando um empate heroico. O cronômetro correu por outros seis décimos antes de parar nos 17,4, um número que viverá na infâmia no campus dos Red Hawks.

A partir desse momento, a concretização da vitória da UB passou a ser uma questão de mera formalidade. O moral abalado do adversário não teria como impedir por muito tempo um gol que eternizaria aquele 11 de abril nos anuários publicados no campus da UB a partir do semestre que vem. Os Red Hawks resistiram por pouco mais de meio tempo na prorrogação.

O último herói vestido de branco também se chamava Cohen, embora Colby Cohen não tenha nenhum grau de parentesco com Zach. Ele recebeu de Kevin Shattenkirk, avançou e chutou do topo do círculo esquerdo. Assim como seu colega Weber, o defensor Kevin Roeder também mergulhou na frente do disco. Ao contrário de Weber, conseguiu desviá-lo. E aí estava o problema: ele desviou o disco para longe do alcance de Reichard, que sequer viu por onde ele passou, no seu ângulo superior esquerdo.

Jogo encerrado. Os Terriers estavam em uma festa que pouco antes parecia mais que improvável. "O jeito com que fizemos deu ao nosso técnico um ataque cardíaco, mas eu não queria que fosse nem um pouco diferente", disse Gilroy ao fim do jogo. "É um sentimento inacreditável", comemorou o autor do gol da prorrogação, Colby Cohen. Essas palavras não saíram da boca de nenhum membro dos Red Hawks, mas o adjetivo também cabia. O pessoal de Ohio tentou tratar o jogo como uma derrota quase normal. Wingels disse que o time continuava confiante no vestiário após o fim do tempo normal, mas seus olhos diziam exatamente o contrário. O técnico Rico Blasi não conseguia achar uma explicação para o que aconteceu no minuto final do tempo normal: "Tínhamos os jogadores certos no gelo. Sabíamos o que eles iriam fazer. Eles simplesmente executaram seu plano."

Não só isso. Eles também entraram para a história do hóquei universitário.

Alexandre Giesbrecht, publicitário, tem um Twitter.
AP
O técnico Jack Parker no meio da comemoração da Universudade de Boston.
(11/04/2009)
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Página publicada em 8 de abril de 2009.