No elenco atual do Detroit Red Wings apenas três jogadores estão há 12 anos ou mais na equipe. Nicklas Lidstrom, Kris Draper e Kirk Maltby representam a minoria dos atletas que passam mais de uma década ou toda a carreira vestindo a mesma camisa.
Neste sentido, os Red Wings são uma exceção na NHL, porque a filosofia de trabalho do gerente geral Ken Holland é marcada pela constância. Enquanto outras equipes se desmancham e são reconstruídas de tempos em tempos, o Detroit mantém um grupo onde as peças são substituídas apenas no último momento, com contratações escolhidas a dedo e a manutenção de um elenco capaz de competir pela Copa Stanley ano após ano.
O último trabalho realizado por Holland foi garantir a permanência de Henrik Zetterberg em Detroit pelos próximos 12 anos, com contrato de US$ 73 milhões. Significa dizer que o atacante sueco nunca mais vestirá outra camisa, permanecendo o restante de sua carreira nos Red Wings.
Não é a primeira vez que um gerente geral assina um contrato de longa duração com um jogador identificado com a franquia.
Tudo começou em 2001, quando o New York Islanders assinou com Alexei Yashin por dez anos e US$ 87,5 milhões. Naquela era de gastos desenfreados, quem tinha muito dinheiro gastava à vontade na construção do time, mas ninguém tinha ido tão longe ao ponto de oferecer uma década de contrato para um jogador. Yashin não foi exatamente um fiasco durante o tempo em que esteve em atividade em Long Island, mas seu último jogo pela equipe data de 2007, enquanto seu nome estará na folha de pagamento dos Isles até a temporada de 2014-15, descontando no mínimo US$ 2,2 milhões por ano do teto salarial do time.
Os mesmos Islanders foram os protagonistas de outro contrato megalomaníaco quando ofereceram 15 anos e US$ 67,5 milhões para o goleiro RickDiPietro, inaugurando a prática de contratos de extrema duração (considerar extrema duração como tempo superior a longa duração) e valor médio por temporada relativamente baixo. A intenção da equipe era assegurar por toda a vida em Long Island a permanência do goleiro que foi recrutado e se desenvolveu na organização e, em relação às finanças, economizar no médio a longo prazo, pagando por DiPietro valor abaixo do mercado para um goleiro de elite. O problema é que ele talvez nunca alcance o status de goleiro de ponta, porque as duas cirurgias no quadril, outras duas no joelho direito e um par de concussões podem limitar seu desempenho e encurtar sua carreira.
É claro que não foram apenas os Islanders que correram esse risco. Várias outras equipes enxergaram nos contratos de duração exagerada uma forma de garantir a permanência de seus jogadores. Contratos que, invariavelmente, causaram espanto quando divulgados.
O Tampa Bay Lightning assinou com Vincent Lecavalier por 11 anos e US$ 85 milhões. Já o Washington Capitals entregou a Alexander Ovechkin contrato de 13 anos e US$ 124 milhões. Quase o dobro dos US$ 69 milhões que Mike Richards, do Philadelphia Flyers,
receberá pelos próximos 12 anos.
Embora Lecavalier esteja envolvido em rumores recentes de transferência, nenhum dos três contratos pode ser julgado como um mau negócio, pelo menos não por enquanto. Por Ovechkin qualquer equipe pagaria o que os Capitals vão pagar, talvez até mais, porque o russo está um degrau acima de qualquer outro jogador da liga que não se chame Sidney Crosby — de quem ele está, apenas, meio degrau acima. Ovechkin vale o risco, sempre.
Zetterberg é mais um nome nessa lista de jogadores que terão contrato além da nossa imaginação. Ninguém sabe o que vai fazer daqui a cinco anos, muito menos daqui a uma década. Ovechkin estará em Washington e Detroit será o lar de Zetterberg. Salvo, é claro, por uma tragédia que as equipes preferem ignorar.
Uma característica do contrato de Zetterberg é a disposição dos salários anuais ao longo do tempo. O sueco receberá mais de 92% do valor do contrato nos primeiros nove anos, estando reservados para os últimos três anos apenas US$ 5,5 milhões. Essa é a forma que os gerentes encontraram para enganar o teto salarial, acrescentando temporadas a valores mínimos no final do contrato para diminuir a média, que é o valor considerado para os efeitos do teto.
Já havia vazado na imprensa a negociação de Zetterberg com o Detroit não por 12 anos, mas por dez, e US$ 70 milhões. A diferença de dois anos e três milhões reduziu o impacto no teto salarial para US$ 6,08 milhões, com "desconto" de mais de 900 mil dólares por temporada, configurando uma barganha por um jogador que está entre os mais talentosos da liga, atual detentor do Troféu Conn Smythe e que é considerado por todos na organização como o próximo capitão do time.
A título de comparação, o salário médio de Brad Richards beira os oito milhões de dólares e Scott Gomez e Chris Drury recebem mais de sete milhões por temporada.
Holland não inventou a estratégia de concentrar a maior parte do salário nos primeiros anos do contrato. Vários outros gerentes já fizeram isso com jogadores de ponta, como Miikka Kiprusoff, goleiro do Calgary Flames, e dois atacantes do Ottawa Senators, Dany Heatley e Jason Spezza.
É bastante provável que Zetterberg não jogue hóquei até os 40 anos. Os Red Wings sabem disso. Se em 2019 o jogador quiser se aposentar, com ainda dois anos restantes no acordo, a equipe comprará o restante do contrato, pagando um valor irrisório. O risco está na possibilidade do atacante se contundir gravemente ou se tornar um Peter Forsberg da vida, sendo impossibilitado de jogar hóquei de alto nível por períodos constantes. Por isso não pegou bem em Detroit a ausência de Zetterberg por três jogos consecutivos logo após o fim de semana do Jogo das Estrelas e o anúncio de sua renovação contratual. E se as dores nas costas que o impediram de jogar se tornarem recorrentes?
O atual Acordo Coletivo de Trabalho não será encerrado antes de 2011, talvez 2012. Quando esse dia chegar, o comissário
Gary Bettman provavelmente tentará proteger os gerentes gerais deles mesmos, estabelecendo um limite para a duração dos contratos. Tal medida foi adotada em uma das grandes ligas americanas quando um astro do jogo assinou contrato por 25 anos com sua equipe. Logo depois a liga estabeleceu o prazo de seis anos como o máximo.
Brian Burke, um dos gerentes mais aclamados da NHL, considera que contratos com mais de cinco anos de duração são muito arriscados para as equipes. Enquanto foi o chefe do Anaheim Ducks, ele assinou com os atacantes Corey Perry e Ryan Getzlaf por cinco anos e com o goleiro Jean-Sebastien Giguere por quatro. Todos eles solicitaram contratos mais longos, rejeitados por Burke.
Os contratos megalomaníacos dividiam opiniões até há pouco, mas desde que o mundo se enfiou nesta crise econômica o risco está cada vez maior. É vantajoso pagar pouco mais de US$ 6 milhões por um jogador como Zetterberg hoje, mas daqui a cinco anos pode não ser. Ninguém sabe qual o tamanho do impacto da crise nos negócios da NHL e é bastante provável que no curto prazo, uma ou duas temporadas, o teto salarial sofra retração.
Apesar de tudo, o Detroit entende que fez um bom negócio, porque agora Holland pode encaixar Marian Hossa ou Johan Franzen no orçamento. Mas a mesma sensação teve o NY Islanders quando DiPietro assinou seu contrato. As equipes vão, literalmente, pagar pra ver o que vai acontecer.