Por: Eduardo Costa

Não há sigilo quando buscamos o nome da instituição que mais vezes se viu ofuscada, no confronto direto, pelos muitos triunfos dos tricolores de Québec. A imensa vantagem dos Habs sobre o Boston Bruins está amparada por gélidos e sólidos números. Vão além das 114 vitórias de vantagem no duelo. Ela passa pelas sete finais de Copa Stanley entre as duas equipes, com a canadense levando a melhor em cada uma delas. E, tão acachapante quanto, em 31 séries de playoffs os Habs saíram com as glórias em 24 delas, incluindo, nessa conta desigual, um embate na última pós-temporada.

Quando os Bruins chegavam como coadjuvantes em um clássico, geralmente perdiam. Quando chegavam como protagonistas, com favoritismo adquirido por campanhas superiores, perdiam igual. O fenômeno da paternidade agiu de forma brutal, deixando qualquer torcedor de hóquei na Nova Inglaterra sem recursos para um debate com seus rivais do outro ladro da fronteira.

Dar volta nesse cenário beira uma utopia, mas abalar as estruturas Habitants está ao alcance. Apenas agora. Uma oportunidade única.

Também não é segredo para ninguém que o principal enredo dessa temporada 2008-09 é o centenário do Montréal Canadiens. Todas as expectativas estão sendo multiplicadas. As inúmeras, e justas, homenagens fazem de cada partida no Centre Bell um acontecimento único na cidade.

Minar essa temporada tão ímpar dos tricolores é a missão em Boston. Difícil? Sim, mas longe de ser impossível. De fato, dê uma olhada na tabela da Conferência Leste nesse exato momento.

Você não está só quando se surpreende ao ver o time de Boston no topo. Mas o time de Massachusetts faz por onde ocupar um papel de destaque. Agressivos e com uma boa dupla de goleiros, eles também vêm contando com uma turma habilidosa, em especial um atleta subvalorizado na liga.

Acompanhar os Bruins emendarem uma boa seqüência no primeiro quarto de temporada já é uma das tradições da NHL, mas alcançar a liderança com tanta propriedade era algo que não víamos há muito. Os comandados de Claude Julien pontuaram em seus últimos dez embates, tendo vencido nove deles. No cômputo geral a campanha de 14-3-4 dá ao time o terceiro melhor aproveitamento de toda a NHL.

O mês de novembro está perto da perfeição. Começou quando vitimaram os cambaleantes Dallas Stars e, para tornar o momento mais agradável, atingiram a liderança após rara vitória em Montréal.

Se na última temporada os Canadiens varreram os Bruins na temporada regular, na atual Boston já contabiliza dois sucessos diante do time de Guy Carbonneau. A terrível seqüência de doze derrotas que acumulavam consecutivamente em temporada regular frente aos Habs foi quebrada com uma goleada de 6-1. O público que presenciou aquela partida ainda recebeu como bônus a demolição de Mike Komisarek. O algoz não poderia ser outro que não Milan Lucic. O americano, de origem polonesa, Komisarek, até hoje está no estaleiro por conta do duelo com o canadense de raízes sérvias. Desnecessário dizer que o TD Banknorth Garden foi à loucura com tanta magia (?).

Os times voltaram a medir forças no último dia 22. Uma nova escrita nos mostrava que desde dezembro de 2006 os Bruins não saíam da bela província com uma vitória.

A noite era especial para o time da casa, mas Tim Thomas tratou de jogar água no chope da torcida local logo no dia que o número 33 de Patrick Roy era imortalizado. Ele defendeu tentativas de Alexei Kovalev, Andrei Markov e Saku Koivu na disputa de pênaltis. Tabu quebrado. Bruins no topo, abrindo cinco pontos de vantagem para os próprios Habs na Divisão Nordeste e igualando ao número de pontos aos Rangers na conferência — com duas partidas a menos. Foi também a sétima vitória em dez jogos contra equipes de sua divisão. Todos sabemos como é importante sair-se bem nesses prélios.

Assim como sua equipe, Marc Savard também ocupa lugar de destaque nas tabelas da NHL. Nosso companheiro de redação Marcelo Constantino sempre chamou a atenção sobre o quão subvalorizado o central Savard é. Agora que equipe e jogador estão em um degrau elevado, o reconhecimento aparece aos poucos.

Atuando em um time de mentalidade defensiva, Savard dá sinais de ter deixado para trás a fase em que visava apenas a meta inimiga. Mesmo assim manteve a boa produtividade ofensiva. Até o momento em que essa coluna é escrita ele está atrás apenas do genial Evgeni Malkin (31/24) em pontos (27) e assistências (19) na temporada. Se formos mais longe, veremos que, desde o locaute, apenas Joe Thornton deu mais passes de gol que Savard. Nesse mesmo período de tempo, apenas quatro atletas pontuaram mais que o central.

Savard vem sendo o cara responsável por alimentar Lucic e Phil Kessel. É uma linha que reúne todos os ingredientes necessários para tornar uma partida de hóquei agradável. Kessel tem explosão, além de uma habilidade que ainda não foi totalmente lapidada — o que faz com que ainda seja um atleta inconstante. Lucic é alguém que, quando focado, lembra Cam Neely, o que significa muito, já que estamos falando de um dos maiores atacantes de força que já existiu. Savard adiciona o tempo certo das jogadas. O cadenciador. E também aquele passe que deixa o adversário sem um antídoto. Sem dúvida um trio interessante.

Julien até mesmo enxerga uma liderança vindo de Savard, algo inimaginável há duas temporadas.

"Quando você tem um atleta que respeita, e tanta passar para seus companheiros, o que seu treinador está tentando fazer, isso é ser um líder," disse Julien. "Ele está repassando a mensagem da direção técnica. Acredito que ele tem mostrado o desejo de ser um comandante, e isso depende do que ele pode provar dentro e fora do gelo. Às vezes não é o que sai de sua boca, e sim, o que as pessoas te vêem fazendo."

Na meta está outro fator que vem desequilibrando a favor. Tim Thomas está na melhor fase de sua carreira. Definitivamente não sou um de seus maiores fãs, mas é difícil de tirar os méritos de uma campanha de 9-2-3, com direito a uma impressionante média de gols sofridos de 1,80 e 94,4% de chutes defendidos — em ambos quesitos ele lidera a NHL. Julien ainda tem a vantagem de ter como reserva o bom Manny Fernandez . O ex-Wild está há um tempo considerável na franquia, mas o período de inatividade tão grande que quase podemos considerá-lo um reforço para essa atual temporada.

Outra boa notícia, ou não, é que ambos os goleiros serão agentes livres na próxima temporada. Isso costuma elevar o jogo de quase todo atleta profissional.

Assim como Fernandez, o central Patrice Bergeron pode ser considerado um reforço. Os Bruins não puderam contar o franco-canadense por mais de 70 jogos — cortesia do Flyer Randy Jones — na última temporada regular. Bergeron não vem brilhando, mas seus 14 pontos em 21 jogos são uma boa colaboração para quem, por pouco, não abandonou o hóquei. Um pouco mais de tempo e Bergeron poderá fazer a diferença no gelo.

Na linha azul a turma também anda cumprindo seu dever. Zdeno Chara, Aaron Ward. Dennis Wideman e Mark Stuart são os que absorvem mais minutos no gelo, com o eslovaco sendo o mais fominha deles. Como os nomes indicam, se trata de uma defesa de grande porte físico. Wideman e Chara são importantes armas também nas vantagens numéricas devido a força de seus chutes.

No horizonte dos Bruins estão dois duelos acessíveis (?). Nessa quarta enfrentam os Sabres, em Buffalo, e depois retornam a Boston, onde enfrentarão os Islanders. Chances suficientes para manterem o topo da conferência e ver lá de cima o maior rival. Essa é mais uma travessura que os Bruins pretendem fazer com os Canadiens nessa temporada. Deixá-los em segundo plano no Nordeste. Uma tarefa que antes parecia mais complicada do que agora.

Tudo para amenizar a freguesia. Tudo para azedar um centenário.

Eduardo Costa sabe que o povo catarinense terá força e raça suficiente para reconstruir sua vida, apesar de toda a dor que os últimos dias trouxeram. Como em 1984.
Elsa/Getty Images
Marc Savard, o jogador da semana. Mais responsável na defesa, mas o mesmo produtivo atacante.
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AP
Tim Thomas, o goleiro mais eficaz da temporada — até agora.
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Página publicada em 26 de novembro de 2008.