Vincent Lecavalier e Jarome Iginla, capitães de suas respectivas conferências no Jogo das Estrelas da NHL, se divertem no centro de imprensa. Até que uma pergunta capciosa, que evoca uma antiga rixa, é feita. É sobre o épico embate entre os dois, no jogo três das finais da Copa Stanley de 2004. O bom humor foi mantido na hora da resposta, mas é inegável que toda vez que aquela contenda é abordada, lembranças nada agradáveis atormentam o jogador símbolo do Calgary Flames.
A derrota em pleno gelo do Pengrowth Saddledome no jogo seis, através de um agônico gol de Martin St. Louis, logo no início da segunda prorrogação, deu uma segunda vida para os Bolts. Oportunidade extra que o time da Flórida acabou não desperdiçando. Aos vencedores a imortalidade, aos Flames a amargura.
Iginla sabe que a única forma de minimizar aquela dor é conquistar o que quase acariciaram naquela oportunidade. Complicado? Pode apostar que sim. Primeiro porque, antes de pensar nesse vôo de altitude considerável, a equipe precisa suceder em uma brutalmente equilibrada divisão.
Noroeste selvagem
Poucas palavras combinam melhor a atual realidade da NHL do que paridade. Com raras exceções, tanto no topo quanto no limbo, a briga pelas 16 vagas para a pós-temporada promete alguns roteiros repletos de dramaticidade, e nenhuma divisão da liga reflete melhor esse momento do que a Noroeste. Não raro o torcedor vai dormir vendo sua equipe líder, e quando acorda, o time de sua predileção está brigando pela oitava vaga do Oeste — invariavelmente com alguém da Central.
O panorama no intervalo destinado à disputa do JDE é o seguinte: a diferença do Colorado Avalanche, penúltimo lugar, para o Minnesota Wild, líder, é de apenas três pontos. Entres eles estão o Calgary Flames e o Vancouver Canucks. Todos estariam nos playoffs se já estivéssemos em 6 de abril. Apenas o Edmonton Oilers, a cinco pontos dos Avs, e com dois cortejos a mais em sua conta, parece relegado a apenas figurar.
Claramente temos aquele cenário onde jogos entre estas equipes valem o dobro. E foram duas vitórias sobre o Minnesota Wild — na antepenúltima e na última partida antes da parada para o JDE — que aumentaram a cotação e moral dos Flames.
"Antes, tudo era sobre estar no grupos dos oito melhores," disse Craig Conroy. "Depois que entramos de vez nele, já passamos a visualizar o topo da divisão," completou o veterano. Somando o dever de casa bem cumprido contra os Los Angeles Kings, entre as duas vitórias contra o time das cidades gêmeas, temos uma seqüência de sucessos que deixam o time colado no próprio Wild.
E os atributos com que os Flames sobressaíram frente aos seus maiores concorrentes no momento animam. Embora os placares tenham sido parelhos, o time canadense ditou o ritmo de ambos os embates. Enquanto os comandados de Jacques Lemaire apresentavam entrega "sazonal", os Flames sufocavam a saída de disco do Wild, forçaram erros e não permitiram que o disco chegasse na estrela maior do inimigo, Marian Gaborik. E nas raras chances em que teve um respiro, o veloz atacante não pode bater Miikka Kiprusoff.
E por falar nele, o finlandês vem recuperando sua boa forma após uma começo de temporada para o esquecimento.
Um reserva para Kipper
Amparado por uma defesa competente e brutal, que começa a se adaptar ao estilo Keenan e que tem como destaque Dion Phaneuf, Kiprusoff parece não se incomodar com duas sombras. A mais recente é Curtis Joseph, que voltou ao radar da NHL após espirituosa participação pelo selecionado canadense na Copa Spengler. E a outra é o histórico de problemas envolvendo o treinador Mike Keenan e seus goleiros, sendo eles consagrados ou não.
Quando Kiprusoff penou nessa temporada, Keenan simplesmente teve que tolerar o finlandês, já que a confiança nos desconhecidos reservas Curtis McElhinney e Matt Keetley é algo que ele nunca teve. Mas agora CuJo dá uma opção válida para o treinador.
Se no aspecto defensivo o time é competitivo, lá na frente falta o valioso ataque secundário. Das duas linhas principais sai quase toda a produção.
Iginla na briga pelo Hart
Não é surpresa que Jarome Iginla atraia a maior quota de atenção na franquia. O jogador está no grupo de atletas com chances reais de brigar pelo Art Ross. Se você ainda não parou para vê-lo atuar nessa temporada, você deveria sentir vergonha de sua existência. Mais ainda há tempo. Não existe tarefa no gelo que Iginla não cumpra.
Talvez até seja a chance dele vencer o troféu que ele deixou escapar em 2002, quando o determinante fato de não ter levado seu time aos playoffs o fez perder o Hart para o então goleiro do Montreal Canadiens, Jose Théodore, apesar de ter sido o único a atingir a marca de 50 gols na temporada — algo destacável naqueles tempos de esterilidade ofensiva na NHL.
Além de Iginla, os pontos chegam através dos tacos de Daymond Langkow e Kristian Huselius.
Langkow e Huselius: mais do que coadjuvantes
Os dois apresentaram campanhas "gêmeas" na temporada 2006-07 — 77 pontos em 81 jogos, com praticamente a mesma distribuição de gols e assistências — e estão elevando seus jogos a patamares ainda mais destacáveis na atual. Muitos podem falar que centrar Iginla é um fator de muita sorte na carreira de Langkow, mas nem sempre é fácil acompanhar a linha de raciocínio de um gênio. É o mesmo que colocar um integrante de uma banda qualquer de música (?) baiana no Led Zeppelin. O inepto não acompanharia o ritmo. Langkow vem sendo o sócio ideal de Iginla porque tem talento pra isso.
Já o ala Kristian Huselius patina para uma temporada acima dos 80 pontos. O sueco surgiu sem muito alarde na liga, ganhou relativo espaço após boas aparições pelo Florida Panthers, mas vivia em uma gangorra em se tratando de produtividade. Sua estada em Calgary vem acompanhada de saudável regularidade. Huselius, assim como Langkow, não é apenas um coadjuvante de Iginla. E ainda vai se tornar agente livre irrestrito, o que costuma fazer com que grandes coisas aconteçam nos momentos finais de um contrato.
Espaço no teto: problema no curto prazo
E falando em teto salarial esse é um assunto que pode atrapalhar os planos da organização no curto prazo. Há pouco mais de $ 2 milhões de espaço no teto, mas o time já tem que lidar com os representantes de jogadores chaves. Além de Huselius, Langkow, Craig Conroy e Owen Nolan — esses dois últimos, membros da segunda linha — se tornarão agentes livres irrestritos em breve.
Huselius pode buscar um contrato bem vantajoso. Seu saldo de $ 1,4 milhão é bem inferior ao que recebe seu companheiro Alex Tanguay ($5,25 milhões), por exemplo. Mesmo comparando com o de Langkow ($ 2,442 milhões), o do sueco fica em clara desvantagem.
Como se fosse pouco, Dion Phaneuf se tornará agente livre restrito. Isso antes não era um problema superlativo, mas com gerentes gerais insanos oferecendo muitos milhões para atletas como Thomas Vanek e Dustin Penner — Kevin Lowe, estou olhando em tua direção! — não vai ter como os Flames não abrirem generosamente a carteira para Phaneuf, o que não deixará muitas verdinhas sobrando para Langkow e Huselius.
Continuação de Tanguay em cheque
A verdade é que é praticamente impossível manter todos estes atletas na equipe. A questão então é: ganhar algo em troca agora e arriscar perder uma peça importante na reta final, ou não ganhar nada em troca ao final da temporada?
Mas existe um plano "C" (?): Por incrível que pareça, o nome que mais ronda a boataria é o de Alex Tanguay, que ainda tem um ano de contrato com a franquia. "Estou recebendo muito dinheiro pelo que fiz no passado", disse o quebequense, "obviamente estou jogando diferente agora, e acho que estou me saindo bem nessas diferentes funções. Mas penso que sou capaz de fazer mais." Quem também acredita que Tanguay é capaz de mais são os Canadiens, que desejam contar com os serviços do atleta, que, apesar de temer a imprensa de Montreal, não veria problema em ignorar a cláusula de não-troca de seu contrato. Sem os mais de $ 5 milhões que Tanguay recebe, o teto dos Flames se tornaria bem mais flexível para assinar com agentes livres.
Voltando ao gelo
Restam 32 partidas para os Flames, sendo 18 fora e 14 em Calgary. Começando pelos Sharks a quarta, no Pengrowth Saddledome. É importante acumular sucessos como anfitrião. Basta uma rápida olhada na tabela para vermos que o time encerrará a temporada regular com quatro cortejos como visitante, sendo dois deles contra os Canucks, um clássico contra os Oilers e uma aparição em St. Paul. Brutal.
Apesar do já dito equilíbrio na divisão, o Calgary tem condições de assumir o papel de protagonista, desde que consiga separar o que se desenrola nos bastidores do que acontece no gelo.
Harry How/Getty Images Kristian Huselius e Jarome Iginla: parceria de sucesso corre risco, mas brilha enquanto existe. |
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