Existia um peso extra nos ombros do último campeão russo: manter a hegemonia do país na principal competição de clubes do continente, afinal, todas as três edições anteriores da copa européia de clubes campeões foram vencidas por clubes desse país.
O Metallurg Magnitogorsk não fugiu à luta, confirmou o favoritismo e, após oito anos, voltou a ser a melhor equipe daquelas bandas. Assim como na última aparição da extinta copa européia de hóquei em 2000, a conquista veio sobre os tchecos do Sparta de Praga. De quebra, a vitória por 5-2 na finalíssima garantiu o direito da equipe dos Urais enfrentar uma agremiação da NHL na Victoria Cup — espécie de troféu intercontinental — em outubro próximo
A proposta
Apenas os campeões das seis nações mais bem colocadas no ranking da IIHF foram à histórica São Petersburgo. Nada de vice, terceiros ou coisas do nível ganham vaga, ao contrário do que acontece naquela versão do esporte bretão. Tenho certeza que se o gênio Gerard Adriaan Heineken ainda estivesse entre nós, iria preferir que sua fantástica cervejaria patrocinasse uma competição que condiz com seus ideais e não uma em que para entrar basta, às vezes, um medíocre quarto lugar em sua liga doméstica.
Dois grupos com três times cada, com o vencedor de cada um deles avançando para a final. Em um deles o Metallurg era a aposta segura contra os suecos do MODO e os eslovacos do Slavia Bratislava. No outro a balança pendia para o gigante do norte finlandês, o Karpat Oulu, contra os suíços do Davos e o Sparta de Praga.
Grupo Ivan Hlinka
Assim como tivemos três campeões russos até agora, os vice-campeonatos também foram exclusividade de uma nação. O Karpat esteve bem próximo da conquista máxima em 2005, quando um gol na prorrogação de Jaromir Jagr acabou significando a copa para o Avangard Omsk. No ano seguinte eles tentaram de novo, mas foram derrotados nos pênaltis pelo Dynamo de Moscou. O HPK Hämeenlinna, além de ver a festa do Ak Bars Kazan há um ano, foi vítima de um inapelável 6-0.
Os finlandeses sabiam que para tentar uma sorte melhor, deveriam passar antes pelo Sparta, que apesar de viver um momento terrível na Extraliga Tcheca, possui em elenco forte, acostumado a grandes desafios. O vencedor deste duelo teria grande chance na competição, já que o terceiro elemento do grupo era HC Davos. Os suíços têm uma das torcidas mais fiéis e participativas do hóquei europeu, mas tendo como destaques Josef Mahra, Alexander Daigle e Janne Niinimaa, o time apenas buscava deixar uma imagem decente, como em 2006, quando ficaram longe da lanterna geral ao vencerem o Frölunda Indians da Suécia.
Sparta e Karpat então deram a tacada inicial da competição, e o fizeram de forma antagônica. Enquanto os finlandês pareciam fora de lugar, cometendo penalidades desnecessárias e apresentando um hóquei passivo, os tchecos assumiam o comando da partida com um hóquei envolvente. Com isso Petr Ton, Tebor Melicharek e Jakub Langhammero construíram um 3-0 praticamente irreversível na primeira metade da partida. Curiosamente os dois únicos atletas do Karpat que fizeram algum barulho no cortejo foram os tchecos Ondrej Kratena e Michal Bros. Sparta 5-3; bastava vencer o Davos no dia seguinte para chegar à final.
Parecendo já pensar na provável decisão, Sparta tomou um susto antes do primeiro minuto de jogo, após uma boa trama entre Josef Mahra e Mike Maneluk terminar no fundo do gol defendido por Tomas Duba. Mas Tomas Netik desenhou a atuação individual mais destacável da competição ao marcar três gols e ainda dar o passe para outro, do defensor Jiri Vykoukal. Davos, apesar de encurralado em boa parte do cortejo, chegou a colocar alguma dose de suspense, mas um gol em rede vazia de Melicharek colocava o time de Praga na final.
Restava para os suíços se despedirem com dignidade do torneio. Mas Karpat tinha outros planos. Se não estariam na final dessa vez, pelo menos aplicaram a maior goleada (6-1) da competição, o que não deixou de ser um alento.
Grupo Ragulin
Estamos acostumados a vermos a seleção sueca nos lugares mais altos dos pódios, mas quando o assunto é competição entre clubes o panorama não é dos melhores. Entre mudanças de nomes, hiatos e coisas do gênero, a liga européia é disputada desde 1966, e apenas o Djurgårdens e o Malmö já foram o melhor time do velho continente alguma vez. Quando falamos então da atual encarnação do torneio a coisa fica vergonhosa.
Na 1.ª edição o HV71 levou 9-0 do Avangard, até hoje a maior goleada da competição. Nos dois anos seguintes, Frölunda e Färjestads ficaram na lanterna. O MODO hóquei, time que se orgulha de ser um dos maiores formadores de talentos do hóquei escandinavo, tentaria apagar a má imagem causada por seus compatriotas.
O 1º embate foi logo contra o Metallurg.
O time da cidade do aço russo começava sua busca pelo terceiro título europeu, já que ganhara a extinta EHL em 1999 e 2000. Após perder Malkin para os Penguins há duas temporadas, alguns analistas anunciaram a queda do time, mas o que se viu no gelo foi diferente. Magnitka venceu a final da última Superliga russa contra os últimos campeões europeus, o Ak Bars, em pleno Tartaristão. Após o épico jogo cinco em Kazan, Travis Scott, o melhor goleiro da história recente da liga russa anunciou que estava a caminho da Alemanha, onde defenderia o Kölner Haie. Meses depois, mesmo com o bom bielorusso Andrei Mezin entre as traves, representantes do clube foram até Colônia, e com uma mala cheia de euros, convenceram Scott a voltar.
O porque disso foi visto contra o MODO. Apesar de não ter sido muito exigido pelos suecos, Scott manteve sua meta intacta durante o cortejo. Já o goleiro eslovaco do MODO, Karol Krizan, pouco pode fazer diante de uma equipe que possui três linhas de alto poder bélico. Igor Mirnov, Nikolai Kulemin e Jaroslav Kudrna marcaram no 3-0 final.
Com a derrota, o time de Omskoldsvik deveria construir um placar elástico contra o Slovan Bratislava e depois torcer por um tropeço do Magnitka contra o mesmo Slovan.
Mas o time eslavo tinha outra coisa em mente e aumentou a miséria sueca no histórico da competição. MODO saiu na frente com Magnus Wernblom em vantagem numérica e desperdiçou algumas chances de ampliar a diferença, o que acabaria fazendo falta. Slovan marcaria três gols em um intervalo de três minutos no segundo período. Os suecos voltariam a carga total no período final, mas o goleiro finlandês do Slovan, Sasu Hovi, esteve perfeito entre as traves. Mais uma vez uma equipe do país campeão olímpico deixa a ECC sem uma única vitória.
Então do último jogo do grupo, entre Slovan e Metallurg, sairia o adversário do Sparta na finalíssima.
E esse embate foi quase todo jogado na zona defensiva do time de Bratislava. Sasu Hovi, goleiro de nome e estilo pouco comum, mais uma vez manteve sua equipe competitiva. Jan Marek e Denis Platonov tiveram chances de ouro negadas pelo arqueiro adversário. E quando a pressão parecia mais brutal, Marek Uram aproveitava uma rara chance e colocava o Slovan na frente. O Ice Palace emudecia.
O martírio durou até os dez minutos do período final. O defensor Martin Strbak, um ex-atleta do próprio Slovan, soltou a bomba da linha azul, Hovi defendeu, mas o rebote bateu no patim do veteraníssimo Igor Korolev e entrou. Após longa e angustiante revisão, o gol foi aceito: 1-1.
A angústia parecia mesmo o sentimento da noite. Após prorrogação sem gols, a vaga na final foi decidida nas penalidades. O treinador do Magnitka, Valeri Postnikov, trocou Scott por Mezin, já que esse tem larga experiência em decisões deste tipo.
Mas a estrela que brilhou foi a de Aleksei Kaigorodov. O ex-atleta dos Senators tinha que marcar a quinta cobrança para manter o Metallurg vivo, já que o Slovan havia aproveitado uma de suas oportunidades. Ele não apenas fez esse, mas repetiu a dose nas cobranças alternadas. Martin Huisa, que também havia marcado nas cobranças regulares não fez o mesmo e a vaga acabou mesmo com os russos. Agônica, porém merecida.
A Final
O dia 6 de fevereiro de 2000 é uma data lembrada com tristeza para a metade de Praga que torce pelo Sparta, e é também um dia que traz de volta ótimas lembranças para o time de Magnitogorsk. Naquele dia o Magnitka conquistava o bicampeonato europeu na cidade suíça de Lugano. Na oportunidade o atual gerente geral do Sparta Petr Briza era o goleiro do time e acabou vazado duas vezes pelo sempre oportunista Andrei Razin.
Apenas uma vitória faria aquele adverso 2-0 sumir de vez dos pesadelos tchecos. O time entraria no gelo do Ice Palace para esta final com algumas subtrações importantes em relação à equipe que venceu a última Extraliga. Entre elas o central Jaroslav Hlinka, hoje penando para encontrar seu espaço no Colorado Avalanche.
Outra ligação importante entre esses dois times é Jan Marek, reverenciado até hoje pelo torcedores do Sparta por ter se destacado nas finais da liga tcheca de 2006 contra ninguém menos que o grande rival da cidade, o Slavia. Mas o mundo do hóquei prega muitas peças e Marek é um dos grandes destaques ofensivos do campeão russo. E foi ele que, após um furioso começo de partida por parte do Metallurg, colocou sua equipe em vantagem.
Assim como nos jogos anteriores, Magnitka não especulava, deixava claro suas intenções e buscava gerar perigo ao gol de Tomas Duba a todo o momento. Apesar desse domínio, Sparta acabou empatando no final do período inicial com Martin Plodesak. As vantagens numéricas deram o tom no segundo período. Marek e o ótimo defensor Vykoukal marcaram para suas respectivas equipes nesta situação.
Apesar da igualdade no placar ao final dos 40 minutos iniciais, a diferença técnica era visível. Bastava alguém assumir o papel de herói e fazer a diferença para o Metallurg.
E coube a Igor Mirnov, que havia feito parte do elenco do Dynamo Moscou, campeão europeu de 2006, vestir a capa. Assim que foi contratado no início da temporada, Mirnov disse que tinha muitas propostas na mesa, mas preferiu a do Magnitka porque queria resgatar o sabor de vencer a copa européia de clubes novamente.
Mesmo na terceira linha do time, ele aproveitou os turnos que teve. Marcou o que viria a ser o gol vencedor no final do segundo período, e quando o Sparta buscava desesperadamente o empate, ele fez o quarto, já no final do embate. Ainda houve tempo para Kaigorodov fazer o seu, já com a rede do Sparta vazia. O 5-2 foi a senha para mais uma festa russa em São Petersburgo. A quarta, e última, já que, mais uma vez, o formato e nomenclatura da competição irá mudar.
Coube a Ravil Gusmanov, capitão do Magnitka, e remanescente dos títulos de 99 e 2000, levantar o troféu de campeão europeu. Uma conquista que garante uma medição de forças contra uma equipe da NHL na Victoria Cup daqui a nove meses.
Quem sabe não é hora de a NHL receber o mesmo choque que os canadenses receberam na Summit Series de 1972.
Slava Yevdokimov (IIHF.com) Alexei Kaigorodov vence Sasu Hovi em cobrança de pênalti e garante o time na final. |
Arquivo TheSlot.com.br Ravil Gusmanov levanta o troféu. Ele esteve presente nas três conquistas continentais do clube. |
Arquivo TheSlot.com.br O defensor Vitali Atyushov, eleito melhor atleta da competição, briga pelo disco com o atacante Michal Dragoun, na grande final em São Petersburgo. |