A era em que o Philadelphia Flyers infernizou a NHL
O título desta coluna é uma tradução livre para a alcunha Broad Street Bullies. Esse foi o apelido que Jack Chevalier e Pete Cafone, do diário Philadelphia Bulletin, deram ao Philadelphia Flyers durante a temporada 1972-73 da NHL. Até então, os Flyers eram tido como uma medíocre franquia de expansão na Liga.
Em sua estréia na NHL, na primeira expansão de 1967, os Flyers fizeram uma boa temporada regular, mas caíram por 4-3 contra o St. Louis Blues na primeira rodada da pós-temporada. Já em 1968-69, a classificação para os playoffs foi um pouco mais difícil, com o terceiro lugar no Oeste, e a eliminação ainda mais fácil: uma varrida de 4-0 imposta novamente pelos Blues. Na temporada seguinte ficou em penúltimo lugar na Liga e voltou à pós-temporada em 1970-71 para ser varrido por 4-0 pelo Chicago Blackhawks. Diante desse panorama, os Flyers estavam virando uma piada na NHL, como as franquias de expansão em geral — os Blues, por exemplo, foram varridos três temporadas seguidas na decisão da Copa Stanley.
Em 1971-72 novamente os Flyers ficaram de fora da pós-temporada mais uma vez. De fato, os Flyers não ajudavam em nada a Filadélfia que vivia uma fase negra nos esportes. Os Eagles na NFL e os Phillies na MLB vinham fazendo uma seqüência de temporadas medíocres, e os 76ers na outra liga, apesar do título de 1966-67, perderam o ídolo Wilt Chamberlain, e mesmo com Billy Cunningham no time, alternavam boas e más campanhas na Liga em questão.
A mudança aconteceria para a temporada 1972-73. Ed Van Impe perdia o posto de capitão para Bobby Clarke, que se tornava o jogador mais jovem da história da NHL a usar o "C" no ombro — recorde quebrado posteriormente por Steven Yzerman no Detroit Red Wings. Rick "Bedrock" MacLeish se tornava o primeiro jogador da franquia a ultrapassar a marca de 50 pontos numa mesma temporada. E, claro, não podemos esquecer a dupla infernal de intimidadores Dave "The Hammer" Schultz, praticamente estreante na NHL (ele havia jogado apenas uma partida em 1971-72), e o agressivo ponta esquerda Bob Kelly, ambas apostas do time adquiridas no começo dos anos 70.
Com Schultz e Kelly no gelo, os trancos, jogadas duras e brigas passaram a acontecer à exaustão, dando origem ao termo Broad Street Bullies. E foi nessa toada que os Flyers voltaram a disputar a pós-temporada e, depois de cinco anos, vencer uma partida de playoff, contra o Minnesota North Stars, e de quebra derrotar os rivais e, pela primeira vez, avançar à segunda rodada, onde caíram por 4-1 para o Montreal Canadiens, que se sagraria campeão na final da Copa Stanley — mas não sem antes sofrer um pequeno arranhão dos Flyers. Era um indício de que as coisas iriam mudar por ali, ainda mais depois que Clarke papou o troféu Hart Memorial.
A temporada 1973-74 foi a edificação do que 1972-73 estava começando a apontar. O Philadelphia Flyers tornou-se um time difícil de se enfrentar. No gol estava de volta Bernie Parent, um dos jogadores "originais" da franquia de 1967, que havia passado por Toronto Maple Leafs e fechou a última temporada com o Philadelphia Blazers da WHA. Parent tornou-se mais um símbolo da franquia agressiva no gelo e levou os Flyers à uma gloriosa e intimidadora capa da revista Time, além de fechar o gol no rinque e deixar os Flyers ao fim da temporada regular a apenas um ponto da liderança geral da NHL, conquistada pelo Buffalo Bruins — na época não tínhamos Troféu dos Presidentes. Parent também garantiu ao time a melhor defesa da Liga ao lado do Chicago Blackhawks. Esse trabalho, claro, em muito contou também com os esforços do defensor Barry Ashbee.
Tecnicamente, os Bruins eram disparado a melhor franquia da temporada. Marcaram 349 gols contra "apenas" 273 dos Flyers e tinham em seu elenco Phil Esposito, Bobby Orr, Ken Hodge e Wayne Cashman, os quatro maiores pontuadores da temporada. Quem era o quinto? Bobby Clarke. Parar os Bruins seria difícil para Clarke, Parent, Ashbee e os Broad Street Bullies. Enquanto os Bruins varriam os Maple Leafs e passavam com certa facilidade sobre os temidos Blackhawks (4-2), os Flyers encontravam uma difícil semifinal contra os Rangers, após fazer 4-0 no Atlanta Flames na rodada anterior. A emocionante série entre Flyers e Rangers viu o time da casa vencer cada jogo, e o certame chegou a 3-3. Com mando de gelo, os Flyers venceram a sétima partida por 4-3 e rumaram para sua primeira Copa Stanley contra Orr e os Bruins.
Depois de perder o Jogo 1 por 3-2 em Boston, os Flyers venceram o Jogo 2, também em Boston, pelo mesmo placar, com gol na prorrogação marcado por Bobby Clarke e levaram a série para a Filadélfia, vencendo de forma convincente os dois jogos (4-1 e 4-2) de mando e abrindo 3-1. Após de mais uma vitória dos Bruins em Boston por arrasadores 5-1, os Flyers não se intimiradam e venceram um emocionante Jogo 6 no Spectrum, por 1-0, gol marcado por MacLeish, com direito à penalidade para Bobby Orr ao final da partida. Fred "The Fog" Shero, treinador que assumiu os Flyers no negro 1971, finalmente alcançava a glória com o polêmico e violento time de 1974, levando também o troféu Jack Adams. Ao final do jogo, Parent pôde levantar o troféu Conn Smythe de melhor jogador da pós-temporada e a festa tomou conta das ruas da Filadélfia. Parent também dividiu o troféu Vezina com Tony Esposito, dos Hawks.
Passando de zebra a time a ser batido, os Flyers fizeram mais uma temporada sensacional em 1974-75. Novamente, um time sem tanta ofensividade — liderando a Liga em pontos ao lado de Canadiens e Sabres, os três com 113, os Flyers marcaram 293 gols contra 354 do Buffalo e impressionantes 374 do Montreal. Mas, por outro lado, a segurança na defesa se mantinha, e os Flyers, com 181 gols sofridos, ostentavam a defesa menos vazada da temporada regular.
Como uma prova de que o talento individual não era o forte dos Flyers, mais uma vez na lista de pontuadores apenas Bobby Clarke se destacou, tendo os demais espaços sido ocupados por Bruins, Rangers, Wings, Sabes e Canadiens.
A pós-temporada de 1975 trazia uma novidade: o aumento de oito para 12 equipes participantes, gerando uma rodada pré-eliminar melhor de três jogos. Assim, o Toronto Maple Leafs passou pelo Los Angeles Kings e foi enfrentar os Flyers na primeira rodada. Tomou uma varrida de 4-0, abrindo caminho para o bi-campeonato do Philadelphia. Os Flyers então retornaram para mais uma emocionante série em Nova Iorque, desta vez contra os Islanders, vencendo por 4-3 depois de estar com uma liderança de 3-0, e seguiram para a final contra o Buffalo Sabres, um dos três melhores times da Liga. A história praticamente se repetiu: os Flyers venceram a Copa Stanley por 4-2, desta vez com Kelly marcando o gol vencedor. Bernie Parent, que protagonizou inéditos cinco shutouts em pós-temporada, faturou Conn Smythe e Vezina, mas desta vez a festa foi ainda maior, com Clarke levantando seu segundo Hart Memorial.
O fim de uma era
Bill Barber, apenas coadjuvante nas conquistas de 1974 e 1975, já havia se desenvolvido como atleta e agora apoiava Bobby Clarke no ataque que, junto com Reggie Leach na ponta direita formavam a linha LCB. Os Flyers finalmente tinham um time ofensivamente forte, prontos para tentar a terceira Copa de sua história. Os minutos de penalidade seguiam estourando, Schultz, MacLeish, Kelly e Parent ainda faziam o trabalho sujo. Uma prova do potencial dos Flyers foi a Super Series '76, evento que colocava frente a frente equipes da NHL e da União Soviética. O CSKA Moscou veio para a América mostrar o melhor hóquei do mundo com Valeri Kharlamov, Boris Mikhailov, Aleksandr Maltsev e Vladislav Tretiak. Com esse time não foi difícil fazer 7-3 no New York Rangers, segurar um emocionante 3-3 contra o Montreal Canadiens e massacrar o Boston Bruins por 5-2. Mas na Filadélfia foi diferente... a hostilidade que os soviéticos encontraram no Spectrum foi tamanha que só disferiram 13 chutes ao gol de Wayne Stephenson, contra um bombardeio de 49 chutes em cima de Tretiak. Não deu outra. Os Flyers venceram por 4-1 e botaram ordem na casa. A glória foi tamanha que Shero bradou ao final do jogo: "Sim, somos os Campeões do Mundo. Se eles tivessem vencido, eles quem seriam. Batemos uma máquina dos infernos!"
Se os Flyers não temeram o CSKA Moscou, quem eles iriam temer?
Tudo estaria em seu devido lugar, não fosse a ebulição evolutiva do Montreal Canadiens. Os Habs, que haviam segurado um empate em 3-3 com o CSKA Moscou, não por acaso foi disparado o melhor time da temporada, com Ken Dryden, Serge Savard, Guy Lapointe, Pierre Bouchard, Bob Gainey, Mario Tremblay, Guy Lafleur e Scotty Bowman no comando. Ao mesmo tempo que a linha LCB dava aos Flyers o melhor ataque da história da franquia em termos de pontos, chegando a 118 e um total de 348 hols, eram os Canadiens quem voavam, marcando 127 pontos. Uma curiosidade é que o ataque dos Flyers superou mesmo o dos Habs, autores de 337 gols e a situação se inverteu na defesa, com 174 gols sofridos pelo Montreal e 209 pelo Philadelphia — a causa disso, com certeza foi a ausência de Parent no gol na maior parte da temporada.
Habs e Flyers encontraram-se na decisão da Copa Stanley e o que aconteceu foi uma estranha varrida imposta pela franquia canadense, papando a série em 4-0 com parciais de 4-3, 2-1, 3-2 e 5-3 — quatro jogos onde, mesmo sendo varridos, os guerreiros agressivos dos Flyers não se entregaram em momento algum, como pode-se verificar pelos placares apertados de cada jogo. A decisão foi tida como uma vitória da habilidade sobre o jogo físico.
Os Flyers ainda chegaram à final de Conferência na temporada 1976-77, mas foram varridos pelo Boston Bruins, e voltou a alcançá-la em 1977-78, sendo vencido novamente pelos Bruins, desta vez por 4-1. Foi a última temporada de Shero à frente dos Flyers, indo para Nova Iorque treinar os Rangers. Sob o comando de Pat Quinn, o Philadelphia Flyers voltou a uma final de Copa Stanley em 1979-80, onde foi derrotado por 4-2 pelo New York Islanders, que dava início a uma dinastia que levaria cinco Copas Stanley. Mas isso já é uma outra história.
A década de 80 viu o Philadelphia Flyers entrar como uma equipe forte, sempre favorita à fazer algum estrago na Liga, assim como a década de 70 viu os Flyers entrarem como uma patética franquia de expansão que deu a volta por cima e injetou uma adrenalina jamais vista no hóquei no gelo. Quem sabe essa franquia que, depois de 1972, nunca se entregou no rinque, sirva de inspiração a jovens que queiram fazer história na NHL.
Curiosidades
No episódio A Casa da Árvore dos Horrores IV, da quinta temporada de Os Simpsons, há uma estória onde Homer Simpson vende sua alma em troca de uma rosquinha. Na hora de seu julgamento, o júri infernal é formado, entre outras personalidades, pelo time do Philadelphia Flyers de 1976, onde podemos facilmente reconhecer Schultz, Kelly e Parent com sua máscara típica.
O Jogo 3 das finais da Copa Stanley de 1975, em Búfalo, foi conhecido por
The
Fog Game
(O Jogo da Névoa). O motivo era uma incomum onda de calor que fazia na cidade, e, como o ar-condicionado da arena de Búfalo estava quebrado, a condensação gerava uma névoa no rinque em determinados momentos da partida.
Existe um abaixo-assinado para a inclusão, mais que merecida, de Fred Shero no Hall da Fama do Hóquei. Você pode assiná-lo aqui.
Fonte: LegendsofHockey.net Bobby Clarke: o mais jovem capitão a assumir um clube na NHL em 1972-73 e líder do Philadelphia Flyers bicampeão. |
Fonte: Wikipédia Bernie Parent e sua máscara intimidadora levando o hóquei e a NHL à capa da revista mais popular do mundo. |
Fonte: PhiladelphiaFlyers.com O agressivo Bob Kelly, membro dos Broad Street Bullies deu a cara aos Flyers dos anos 70: jogo físico era com ele mesmo. |
Fonte: PhiladelphiaFlyers.com Fred Shero comanda os Flyers pela última vez em 1978. Final de uma relação vencedora e revolucionária. |