Não, não é uma coluna sobre o clássico literário de Franz Kafka, apesar de que eu seja fã da obra do autor tcheco-austríaco. O que teremos nas linhas abaixo é um relato do processo envolvendo o ex-jogador da NHL Tony Twist e o desenhista e roteirista de quadrinhos e co-dono do Edmonton Oilers Todd McFarlane.

A ação legal se arrastou anos no tribunal, como é bem de costume de julgamentos na América do Norte, tomando aproximadamente de 2000 a 2007, e envolvendo, claro, muito dinheiro e apelações na corte.

O motivo do processo envolvendo Twist e McFarlane bem que poderia envolver hóquei, uma vez que estamos falando de um ex-jogador e um co-dono de time. Mas o problema é que o segundo é criador do personagem de quadrinhos (e também da franquia) Spawn. Uma das personagens coadjuvantes das estórias de Spawn é o mafioso Antonio Twistelli, conhecido por... Tony Twist! E é exatamente este ítalo-americano fictício e esteriotipado que gerou toda a confusão.

Entendamos o caso...

Tony Twist, o jogador de hóquei
A 177.ª escolha geral do St. Louis Blues de 1988 Anthony "Tony" Twist, apelidado The Twister, é considerado um dos mais eficientes intimidadores da década passada. Sua carreira na NHL durou de 1989, quando jogou sua primeira temporada pelos Blues, a 1999, encerrando também na franquia de St. Louis, mas passando pelo Québec Nordiques.

Para se ter uma idéia do papel de Twist no rinque, o jogador, autor de poucos pontos, só marcou seu primeiro gol na NHL em sua sexta temporada, no jogo de abertura contra o Vancouver Canucks. Era 1994-95, e Twist terminou a temporada regular com três pontos! Seu grande feito no gelo foi ser o "guardião" de Brett Hull enquanto este defendeu os Blues. Ou seja... gols? Já diria a música "Hit Somebody! (The Hockey Song)" de Warren Zevon... "Quem marcam gols são as estrelas... Proteção, é para isso que você está aqui". E esse parecia ser o lema que se repetia na cabeça de Twist.

De uma forma ou outra, se era trancos que Twist tinha que desferir, era isso que ele fazia, então, teve seu valor no esporte, somando também invejáveis médias de minutos de penalidades.

O próprio Twist brincava que sua reputação assustava os adversários.

Mas o jogador alega ter tido um problema na carreira.

Tony Twist, o mafioso fictício
Todd McFarlane, canadense, por pouco não tornou-se jogador de beisebol profissional. Jogando pela Universidade de Eastern Washington, onde também estudava Artes Gráficas, McFarlane já via seu futuro no esporte, mas uma contusão o afastou de seu sonho definitivamente. Sem poder jogar, Todd resolveu fazer a outra coisa que tanto gostava: desenhar. Seu talento era tão evidente que logo passou a trabalhar para grandes editoras de história em quadrinhos dos Estados Unidos, a DC Comics e a Marvel Comics, onde atingiu o estrelato desenhando o Homem-Aranha — a história "Tormentos", de 1988, é considerado um clássico do super-herói. Em 1992 McFarlane largou a Marvel para, junto com alguns amigos artistas, montar a editora Image Comics.

Na nova empresa, McFarlane desenhava e escrevia o personagem Spawn, de autoria própria. Na estória de Spawn, residente de Nova York, tinha como um dos seus principais inimigos um ítalo-americano mafioso gordo que nem Marlon Brando sonharia em interpretar: Antonio "Tony Twist" Twistelli. O tal Tony Twist é retratado nos quadrinhos como um homem cruel e frio, financiando todo tipo de trambicagem conhecido na máfia italiana. A imagem de Tony Twist é, por si só, bastante intimidadora - tal qual a imagem do jogador de hóquei Tony Twist.

Um conto de dois "Tonies Twists"
O fato é que Tony Twist, o jogador de hóquei, não gostou nada de Tony Twist, o mafioso dos quadrinhos. Ex-jogador de beisebol e canadense, Todd McFarlane sempre foi um conhecido fã de hóquei no gelo, tanto que desde 1994, ano em que fundou a McFarlane Toys, Todd comprou direitos de imagem de clubes e atletas da NHL — bem como da NFL, MLB e da outra liga — para lançar figuras de ação (vulgo "bonequinhos") baseadas nos jogadores. Então, basta entrar no eBay, no Amazon ou em qualquer sítio de mercadorias que você encontra bonecos da Coleção McFarlane Toys de seus jogadores preferidos, de Mario Lemieux a Sidney Crosby. Além do mais, Todd McFarlane é co-dono da franquia canadense da NHL Edmonton Oilers, e autor do símbolo alternativo da equipe.

Logo, Tony Twist, o jogador, acusou McFarlane de ter se inspirado nele para colocar o nome em seu personagem mafioso. Segundo Twist, uma figura tão ruim que levava seu nome acabou prejudicando sua imagem fora dos rinques (dentro ela já era suficientemente prejudicada). Twist alegou que perdeu oportunidades de contratos publicitários.

O processo
Para Tony Twist, Todd McFarlane usou seu nome intencionalmente e sem o seu consentimento. Seu advogado Robert Blitz entrou com uma ação no Tribunal de St. Louis e o jogador pediu uma indenização de US$ 24,5 milhões, para ressarcir sua imagem prejudicada. O júri da corte de St. Louis favoreceu Twist que ganhou o processo em primeira instância no dia 5 de julho de 2000. Todd McFarlane foi obrigado a pagar a quantia ao jogador e, de quebra, viu possibilidades reais de ir à falência com a alta quantia exigida no processo. Em 31 de outubro do mesmo ano, Robert H. Dierker Jr., Juiz de Direito de St. Louis anulou a indenização, pois, segundo a autoridade, o veredito "contrariava o peso das evidências". Dieker ainda afirmou que o processo não fazia sentido, pois qualquer pessoa em sã consciência conseguiria diferenciar um jogador de hóquei de um personagem de quadrinhos e que Todd McFarlane não tinha o intuito de prejudicar a imagem do jogador, uma vez que o atleta sequer estava em evidência quando Tony Twist, o personagem, foi publicado pela primeira vez em 1992. Começou a longa e chata apelação dos tribunais americanos que tanto vemos nos cinemas.

Os trâmites e apelações do processo se seguiram até julho de 2004, quatro anos após o encerramento do primeiro julgamento, e Todd McFarlane foi condenado a pagar US$ 15 milhões, sob declaração do juri de St. Louis que afirmou que "McFarlane e sua empresa de quadrinhos, a Todd McFarlane Productions Inc., infringiram os direitos de Twist ao batizar um mafioso no gibi Spawn de Anthony 'Tony' Twistelli, vulgo, Tony Twist". Os advogados do desenhista e co-dono dos Oilers afirmaram que recorreriam novamente da decisão. Enquanto brigava nos tribunais do Mississipi, Todd entrou em outra questão judicial no Arizona, pedindo concordata à Corte de Falências de Phoenix, uma vez que com a dívida da McFarlane Toys (US$ 638 mil), o salário de seus desenhistas (US$ 60 mil) mais o prejuízo do processo de Twist estariam levando à falência sua empresa Todd McFarlane Productions Inc. — a McFarlane Entertainment e a própria endidivada McFarlane Toys não eram afetadas pelo julgamento.

Quase dois anos depois, em junho de 2006, McFarlane foi novamente obrigado à pagar os US$ 15 milhões que Twist exigia. Os advogados da empresa de McFarlane seguiram apelando até, oito meses depois, conseguir diminuir em um terço o valor da sentença. A ação chegou ao fim em fevereiro deste ano e McFarlane e sua empresa de quadrinhos foram obrigados a pagar US$ 5 milhões — quase um quinto dos US$ 24,5 milhões que Twist exigiu ao entrar com o processo.

Foi o fim de uma confusão de quase sete anos envolvendo um ex-jogador de hóquei e o co-dono de uma franquia da NHL que, curiosamente, praticamente não envolveu hóquei no gelo. Sem dúvida, a briga mais estranha das muitas que Tony Twist já participou. E uma mostra de esperteza por parte de um jogador que, quando estava no gelo, ninguém imaginaria que ela existisse.

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• Editorial
• 2-5-1
• No caminho certo
• A volta por cima dos Flyers
• O Processo
• Os Brigões da Broad Street
• Disco Riscado