Bem, se o ditado diz que três é demais, então o que os torcedores de Pittsburgh vivenciaram na tarde do último domingo foi um sonho. Afinal, pela primeira vez na história da franquia, os Penguins conseguiram a façanha de varrer a série de temporada regular contra o rival estadual Philadelphia Flyers. Ou seja, oito jogos disputados, oito jogos ganhos, marcando 38 gols e sofrendo apenas 17.
O que torna o feito ainda mais incrível é justamente o fato de, ao contrário das temporadas anteriores — exceção feita à época dos Seis Originais e dos primeiros anos de expansão da NHL —, as equipes não se enfrentavam mais de cinco ou seis vezes por ano. Mas o novo calendário pós-locaute determinou um aumento para oito jogos entre rivais de divisão. Some-se a isso o fato dos Penguins serem constantemente dominados pelos Flyers ao longo dos 40 anos de confrontos — apenas 64 vitórias, contra 125 derrotas, além de 30 empates e uma derrota em prorrogação. Assim, quando o pênalti convertido por Sidney Crosby determinou a vitória na disputa de pênaltis no jogo de domingo, os torcedores voltaram para casa com um sabor ainda mais especial pelo triunfo.
A seqüência começou logo no primeiro jogo da temporada, na Mellon Arena de Pittsburgh, em 5 de outubro. Ainda sem seu calouro de ouro, Evgeni Malkin, recuperando-se à época de uma lesão no ombro que atrasou sua estréia na NHL, mas com Crosby marcando seus dois primeiros pontos na temporada e contando com a inspiração de Marc-Andre Fleury — iniciando o que seria sua temporada de afirmação — e suas 40 defesas, além do adolescente Jordan Staal debutando na liga, os Penguins dominaram os então temidos Flyers de Forsberg, Hatcher e Gagne — um possível postulante à Copa Stanley àquela altura — por sonoros 4 a 0.
Outubro terminou como começou, e no dia 28 os times voltaram a se enfrentar, desta vez no Wachovia Center de Philadelphia. Já sem Ken Hitchcock no banco e mostrando um hóquei abaixo da crítica, os Flyers foram humilhados por um time dos Penguins que mostrava sinais de franca recuperação na liga após anos de frustração. Crosby marcou seu primeiro hat trick na carreira, Malkin fez três pontos em seu quinto jogo apenas, Fleury fechando o gol de novo com 31 defesas. Um segundo período mágico (4 a 0) e uma goleada por 8 a 2. Havia algo diferente nessa temporada.
Veio o dia 13 de novembro e os times voltaram a se enfrentar. Já mais adaptados ao novo treinador John Stevens, mas sem Fosrberg, os Flyers vieram mais agressivos para a partida. Mas o trio de garotos dos Penguins, Staal , Malkin e Crosby, e o veterano Mark Recchi jogando como nos áureos tempos da equipe mostraram maturidade e superaram um difícil adversário, vencendo por 3 a 2 no jogo mais agressivo até então, com 50 minutos de penalidades e duas brigas. Era também uma vitória para dar ânimo a uma equipe que vinha de cinco jogos sem vitórias.
Uma semana depois, lá estavam eles se cruzando de novo, agora em Philadelphia. Era o centésimo jogo da carreira de Crosby, e ele quis fazer daquela uma noite especial. Apesar de sair lesionado no segundo período, ele fez o gol da vitória por 5 a 3, em jogo que contou com o defensor Ryan Whitney sendo outro herói, com um gol e duas assistências. Desde 1993 os Penguins não venciam quatro jogos contra os Flyers em uma temporada — foram cinco vitórias, um empate e uma derrota naquele ano. Forsberg já reconhecia ali a dificuldade de seu time em lidar com os jovens pingüins. E os sonhos de uma eventual varrida começavam a surgir.
Levou quase um mês — 13 de dezembro, para ser preciso — para que os times voltassem a se encontrar. E a espera valeu, especialmente para ele, Crosby, que abusou dos Flyers e assumiu a liderança em pontos da liga, que mantém desde então. Foram seis pontos (um gol e cinco assistências), recorde pessoal. Como se não bastasse, Sergei Gonchar (dois gols e três assistências) e Ryan Malone (um gol e três assistências) também tiveram recordes pessoais na segunda vitória dos Penguins onde eles marcaram oito gols. A vitória por 8 a 4 na Mellon Arena ainda foi coroada com um gol em desvantagem numérica de Jordan Staal, seu oitavo gol na temporada até então, o que viria a se tornar uma especialidade do jovem de 18 anos.
O primeiro jogo de 2007 foi novamente no Wachovia Center. Na tarde de sábado, 13 de janeiro, os Flyers jogaram um dos seus melhores jogos da temporada, inclusive limitando Crosby a apenas uma assistência, e apagando uma desvantagem de 3 a 1 no placar ao empatar o jogo ao término do segundo período. Mas a linha formada por Staal, Malkin e Michel Ouellet deixou o melhor para o final, marcando dois gols e fechando o placar em 5 a 3. Era a sexta vitória seguida dos Penguins, onde deram mais do dobro de tacadas a gol, 39 a 18, mas mesmo assim encontraram dificuldades em jogo bastante truncado nos primeiros 40 minutos. Só faltavam mais duas.
Dia 8 de fevereiro, na Philadelphia. Talvez a última chance dos torcedores dos Flyers celebrarem algo contra os rivais de Pittsburgh. E chegaram bem perto. Apenas perto. Um grande jogo, cheio de alternativas, 33 tacadas a gol dos Flyers contra 32 dos Penguins, duas viradas no placar — os Flyers viraram para 2 a 1 ao final do primeiro período, mas os Penguins devolveram e abriram 4 a 2 no início do terceiro, apenas para ver os Flyers empatarem novamente faltando 84 segundos para o final. A linha de Knuble, Gagne e Forsberg foi responsável pelos quatro gols do time da Philadelphia, que pela primeira vez não permitu a Crosby um único ponto. Cenário perfeito para a vitória, mesmo que na disputa de pênaltis. Foi quando Crosby teve liberdade pela primeira vez no jogo, e ele não desperdiçou. O seu foi o único gol na disputa, que selara mais uma vitória dos Penguins, a sétima em sete jogos. Só faltava mais uma.
Após uma semana desgastante, os Penguins entraram no gelo da sua Mellon Arena, na tarde de domingo, 4 de março, para seu quinto jogo em oito dias. Os dois times tinham uma missão. Os Penguins derrubar de vez, sob o olhar de sua fanática torcida, o eterno rival, além de consolidar sua marca na briga pelos playoffs. Os Flyers, no entanto, jogavam pelo orgulho de não sofrer a maior humilhação, de ser varrido pelos garotos de Pittsburgh. E o orgulho parecia falar mais alto, afinal, em um primeiro período sofrível, os Flyers abriram 2 a 0 até com facilidade, podendo liquidar o jogo nos primeiros 20 minutos. Foi quando o rejuvenescido Gary Roberts, recém adquirido pelos Penguins, em seu terceiro jogo com o time, assumiu o comando e ao lado do escudeiro Erik Christensen conseguiram com um gol cada empatar o jogo ao final do segundo período. No terceiro, mais um apagão do time da casa levou à nova liderança dos Flyers. Mas Christensen, central da terceira linha que está em sua segunda temporada, decidiu que aquele seria o jogo de sua vida e empatou mais uma vez, de novo com assistência de Roberts. A prorrogação foi apenas uma ante-sala para a segunda disputa de pênaltis consecutiva entre os times. Christensen começou a disputa marcando logo o seu, levando a torcida a atirar seus bonés em um hat trick extra-oficial. Fleury novamente sólido no gol, evitou as tacadas de Ruzicka e Upshall, preparando o palco para Sidney Crosby, anulado pelo segundo jogo seguido — estacionando nos 30 pontos em 16 jogos contra os Flyers —, que mais uma vez só encontrou espaços na disputa de pênaltis. E como na vez anterior, Crosby mostrou por que é o fenômeno atual da NHL. Deixando o goleiro Martin Biron parado, o camisa 87 fechou em 2 a 0 a série, em 4 a 3 o jogo e em 8-0-0 a temporada contra os Flyers.
Nesse último jogo em especial parecia que os Penguins estavam fadados à derrota, mas como todo time vencedor que se preza, às vezes é forçado a "achar" vitórias, de fontes inesperadas, e ela veio dessa forma, mais difícil, mais suada, mas principalmente com mais sabor. Sabor de derrotar por oito vezes seguidas seu arqui-rival — ou dez, isso mesmo, dez, se você considerar os dois jogos de pré-temporada —, aquele menino mau que sempre batia em você. Vingança? Talvez, mas, principalmente, êxtase. Um sonho de 40 anos. Pode ser que no ano que vem aconteça o contrário, mas ninguém quer saber disso agora. Quer é aproveitar e relembrar aquela tarde de domingo. A tarde onde três não foi demais nem oito foi um sonho. Foi uma realidade.