JOGO 1
Carolina 5-4 Edmonton

RETRATO DE UMA LIGA REBELDE
Harry Neale foi alvo de um banho de cerveja e de latas de cerveja durante um jogo na extinta WHA (Arquivo Hamilton Spectator)
por Michael Farber

Se a NHL realmente tivesse uma alma, ela não daria apenas a Copa Stanley, com seus 113 anos de história, para o vencedor desta final entre Carolina e Edmonton.

Ela também daria a ele a Copa Avco.

Para aqueles que chegaram tarde, a Copa Avco Cup, patrocinada por uma companhia de seguros, era dada ao campeão da World Hockey Association (Associação Mundial de Hóquei) —, a "Liga Rebelde", como foi chamada pelo colunista do jornal Vancouver Province Ed Willes em seu ótimo livro de 2004.

A liga que começou nos anos 70 — e que seduziu Bobby Hull a trocar Chicago por Winnipeg — deu emprego a jogadores de destaque como Ulf Nilsson e Anders Hedberg, e foi casa de mais jogadores bizarros e conde-náveis do que qualquer um poderia imaginar. Ela durou até 1979, quando quatro de seus times foram admitidos na NHL, uma fusão sem paralelos. Desses quatro times — Edmonton, Hartford, Winnipeg e Quebec —, os Oilers são o único que conseguiu se manter na mesma cidade. Os Hurricanes são, claro, resultantes do New England/Hartford Whalers, tornando esta final da Copa Stanley a primeira baseada naquele tempo louco e selvagem em que o hóquei era mais divertido que corporativo.

Apesar de Oilers e Hurricanes não terem se enfrentado durante a tempo-rada de 2005-06, seus antepassados se enfrentaram em duas séries de playoffs na WHA. Em 1978, os Whalers venceram os Oilers por 4-1 na primeira fase. No ano seguinte, os Oilers venceram a semifinal em sete jogos contra os Whalers, no que pode ser considerado a festa de debutante de alguém de quem você já deve ter ouvido falar: Wayne Gretzky. O "Great One" marcou 15 pontos naquela série. Mas não foram só os playoffs que criaram uma bizarra rivalidade entre essas franquias.

Durante uma malfadada temporada em que alguns times da WHA faliram — ocorrência nada incomum naquela liga —, Whalers e Oilers se enfrenta-ram mais de 20 vezes, de acordo com Skip Cunningham, roupeiro dos Hurricanes. "Nossos arqui-rivais", descreveu ele. "Para um time rival, é uma bela de uma distância."

Os jogos podem não ter sido todos memoráveis, mas as viagens certamente foram. Eram basicamente dias de 13 horas. Os vôos, nenhum fretado, poderiam ir de Hartford/Springfield a Buffalo ou Chicago, depois para Minneapolis, daí a Winnipeg e, finalmente, Edmonton. Tudo em assentos que poderiam ser os do meio da fileira.

"Basicamente havia dois pedidos", conta Cunningham. "Que Gordie Howe ficasse com um assento no corredor e que Davey Keon ficasse na janela. O resto dos garotos tinha de chegar cedo e tentar conseguir algo decente. Não era como os vôos em primeira classe com refeições gourmet que o pessoal tem hoje. Os aviões não ficavam à sua disposição, só esperando você chegar onde quer que você estivesse."

Enquanto Hartford se tornaria o lar de Howe, também se destacaria musi-calmente no mundo do hóquei por dois motivos. Um era o hino dos Whalers, uma cantiga perniciosa "Brass Bonanza", que é para a música o que uma unha é para uma lousa. Quando perguntado no domingo sobre o que se lembrava de seus dias em Hartford, o defensor dos Oilers Chris Pronger, ex-primeira escolha dos Whalers, disse: "Brass Bonanza." Todos os jogadores odiavam a canção, tocada depois de cada gol dos Whalers e antes de cada período, e que ainda está gravada em algum lugar da memória, enroscando-se nos axônios como erva daninha.

Cunningham não se lembra se os Whalers usavam a música quando disputaram suas duas primeiras temporadas em Boston, mas ela era defi-nitivamente odiada em Hartford. Ela foi até tocada em algum ponto durante a série contra o New Jersey; o dono dos Hurricanes, Peter Karmanos, demonstrou um grande comedimento ao não quebrar a mobília em seu camarote.

O outro motivo era o cantor de hinos Tony Harrington. Ele costumava cantar uma versão "lounge" do hino norte-americano, única no esporte. A única coisa que faltava em sua interpretação era um piano e o copo vazio de conhaque, para que os jogadores pudessem colocar dinheiro depois da última nota. Talvez não fosse como Roger Doucet iluminando o Montreal Forum com sua voz, mas Harrington em Hartford tinha um estilo inconfundível.

A aposentadoria de Mark Messier representou o fim do último vínculo ativo da NHL com a WHA, mas ainda há gente o suficiente por aí — o comentarista da CBC Harry Neale, técnico do time dos Whalers que eliminou o Edmonton em 1978, e o analista da Sportsnet John Garrett, o goleiro que perdeu o jogo 7 contra os Oilers, só para citar dois — para fazer o espírito da "Liga Rebelde" pairar sobre esta improvável final. O mínimo que o comissário Gary Bettman pode fazer é desenterrar a Copa Avco de onde quer que ela esteja — há rumores de que há até três troféus — e dá-la ao time vencedor. Em nome dos loucos e velhos tempos.



Michael Farber é jornalista da revista Sports Illustrated. O artigo foi traduzido por Alexandre Giesbrecht.
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Página publicada em 6 de junho de 2006.