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6 de novembro de 2002
Como é ser um fã de hóquei no Brasil?

Por Thomaz Alexandre

O ano é 1993. Você vê na locadora mais próxima alguns joguinhos novos, chamados NHL e NHLPA, para os dois consoles de 16 bits mais populares. Aluga os dois. Você já tinha ouvido falar algo sobre hóquei na TV Bandeirantes, mas muito pouco, e numa época jovem demais para se fixar tal coisa.

De volta aos joguinhos. Eles são divertidíssimos: rápidos, com muitos gols, colisões entre os jogadores e uniformes fantásticos para cada time. Há uma certa estranheza quando dois jogadores adversários largam os tacos e partem para os socos, sentimento que se mais tarde virá a se dissipar com a maior integração ao esporte. Há dois jogadores, um de preto e cinza com o número 99 e outro de preto, dourado e branco com o número 66, que saltam aos olhos, com muitos gols e jogadas plásticas. Seus amiguinhos "normais" jogam o jogo com você e se divertem muito.

Quem já tem TV a cabo pode assistir à verdadeira liga pela ESPN, que naquela época realmente cobria a NHL. Muitas das narrações ainda são exclusivamente em inglês, muitas delas em horários ingratos, devido ao fuso. A partir desse ponto você já é o único da turminha que encara o programa. Você acaba de se tornar um fã de hóquei.

Com a partida gravada, visita em casa, você a convida para assistir. Nesse ponto, começa a se acostumar a ser chamado de "maluco" e perceber que não vai ser fácil compartilhar sua empolgação.

Três anos mais tarde, um outro console, já rodando suas roms em CD, lhe permite ir mais adiante: você já troca linhas "on the fly", conhece os craques pelo nome, escolhe os times não só pelo nome da cidade, mas também pelos apelidos, conhece as arenas e até mesmo cria um time com seus jogadores favoritos.

No mesmo ano, o jornal Lance, que, infelizmente, não é tão bem distribuído fora do eixo Rio-São Paulo, traz os resultados das rodadas na NHL, a classificação e, por eventuais milagres, uma foto com legenda.

A Internet se populariza, e você já pode ler sobre seu time favorito e acompanhar seus resultados. Com uma graninha extra, já se compram revistas (que, por milagre, também apareciam em certos lugares nas grandes cidades), vídeos e os sonhados uniformes. Você olha no espelho e se vê um Jagr, Bure ou Graves.

Só que você sai com a camisa para passear, principalmente no verão, e as pessoas mais chegadas não se restringem a chamá-lo de louco, alienado. Na ESPN, a essa altura, as transmissões ainda não secaram, mas já são em português na maioria das vezes. O narrador André José Adler torna-se um popular e, por que não?, folclórico, incentivador do esporte no País. Sua aceitação pela parcela mais jovem do público é grande. Muitas vezes falta informação de qualidade, é verdade, mas o esforço de Adler junto a esportes antes áridos por aqui, como hóquei e futebol americano, é contagiante.

Falando em Adler e Internet, os primeiros sites, listas e bate-papos sobre o esporte começam a surgir por aqui. Adler está envolvido em todas, apoiando o extinto site Powerplay, o canal #nhl na rede Brasnet de IRC e a lista de discussão NHLBr. É agora que os fãs podem encontrar alguém para conversar sobre sua paixão. Às vezes há colegas a uma distância bem menor do que se imagina. Devido à união e à camaradagem que cercam o hóquei, fatalmente colegas tornam-se amigos. Timidamente, são agendados os primeiros encontros de fãs.

E não esqueçamos dos joguinhos. Agora estão muito mais evoluídos, disponíveis em versão para PC, e os fãs do país a fora se enfrentam. Daí em diante, quantas vezes Ubá (dizem as más línguas que qualquer cidade do país) não comandou os Red Wings para uma vitória sobre os Rangers, sob o controle de Recife?

É aí que a ESPN começa a abandonar o barco. Quando a base de fãs já passa da ordem de centenas, os jogos ficam raros, geralmente restritos a reprises na madrugada. Migalhas como NHL Power Week (Cool Shots) e SportsCenter, que, por um período, foi retirado em prol da versão ar(gh)gentina, são devoradas como se fossem o último manjar dos deuses.

Um recurso de muitos é ouvir os jogos pela Internet. O que é muito divertido, pois muitas rádios contam com excelentes narradores e comentaristas. Baixar vídeos e assistir nos PC's também é obrigatório. Principalmente para que alguém "de fora" saiba e te julgue nerd, insano.

Numa tentativa de viver mais de perto um ambiente como o da NHL, é criada a BHL, Brazilian Hockey League, uma liga virtual em que os jogadores são os gerentes de seus times e interagem entre si pela Internet. Devido à negligência do membro designado comissário, a liga é encerrada sem completar nenhuma temporada.

Numa segunda vez, a liga é planejada com antecedência, testada, novamente testada. Obviamente, o comissário é outro, e dois dos mais conhecidos fãs de hóquei do país formam sua comissão. Após recrutar 16 membros, está formada a LBH, Liga Brasileira de Hóquei.

A primeira temporada foi um sucesso, o que chamou a atenção de uma imensa lista de espera para expansão. Oito novos times aceitos, e a temporada 2002-03 segue, já estando em sua fase decisiva. O sucesso cresceu. Os encontros agora reúnem quase uma dezena de fãs, levando gente de um estado a outro para conhecer pessoalmente seus "irmãos".

Há também outra forma de liga virtual, na qual se aposta em jogadores da NHL e ganha-se pontos pelo seu rendimento na vida real. São as fantasy leagues.

E muita coisa segue mudando. Os problemas contratuais impedem que alguém concorra com a ESPN e nos sirva hóquei de verdade. Ao contrário da Directv americana, a brasileira não tem canal exclusivo de hóquei, o cobiçado NHL Center Ice (quem puder, acesse o site deles e solicite. Quanto mais pedirmos, mais chances teremos).

E as coisas que mudam para bem? Bem, essas vocês leitores e nós da The Slot BR precisaremos continuar apoiando incondicionalmente nosso esporte/paixão, para que possamos, quem sabe, um dia colher um fruto mais saboroso.

Thomaz Alexandre ama o hóquei.
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Página publicada em 4 de novembro de 2002.