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6 de novembro de 2002
Desabafo de um fã de groselha, sorvete de chocolate com menta, Frank Sinatra e NHL

Por Fabiano Pereira

Lembro que meu primeiro contato com o hóquei não se deu com aquele filme horrível da Disney, sobre os Mighty Ducks. Nada contra a equipe de Anaheim; só acho o filme horroroso mesmo. Meu primeiro contato foi com o sensacional NHL 94, da EA Sports, para Super Nintendo, cujo ROM tive o prazer (incomensurável!) de baixar e jogar novamente em casa. Depois de conhecer os sensacionais e realistas NHL 2001 e 2002, o divertimento e o quociente de felicidade que tive com esta velharia foi mil vezes maior do que com os antigos.

Joguei com os Rangers (claro) e virei um jogo contra os Hawks, por 6-3, com quatro gols de Mark Messier, um de Esa Tikkanen e outro de Mike Gartner. Sinceramente, vale a pena! Mas por que eu citei o jogo? Bem, eu lembro que, quando comecei a jogar, eu achava que aqueles nomes não poderiam ser de verdade. Como poderia alguém se chamar Jaromir Jagr, Esa Tikkanen, Darren Turcotte ou, pior, Zarlei Zalapski? Estava além da minha compreensão de realidade.

Foi então que um amigo me presenteou com uma revista, a Sporting News, com Mario Lemieux na capa. Como é? Esse cara é real? Os times são reais? Uau! Os Rangers, time com quem tanto gostava de jogar, com Leetch, Patrick, Richter, Messier, Tikkanen e Gartner, são reais? Li sobre o time, falando que, após um fiasco na temporada 92-93, deveria ter mais chances e que os Penguins, com Lemieux, eram os francos favoritos.

Meu contato seguinte com o hóquei foi em 1995, quando comprei o NHL 95, já sabendo que a liga era de verdade e, melhor ainda, com a capa em mãos (que tenho até hoje), descobri que os Rangers haviam sido campeões, em cima do Vancouver Canucks. Começava aí meu fanatismo, não só pelos blueshirts, mas pela NHL. Ah, sim. E que os favoritos Penguins não tinham levado.

No ano seguinte comecei a ter acesso à Internet, conheci mais o time e até criei um site. Acho que ele nem existe mais, mas foi por ele que conheci um grande amigo (que até escreve aqui na Slot, o Cláudio Aguiar) e descobri que ele não era o único torcedor da equipe de Nova York. Ele fez o convite para que eu me inscrevesse na lista virtual de e-mails, NHLBr, o que aceitei. Lá, acabei virando moderador e conhecendo outros doidos que veneravam o hóquei sobre todo e qualquer outro esporte!

Agora que vocês sabem quem é o Fabiano, vou dizer o que tenho visto neste país, em relação ao hóquei. Primeiro, como ex-jogador de basquete amador (muito amador) e fã da NBA (devo ser exceção aqui nesta revista, junto do Thomaz), poderia até gostar do espaço que este esporte recebe das TVs, sejam abertas ou fechadas. Mas não gosto, porque relega a um ducentésimo plano meu esporte favorito.

Vejo uma lista de e-mails para discussão do esporte que já chegou a mais de cem pessoas, com umas 50 ativas. Vejo pessoas na rua com camisas de times. Converso com pessoas que gostam de hóquei e até assistiriam, mas não sabem onde passa. Quando ouço isso, acho melhor nem comentar que não vão conseguir assistir mesmo.

Argumenta-se muitas vezes que o hóquei não é transmitido porque é um esporte que não teria como se praticar aqui, que seria muito caro etc., etc. Futebol, tudo bem: uma bolinha de meia resolve. Vôlei, uma bola e uma corda, pra amarrar em dois postes. Mas e basquete? Como fazer tabelas? E tênis, que se populariza a cada dia? Como jogar sem raquetes específicas? Sem elas, vira um frescobol muito do vagabundo. Hóquei no gelo seria impossível, mas certamente poderia ser praticada alguma variante com patins (nem todos são caros), tacos (isso é fácil de improvisar), os gols seriam feitos com pedrinhas mesmo e a bola, por que não a de meia?

Você deve estar se perguntando: "Epa! Então você está querendo me dizer que é possível praticar hóquei por aqui?". Claro que sim! Até futebol, se for para ser praticado direito, acaba ficando caro. Uma bola profissional, chuteiras de marcas extra-ultra-mega famosas, traves de verdade, jogo de camisa pra um time de 11 pessoas e um campo oficial custam o olho da cara. Alguém que goste de um esporte e quer jogar vira-se com o que tem em mãos.

É inegável, então, que o esporte das massas, como dizem nossos cronistas futebolísticos, está tão enraizado em cada um e que é difícil convencer todos que existem outros esportes, bons do mesmo jeito que o futebol e também acessíveis.

Por conseqüência, a mídia acaba por relegar os outros esportes a artigo de luxo, somente para uma platéia mais seleta. Eu, seleto? Por quê? Por que gosto de um esporte praticado fora do Brasil? Tenham a santa paciência, né? Se Villa-Lobos conseguiu criar uma música erudita brasileira e a bossa nova nada mais é que um jazz made in Brasil (com S mesmo), qualquer coisa pode ser feita em nosso solo. Ou não somos o povo mais criativo?

Digo isso, pois sofro ao dizer às pessoas que não jogo futebol. Tratam-me como alienígena. Mas quando eu puder, vou me vingar e mandar essas pessoas para Suécia ou Canadá. Aí eu quero ver...

O hóquei tem um bom potencial de crescimento, pelas iniciativas (mesmo que poucas) em relação ao esporte. Acompanhei o crescimento do basquete no País, que teve um impulso muito grande nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992, com o Dream Team. A partir dali, os brasileiros tiveram acesso a nomes como Larry Bird, Magic Johnson, Charles Barkley e, claro, Michael Jordan. O que falta é uma exposição maior da NHL na mídia.

O problema é como conseguir isto, já que não temos uma seleção nacional de hóquei no gelo e, mesmo com os jogadores da NHL liberados para jogarem por suas seleções nos torneios mundiais e Olimpíadas de Inverno, isso não apareceu por aqui. É muito estranho ver a atitude da ESPN ao não passar hóquei. Falam muito sobre o tempo que leva um jogo de hóquei, mas pelo tempo que levam os jogos da NFL (National Footbal League, Liga Nacional de Futebol Americano) e da MLB (Major League Baseball), sei não, isso parece desculpa esfarrapada.

Quando vejo iniciativas como esta revista, a NHLBr.com ou mesmo listas de discussão como a Coolgame e a NHLbr, além de ligas virtuais como a LBH (Liga Brasileira de Hóquei) e páginas pessoais de torcedores como eu, não consigo imaginar que existam neste país apenas meia dúzia de pessoas para formar um público de hóquei. Não acredito também que só nós da Slot sejamos fanáticos a ponto de ficar até de madrugada acordados para assistir a um jogo. Em 170 milhões de brasileiros não podem existir apenas 150 aficcionados (o que seria a soma de pessoas cadastradas na NHLBr e Coolgame).

Sinto até pena da paixão que tenho quando olho minha camisa dos Rangers com o número 11 atrás e o nome Messier em cima ou o disco do time que tenho (obrigado, Márcio). E sinto pena de cada um de nós da Slot, que escreveu um belíssimo texto (digo isso sem ter lido o de mais ninguém) e que, com certeza, será solenemente ignorado pela ESPN ou pela NHL.

Mas não tem problema. Torcedor é doente mesmo e se contenta com o pouco que tem. Seja um "melhores momentos" na Band, ou uma faixinha informando resultados no SportsCenter da ESPN, ou entrando no site da NHL para tentar ao menos ouvir em alguma rádio virtual como estão os jogos dos times do coração. Mesmo que a narração seja em inglês. E, na pior das hipóteses, acabamos escrevendo um site quase que todo baseado no que lemos diariamente nas informações que coletamos em cada página (novamente, em inglês) sobre este esporte tão querido.

Talvez estejamos na era do dinheiro, e o que vale é o gosto da maioria, ou, como diria Adorno, da massa. Ainda que este gosto não seja dos melhores. Mas não tem problema. Pessoas com gostos esdrúxulos jamais serão vencidas. Como diria um amigo meu: "Sempre existirão aqueles que gostam de groselha, sorvete de chocolate com menta, Frank Sinatra, Del Rey e bolas de siri no câmbio do carro". Que tal colocar a palavra "NHL" nesta frase?

Fabiano Pereira queria apenas poder assistir aos seus Rangers. Mesmo que fosse para vê-los perdendo, como sempre. E para constar: ele gosta de groselha, sorvete de chocolate com menta e Frank Sinatra.
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Página publicada em 4 de novembro de 2002.