Em meio aos playoffs da NHL, uma notícia relacionada à maior liga de hóquei no gelo do mundo chama atenção: Derek Boogaard foi encontrado morto, por parentes, em sua casa, em Minneapolis.
As causas de sua morte ainda não foram esclarecidas e seu cérebro torna-se objeto de estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de Boston, para verificar mais precisamente o efeito das pancadas em cérebros de atletas de esportes de contato. Entre as questões médicas e criminais (curiosamente, a Polícia de Minnesota não descarta a possibilidade de homicício), a morte de Boogaard chega a ser poética: os intimidadores estão desaparecendo da NHL.
Há um ano, Boogaard era votado o segundo maior intimidador em atividade, perdendo apenas para Georges Laraque em pleito popular
no site da ESPN internacional. Um ano antes, ele também fora mencionado num artigo especial que a ESPN fez para intimidadores, tendo como destaque Jon Mirasty, então no Syracuse Crunch da AHL. Lutador de MMA nas horas vagas, Mirasty esteve longe de chegar à NHL e circula por ligas menores. Só na temporada 2010-11 andou pela AHL, ECHL e CHL...
Desde o locaute que a NHL se esforça para acabar com o papel do intimidador, de modo a prevalecer jogadas, gols, dribles, velocidade... a plástica tem ganhado mais espaço e o perfil do jogador de hóquei muda constantemente, com a tendência à exploração da imagem de jovens como Sidney Crosby, Alexander Ovechkin ou Jeff Skinner. O marketing fala mais alto e as franquias precisam elevar suas receitas.
Nesse ponto, um jogador feio, sujo, desdentado e brigão sai em desvantagem se comparado a um rapaz limpo, de cabelo bem cortado, aquele que qualquer mãe queria pra genro. E não digo isso de forma pejorativa, até porque esse perfil não indica que o jogador não seja ríspido. Tá aí Bobby Ryan que não me deixa mentir.
De qualquer forma, o jogo vem mudando constantemente e jogadores extremamente físicos perdem sua relevância a cada temporada. Esse era o caso de Derek Boogaard, um ponta esquerda que entrava no rinque para intimidar e brigar. Boogaard era durão e qualquer torcedor do Anaheim deve lembrar-se que ele nocauteou os notáveis intimidadores dos Ducks Trevor Gillies e Todd Fedoruk.
Certamente, o perfil de Boogaard é um mau-exemplo aos olhos da nova NHL. Enquanto Crosby mostra suas habilidades em comerciais da Gatorade e diz Eu sou o que eu sou em propagandas para a Reebok, Boogaard dava clínicas de hóquei para crianças onde as ensinava a brigar como parte do jogo. Talvez Boogaard se sentisse mais à vontade nos anos 70 ou 80, quando os intimidadores ainda eram peças-chave do hóquei no gelo. As décadas de 1990 e 2000 assistiram ao ocaso de grandes intimidadores. Joe Kocur, Tie Domi, Stu Grimson (The Reaper)... os que prevalecem também mudaram seu perfil, a exemplo de George Parros: é um intimidador, mas está mais para um bufo, um palhaço, com seu bigodão e cabelos compridos, chegando até a fazer cócegas nos adversários!
Ainda assim, considerando a pouca habilidade ofensiva e defensiva de Parros, dá para dizer que ele é um intimidador à antiga: alguém que está no time basicamente para o jogo físico e brigas. Se abrir o elenco de cada franquia, dificilmente vai se encontrar jogadores exclusivamente voltados para a intimidação. Ao invés disso, jogadores fortes no jogo físico, mas que também tenham habilidade, caso, por exemplo, de Niklas Kronwall, que, do alto de seus 1,83m, consegue nocautear um Dany Heatley 10cm mais alto. É muito mais viável pagar por um jogador com essas características. Mas ainda havia quem pagasse por um intimidador puro, como Boogaard, e ele tinha mais quatro anos de contrato com o New York Rangers. Só não se sabia se ele chegaria a cumprir esse contrato, e não estou me referindo ao acaso e às incertezas da vida que cuminaram com sua morte, mas sim a algo que acontecera em dezembro.
Ironicamente, em uma briga contra o agressivo defensor Matt Carkner, Boogaard acabou sofrendo uma concussão que lhe tirou do restante da temporada regular 2010-11. Até o dia de sua morte, ainda não havia certeza de que Boogaard voltaria a jogar. Teria a concussão alguma relação com o óbito?
Boogaard foi recrutado em 2001 pelo Minnesota Wild. 202ª escolha geral. Tinha tido duas temporadas na Western Hockey League onde marcara apenas um gol e nove pontos no total, mas somava mais de 400 minutos de penalidade. Ele não foi recrutado por outra razão se não brigar. Seguiu nos juniores por mais três temporadas e no final das contas defendeu três times na WHL: Regina Pats, Prince George Cougars e Medicine Hat Tigers.
Subiu aos profissionais em 2005 e jogou por três temporadas em ligas de baixo: uma na ECHL, com o Louisiana IceGators e duas na AHL, com o Houston Aeros. Em 2005 estreou na NHL e jogou por cinco temporadas no Wild. Em 2010 foi para Nova York onde jogou 22 partidas até a tal concussão. Somou apenas 16 pontos e 3 gols na NHL. Mas foram 589 minutos de penalidade.
Tanto New York Rangers quanto Minnesota Wild prestaram homenagens em memória de Boogaard. O Wild, inclusive, publicou uma longa nota lamentando a morte do ex-jogador e os fãs prestaram um serviço memorial em frente ao Xcel Energy Center. Parte da organização, o Houston Aeros também prestou homenagem ao jogador em seu site oficial, destacando que Boogaard era um jogador preferido pelos fãs. Os Cougars também declararam luto da organização em honra ao intimidador.
Com sua partida, o hóquei não perde apenas mais um jogador, mas alguém que dava continuidade a um velho papel do esporte. Boogaard era representante de uma espécie em extinção. Não há espaço para caras durões na liga comercial de Gary Bettman.
Glen Sather, gerente geral dos Rangers: "Ele era um cara durão que vai fazer uma falta danada".
O valor do intimidador
Esporte é guerra — figurativamente e guardadas as devidas proporções, claro. Em suas origens tribais, o esporte tinha valor simbólico de honra. Os atletas competiam para defender o nome de seus clãs ou cidades. Desde seu princípio, os jogos nada mais eram que alegorias de disputas bélicas entre diferentes clãs. Não é à toa que, em um jogo, aquele que se sobressai é o vencedor, conquista a vitória. O conceito original de vitória é bélico: refere-se aquele que vence uma batalha em uma guerra. Por isso o esporte mexe com o orgulho ufanista.
É normal que um torcedor se apaixone por aquele jogador que esteja longe de ser o melhor do seu time, mas seja o mais esforçado. E há dois esportes em que isso fica mais claro: o hóquei no gelo e o rugby.
Em 1997 o Detroit Red Wings tinha cinco jogadores muito talentosos: Slava Fetisov, Sergei Fedorov, Slava Kozlov, Vladimir Konstantinov e Igor Larionov. Além deles, Steve Yzerman e Niklas Lidstrom. No entanto Marcelo Constantino, colega colunista e notório torcedor dos Wings, prefere um intimidador bem mais lembrado por uma briga que por seus talentos: Darren McCarty.
Embora esteja no elenco para brigar, um intimidador muitas vezes representa o coração do time. Principalmente para a torcida. Basta ver a comoção em Minnesota por um jogador que, em cinco temporadas marcou apenas dois gols e 14 pontos.
Em honra a todos os intimidadores, à memoria de Boogaard.
Thiago Leal está de luto, novamente.
James Keivom/NY Daily News 1982-2011 |