Tudo começou com um soco. As brigas são feitas de socos, que só fazem sentido quando os dois jogadores se enfrentam de pé e em igualdade de condições, e não quando há homens listrados entre eles ou quando um está caído ou não consegue se defender. O código de conduta exige que você seja leal e respeite o seu adversário — e diversas vezes nos últimos anos os maiores valentões da NHL demonstraram que essas normas não escritas existem de fato. Agredir seu oponente depois do soar do gongo, ou, neste caso, depois que os árbitros intervêm para separar os jogadores, é quebrar o código.
Foi o que fez Rick Rypien ao acertar um soco em Brad Staubitz quando já não existia mais briga. Só ele e todo o seu ódio persistiam no combate, enquanto seu adversário já estava com as mãos abaixadas. É claro que a atitude covarde de Rypien inflamou os jogadores do Minnesota Wild, que rapidamente se atracaram aos jogadores do Vancouver Canucks, no que poderia ter sido um confronto de grandes proporções. Felizmente não foi.
Isso já seria o bastante para que Rypien fosse punido, senão pelas leis do esporte, na mesma moeda — porém sem covardia — quando os times se enfrentassem novamente. Mas, como o clichê, o pior ainda estava por vir.
Penalizado por duas infrações menores pela briga e ainda um castigo de dez minutos pelo soco no momento impróprio,
Rypien se dirigia ao vestiário dos Canucks quando se viu diante de um torcedor do Wild que batia palmas e questionava o seu profissionalismo. Transtornado, Rypien levou as duas mãos ao peito de James Engquist, de 28 anos, e agarrou sua camisa, sendo contido por alguém do banco dos Canucks.
Não importa se o seu time está sendo goleado, você está nervoso e acaba de ser penalizado por ser covarde. Não há nenhuma circunstância que lhe permita agredir um torcedor, alguém que pagou para assistir ao jogo e que não fez nada fisicamente para provocá-lo, mesmo que ele seja um idiota e esteja agindo como um idiota. Você é pago para fazer o seu trabalho dentro do gelo e uma parte disso passa pelo respeito a quem não faz parte do jogo, seja um admirador ou um detrator. Rypien cometera um pecado mortal.
"Antes de cada temporada, todas as
equipes e jogadores são informados que sob nenhuma circustância seus membros têm permissão para fazer contato físico com os torcedores, ou entrar, ou tentar entrar nas cadeiras," declarou o Comissário Gary Bettman. "Nós exigimos dos jogadores da NHL um alto padrão, e simplesmente não há desculpa para uma conduta dessa natureza."
Além do que
é dito todos os anos, está no livro de regras da NHL, no item 23.7, a pena para quem agride ou tenta agredir um torcedor.
"Qualquer jogador, goleiro ou funcionário da equipe que interferir fisicamente com os espectadores, envolver-se em uma altercação com um espectador ou jogar qualquer objeto em um espectador, estará sujeito automaticamente à expulsão do jogo e o árbitro deverá informar todas essas infrações ao Comissário, que terá total poder para impor novas penalidades que julgar apropriadas."
A preocupação da liga com essa questão é tão grande que a regra defere poderes ao Comissário para julgar a pena do infrator. Nos demais julgamentos por jogadas violentas, por exemplo, quem bate o martelo é o Vice-Presidente e Diretor de Operações de Hóquei, Colin Campbell, o principal disciplinador da NHL.
No dia seguinte à confusão, a NHL determinou a suspensão preventiva de Rypien. Os jornalistas, então, passaram a oferecer seus palpites sobre o tamanho da punição, variando entre seis e dez jogos. Acertou quem apostou no mínimo, errou quem determinou o mínimo.
O torcedor sai de casa, enfrenta o trânsito e paga um ingresso geralmente caro para assistir a um produto que nem sempre é bom. Em vez de se divertir, é agredido por alguém a quem ele ajuda a pagar o salário. Se não é a imagem que a liga quer para o esporte, então a suspensão deveria ser bem maior. No entanto, de acordo com o Comissário, a ficha limpa de Rypien abrandou a sentença.
Além de ter seus 15 minutos de fama, Engquist recebeu um telefone de Bettman, com o pedido de desculpas,
um convite para jantar e ingressos para outro jogo. O torcedor apreciou o gesto do Comissário, mas expressou seu desapontamento com a punição ao jogador. Para Engquist, Rypien deveria ser demitido.
Diversos outros torcedores
também lamentavam a falta de pulso da liga nesse julgamento, mas depois de uma entrevista chorosa a um jornal local, em que afirmou seu desejo de processar Rypien por agressão, aos olhos dos torcedores Engquist passou do papel de vítima inocente ao de idiota aproveitador, como alguém que é atingido por uma bolinha de papel e vai parar no hospital para fazer tomografia.
O chilique de Engquist não melhora a situação de Rypien. Com nove gols e 15 pontos em 113 jogos na carreira, Rypien ficará marcado para sempre como "aquele jogador que agrediu um torcedor".
Para terminar o texto com uma nota positiva, felizmente para cada Rypien presente na NHL existem dez Matt Moulson.
Na semana passada, alguns amigos aguardavam na porta do hotel em Tampa Bay a chegada do elenco do New York Islanders, na esperança de conseguir alguns autógrafos. Às 18 horas, todo o time deixou o ônibus e adentrou o hotel, sem assinar nada para ninguém. Um dos garotos, então, decidiu escrever uma mensagem via Twitter para Moulson. O jogador não só respondeu como, minutos depois, estava na porta do hotel dando risadas enquanto distribuía autógrafos para a turma.
É o exemplo dado pelo jogador dos Islanders que melhor representa a classe. Dos esportes profissionais americanos, são os jogadores da NHL os mais acessíveis e os mais ligados aos torcedores. Rypien é uma exceção à regra.
Humberto Fernandes tem twitter, embora não escreva regularmente.
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