Desde o principal goleiro da National Hockey League até o pai de um garoto de 12 anos que sofreu traumatismos na cabeça e na coluna devido a um tranco, existe uma proliferação dos clamores por mudanças na cultura do esporte que muitos acham ser extremamente permissivo em relação ao contato físico desnecessário e desleixado e em relação às lesões mais sérias.
O movimento para mudanças no hóquei se encontra hoje em uma conferência médica na Clínica Mayo em Rochester, Minnesota, onde representantes desde a NHL até as ligas menores e infantis se encontram para discutir recomendações que visam a reduzir a ocorrência de concussões e outras lesões sérias, principalmente nos jovens jogadores.
Baseando-se nas estatísticas que indicam uma alta ocorrência de lesões sérias entre jogadores de 11 a 14 anos de idade, espera-se que as medidas incluam maneiras de retardar a introdução do tranco nos Estados Unidos e em algumas províncias do Canadá para 13 anos, ao invés dos atuais 11.
Outra medida seria encorajar a criação de ligas de hóquei recreativas para jovens jogadores onde não haveria trancos. Essas ligas são virtualmente inexistentes em áreas dos EUA onde o hóquei é um esporte popular.
Entre as recentes descobertas de estudos médicos a serem apresentadas na conferência da Clínica Mayo, existe uma estatística da província de Alberta, onde o tranco é permitido para jovens entre 11 e 12 anos de idade: entre os nove mil jogadores nessa faixa etária na província, cerca de 700 concussões cerebrais acontecem a cada temporada.
"Por que nós insistimos para que os nossos garotos joguem de uma maneira que nós adultos não jogaríamos porque não queremos nos contundir?", disse Dan Pinti, um pai de Buffalo, NY, cujo filho, Zach, sofreu concussão na cabeça e na coluna depois de receber um tranco na lateral da quadra, em uma jogada que Pinti descreveu como "perfeitamente razoável e legal".
O doutor Michael J. Stuart, um dos organizadores da conferência de dois dias no Centro de Medicina Esportiva da Clínica Mayo, disse que o encontro era o mais recente de uma série de conferências semelhantes na América do Norte e na Europa que foram provocadas pelo aumento dos relatos de concussões no hóquei na última década.
"Toda a questão de conduta esportiva e respeito mútuo existe em cada faceta do jogo," disse Stuart, que é um professor de cirurgia ortopédica e é o chefe da equipe médica da seleção americana de hóquei. Stuart concorda em banir os trancos até a idade de 13 anos, quando os jogadores são mais maduros fisicamente, já foram ensinados a ter melhor balanço e controle do corpo e, supostamente, já foram ensinados sobre os princípios do jogo limpo.
"Nós precisamos continuar a enfatizar a conduta esportiva e o respeito mútuo, não tirar vantagem de um oponente vulnerável, não fazer um tranco à custa da saúde e da segurança própria ou de um oponente," ele afirmou.
A conferência da Clínica Mayo será frequentada por membros do USA Hockey, do Hockey Canada, da NHL, da Federação Internacional de Hóquei no Gelo e pelos fabricantes de equipamentos.
A própria NHL hoje se encontra em uma encruzilhada entre a sua tradicional cultura de trancos violentos e lesivos e a noção contrária que é o jogo limpo. Esse conflito veio mais uma vez em evidência na semana passada, quando o jogador do Buffalo Sabres Jason Pominville sofreu uma concussão ao ser atingido ilegalmente por trás pelo jogador Niklas Hjalmarsson do Chicago Blackhawks. A liga suspendeu Hjalmarsson por duas partidas.
Depois da partida, o goleiro dos Sabres, Ryan Miller, que foi o vencedor do Troféu Vezina na última temporada, disse que "É disso que nós precisamos nos livrar no hóquei atualmente, essa cultura de dizer que estava tentando fazer uma jogada portanto não foi minha culpa".
Miller, que é membro do comitê de regras da NHL, ainda acrescentou: "Não importa se foi sem intenção, nós precisamos mudar essa cultura se nós queremos um dia mudar a situação que vemos hoje em dia, em que jogadores sangram no gelo e perdem tempo com concussões. É uma jogada totalmente desnecessária."
Nesta temporada, a NHL, respondendo à pressão da Associação dos Jogadores, aprovou regras — inclusive banindo o tranco na cabeça em que o jogador oponente não vê o que está para acontecer — que visam a reduzir o número de lesões na cabeça.
Nesta semana, reduzir as lesões na cabeça no hóquei vai ser o foco de todos os níveis do jogo, desde o infantil até a NHL. Entre os achados a serem apresentados na conferência da Clínica Mayo, todos de estudos acadêmicos nos últimos três anos, estão:
- As concussões representam 18% de todas as lesões no hóquei;
- O hóquei feminino tem a maior incidência de concussões entre os esportes universitários, mesmo não permitindo o tranco;
- A incidência de concussões em jogadores jovens (23,15 para cada mil jogadores/hora) é apenas ligeiramente menor do que a dos jogadores da NHL (29,59);
- Um estudo realizado pela Dra. Carolyn Emery da Universidade de Calgary com dois mil jogadores entre 11 e 12 anos em Alberta e Québec mostrou que os jogadores de Alberta sofreram quatro vezes mais concussões do que os de Québec, além de terem sofrido três vezes mais lesões sérias (as que deixam o jogador afastado por pelo menos uma semana) do que os seus colegas do Québec. No Québec, o tranco é proibido para menores de 13 anos;
- De acordo com o mesmo estudo, se o tranco fosse postergado para a idade de 13 anos, o número anual de lesões sérias entre os jovens de 11 e 12 anos de idade cairia em cerca de mil e as concussões seriam reduzidas em cerca de 400.
Jeff Z. Klein é colunista do jornal The New York Times. A matéria original foi publicada pelo The Gazette em 19 de outubro de 2010 e traduzida por Alessander Laurentino.