Quando Carey Price reagiu ao primeiro chute na sua primeira partida da pré-temporada como um cervo reage à luminosidade dos faróis de um carro, você podia sentir um tremor atravessar a cidade. Quando na sequência ele tomou um total de dez gols em apenas 39 chutes durante as suas duas primeiras partidas, aquele tremor deve ter sido registrado em alguns sismógrafos.
É verdade, são apenas jogos amistosos. Os jogos em si não significam nada, não possuem valor algum, do mesmo jeito que muitas performances nessa época também não significam muita coisa. Porém, com Price, você quer ver alguma confiança. Você quer ver algumas defesas. Você quer ver alguma coisa, qualquer coisa, que possa provar que Pierre Gauthier não fez a maior besteira em 15 anos quando trocou Jaroslav Halak com o St. Louis Blues.
Se foi um erro do tamanho do erro que foi trocar Patrick Roy, Gauthier não terá desculpas. Quando Réjean Houle trocou Roy para o Colorado, ele era um novato no cargo e teve o azar de ser pego no meio de uma disputa entre uma estrela com temperamento difícil (Roy), um técnico igualmente difícil de lidar (Mario Tremblay) e um presidente em pânico (Ronald Corey).
O mesmo não pode ser dito de Gauthier. Bob Lite estava aqui durante os anos de Bob Gainey como gerente. Ele viu Price jogar várias partidas assim como também viu Halak jogar. Ele tinha o verão setentrional inteiro para esperar que o negócio certo aparecesse. Porém, ao invés disso, ele despachou Halak na primeira oportunidade.
[N. T.: Bob Lite é um dos apelidos de Pierre Gauthier no Québec porque muitos consideram que ele é uma miniatura de Bob Gainey]
É como Chris Chelios falou para um conhecido meu (Reg Fisher) quando ele soube da troca: "Meu Deus, isso foi burrice".
Burrice, é verdade. Então Price foi vaiado após uma atuação desastrosa em uma partida amistosa? Grande coisa. Os fãs estão furiosos. Eles estavam despejando a sua frustração em Price, apenas porque Gauthier não estava no gelo. Seis mil fãs dos Habs apareceram em um evento de caridade onde pagaram para receber um autógrafo de Halak no shopping center Fairview. Eles sabem o que eles tinham em Halak, mesmo que Bob Lite não saiba.
Quando você joga em Montreal, ser vaiado faz parte do jogo. Não existe pressão da imprensa que faça isso parar. Nem deveria existir. As vaias são uma forma de direito de expressão. Quando você paga ingressos caros para ver um jogo sagrado, você tem direito de vaiar.
Patrick Roy foi vaiado aqui. Larry Robinson foi vaiado aqui. Mesmo que as vaias possam ser irritantes, isso não quer dizer que elas também sejam burras ou sem sentido — ou não menos sem noção do que os super fãs que aplaudem qualquer jogador que vista a camisa do CH, não importando quão ruim ele seja.
[N. T.: em Montreal, a maioria absoluta da imprensa se refere ao Montreal Canadiens como o CH].
Deixando os mais fanáticos de lado, a maioria dos fãs conscientes aqui sabe o que eles perderam em Halak. É tão, tão difícil de encontrar um goleiro que consegue suportar a pressão que existe em Montreal. Gauthier tinha um goleiro desses, e ele simplesmente o jogou fora, tudo por causa de um "puro sangue" que sequer chegou perto de desenvolver o seu potencial.
Existe apenas uma pessoa que pode silenciar as vaias, e é o próprio Carey Price. Os fãs de Montreal podem mudar da água para o vinho: algumas boas performances e eles o tratarão como uma divindade.
Eu espero que ele consiga fazer isso. Para o seu próprio bem, para o bem do Canadiens e dos seus fãs, que já estão há 17 anos sem vencer a Copa Stanley e na maioria das vezes com temporadas medíocores nesse period. Quando Price tem um começo ruim, não é muito encorajador. Quando ele se esquiva da imprensa após a partida e no dia seguinte diz que os fãs precisam se acalmar, é extremamente desencorajador e decepcionante.
Entretanto, para reconquistar esta cidade no longo prazo, Price tem que provar que ele tem a coragem e a postura de Halak. Foi a sua força interior que fez Halak distanciar-se de Price, especialmente durante os playoffs. Ganhando ou perdendo, Halak estava sempre lá, sob as luzes dos holofotes. Ele nunca arranjava desculpas. Era um bom soldado, que se mantinha de cabeça erguida, fazia o seu trabalho e nunca reclamava. Quando ele perdia uma partida, ele assumia a culpa pela derrota. Quando ele ganhava, ele dava o crédito para o time e para os seus companheiros.
Sempre que os Habs precisavam dele, Halak estava lá. Cristobal Huet estava machucado? Ele aparecia e jogava bem. Price estava machucado? Halak aparecia e jogava bem.
Então vieram os playoffs da última temporada e uma das maiores apresentações jamais feitas por um goleiro. E isso em séries em sequência contra duas das maiores potências ofensivas que a liga já viu, contra os dois super astros da atualidade que são Alexander Ovechkin e Sidney Crosby. E Halak foi fantástico.
Enquanto enfrentava uma média de 37 chutes a gol por noite de alguns dos melhores atacantes da liga, Halak derrotou os Capitals e os Penguins em series eliminatórias e seguidas que viverão para sempre na memória do hóquei nesta cidade.
Então, como é que os Habs agradecem? "Bom trabalho, cara. Agora vá embora daqui. Nós não precisamos de você".
Se você achava que as coisas seriam diferentes com Gauthier no comando, você estava errado. Não demorou muito para Bob Lite provar que, em relação a Price, ele acha que tem o cara certo na posição de goleiro.
Nada que aconteça nos próximos meses vai provar que Gauthier estava certo ou errado. Não importa o quão bem Lars Eller jogue, ou como vai ser o desempenho de Halak em St. Louis.
A única maneira que os Canadiens têm para provar que trocar Halak e ficar com Price era a coisa certa a se fazer é o time chegar na terceira rodada dos playoffs pelo menos uma vez nos próximos três anos. Se os Habs não conseguirem, então eles fizeram uma péssima troca, porque Halak já tinha demonstrado que ele tinha o que precisava para carregar um time medíocre nos playoffs.
Quanto a Carey Price? Eu espero que esteja errado, mas eu não acredito que ele tenha a capacidade necessária para isso.
Jack Todd é colunista do The Gazette. O artigo original foi publicado em 27 de setembro e traduzido por Alessander Laurentino.