A partir da segunda metade dos anos 1990 e começo dos anos 2000, as franquias canadenses da NHL sofreram para se manter financeiramente viáveis devido à forte desvalorização do dólar canadense frente ao seu vizinho do sul. Com todos os contratos e custos diretamente relacionados ao seu funcionamento em dólares americanos, porém com receita em dólar canadense, as franquias viviam um dos piores momentos da história do hóquei profissional no país do hóquei.
Eram tempos difíceis e franquias como Edmonton Oilers e Calgary Flames estiveram muito perto de deixar o Canadá e serem realocadas para cidades americanas. O hoje forte Vancouver Canucks também foi vendido e na época se especulava se também era candidato à realocação.
O Ottawa Senators quase foi embora, o Toronto Maple Leafs quase quebrou duas vezes e o maior vencedor de Copas Stanley da história, o Montreal Canadiens, foi vendido com cláusula que proibia a sua realocação. Infelizmente, não tiveram a mesma sorte as franquias de Winnipeg (hoje em Phoenix) e a de Québec (hoje no Colorado).
Muito tempo se passou desde então, e atualmente a situação é muito diferente. Para começo de conversa, a liga estabeleceu um teto salarial e um máximo de folha de pagamento que uma equipe pode ter, limitando a concorrência predatória das equipes mais abonadas sobre as ditas de "menores mercados". Hoje existe uma paridade entre as duas moedas, com o dólar canadense valendo quase um para um com o seu vizinho americano.
Diante de um cenário muito mais favorável e positivo, era normal que houvesse uma especulação de um retorno da NHL para cidades canadenses, ampliando a participação do verdadeiro lar do hóquei no gelo na liga profissional de hóquei mais importante do mundo.
Inicialmente, precisamos desfazer alguns mitos. O maior deles é que a cidade de Québec não tem mercado para sustentar um time de hóquei da NHL. Quando o Québec Nordiques deixou a liga, era a sexta franquia que mais gerava receita. Hoje a cidade está muito mais forte economicamente e possui um mercado extremamente mal servido pela NHL, com consumidores ávidos e muito motivados. A questão de apoio e parceria pública não é problema. Então, o que falta para o retorno da NHL para a capital da província francesa do Canadá?
Bem, é exatamente isso que se pergunta muita gente aqui na província de Québec. Segundo o senhor Gary Bettman, comissário da NHL, um retorno da liga para a cidade de Québec passa obrigatoriamente pela construção de uma nova arena, pois o antigo lar dos Nordiques, o Coliseu (Pepsi Center) seria muito defasado e pequeno para os padrões atuais da NHL.
Até onde esse seria um argumento válido? Afinal de contas, até poucos meses atrás o Pittsburgh Penguins mandava seus jogos em uma arena jurássica, o NY Islanders também tem um lar bastante antigo, e isso para não entrar no mérito de que é infinitamente melhor ter uma arena com capacidade para apenas 16.000 lugares, mas que esteja sempre lotada, do que ter situações ridículas como as que enfrentam franquias como o Phoenix Coyotes e o Florida Panthers. Para citar apenas esses dois exemplos, a franquia da Flórida colocou ingressos à venda no estilo "dê sua oferta; se for razoável, nós lhe venderemos pelo preço que você propôs". Outra franquia também na região mais ao sul da América colocou um grande lote de ingressos à venda por ridículos oito dólares. Não, caro leitor, você não leu errado. Apenas oito dólares! E mesmo assim os ingressos não saem.
Enquanto franquias como Canadiens, Maple Leafs e Canucks são obrigados a limitar o número de clientes com ingressos para a temporada completa, de forma a permitir venda de pequenos lotes de bilhetes individuais, o Phoenix Coyotes não consegue vender nem quatro mil bilhetes de temporada, apesar das promoções que têm feito o do sucesso na última temporada.
Fica muito claro que a questão não é apenas uma arena. A questão é política e pessoal. Pessoal no que diz respeito à incapacidade do senhor Bettman pensar realmente no que seria melhor para liga e para os proprietários das franquias. Além dele ser incapaz de admitir que falhou ao tentar expandir a liga de maneira acelerada e além da capacidade real do esporte gerar interesse e ser lucrativo em alguns mercados.
A questão da nova arena já está resolvida. O prefeito da cidade de Québec já fechou parceria com o governo da provincia de Québec, que topou financiar 45% do investimento necessário para a obra. A prefeitura da cidade já assegurou outros 10% e o restante ficaria a cargo do governo federal do Canadá, que apesar das insistências locais, tem se mostrado bastante receoso em fechar a parceria. É certo que uma parcela da população acredita que o investimento deveria ser majoritariamente privado, mas aí é uma outra discussão. Para concluir esse capítulo, o prefeito de Québec já anunciou que a cidade vai construir a arena de qualquer jeito, até porque a cidade planeja se candidatar para sediar uma futura edição dos Jogos Olímpicos de Inverno, e sem essa obra sua candidatura seria praticamente inviável.
Depois de várias reuniões com a liga, a prefeitura da cidade já conseguiu chamar a atenção da NHL e fez com que o próprio Bettman afirmasse que "se Québec quer receber uma franquia da NHL, a cidade precisa de uma nova arena". Até mesmo outros dirigentes da liga já afirmaram que se Québec construir sua nova arena, a cidade vai ganhar uma franquia da liga.
Com a arena resolvida, como a cidade ganharia uma nova equipe? Realocação ou expansão? Se formos falar em lógica e pensamento racional, não existe sentido algum em se promover a criação de mais franquias no atual momento, pois existe pelo menos meia-dúzia de franquias extremamente deficitárias e que não conseguem estancar a sangria nos seus cofres, não importa o que elas façam. Então, por que promover uma expansão da liga diante deste cenário? A única explicação seria a vaidade e o orgulho que impediriam Gary Bettman de admitir uns dois ou três erros óbvios de planejamento e permitir a realocação de algumas franquias, para a alegria dos seus proprietários que estão praticamente implorando para que a liga tome uma atitude coerente.
Até mesmo um futuro proprietário para a franquia já existe. Seria o grupo Quebecor, um gigante do setor da mídia canadense, sediado em Montréal e que é proprietário de empresas como o grupo Canoe — que conta com vários jornais pelo país, rádios e canais de televisão — e o grupo Videotron — principal fornecedor de tv a cabo da província de Québec, provedor de internet, telefonia fixa e celular —, e que parece não medirá esforços para brigar de frente com a sua arquirrival Bell também no segmento de franquias de hóquei.
Na semana passada, a cidade de Québec resolveu colocar mais lenha na fogueira da discussão e realizou uma "marcha pela volta dos Nordiques". O evento foi capitaneado pelo prefeito da cidade e contou com a presença de diversos ex-membros da antiga franquia quebequense, personalidades e do possível proprietário da nova franquia, o presidente do grupo Quebecor.
O evento contou com a presença de nada menos que 60.000 pessoas, empolgadas, esperançosas e que mandaram um recado claro e direto para a liga: "Nós queremos um time de volta! Nós merecemos um time de volta".
Se a NHL vai ouvir o grito do povo agora, aí já é outra conversa. De certo, eu aposto apenas que em breve, muito em breve, vai haver novamente um segundo time na província francesa do Canadá.
Alessander Laurentino defende abertamente a ampliação da NHL no Canadá. Make it seven, eight, nine...