Não me lembro de outras finais em que um time teve tanto embalo e perdeu esse embalo tão rápido, concedendo-o ao adversário. Os Hawks saíram de Chicago como candidatos a uma varrida, apesar dos placares apertados nos dois primeiros jogos, e agora voltam para casa candidatos a ver esta série decidida em apenas seis jogos, com o placar favorável aos Flyers. Uma torcida está de repente desesperançosa, enquanto a outra de uma hora para outra confia que cada uma das próximas duas vitórias virá automaticamente.
Nem tanto ao céu, nem tanto à terra, claro. Sou daqueles adeptos da filosofia de que o embalo não serve para grandes coisas. No ano passado, os Red Wings conseguiram um grande embalo em casa, com duas vitórias, mas em Pittsburgh foram derrotados duas vezes pelos Penguins. Ninguém falava em apocalipse em Detroit, ao menos não da maneira que se fala hoje em Chicago, mas a resposta do time veio no jogo 5, com sonoros 5-0. Todo o embalo perdido em Pittsburgh foi retomado e... de nada adiantou, pois os Penguins venceram os jogos 6 e 7 por idênticos 2-1 e levaram o caneco.
Não que isso vá tranquilizar Dave Clayton e os demais torcedores dos Hawks, claro. O time é jovem e ainda não passou por uma situação adversa como a atual. E isso porque a série ainda está empatada e o time ainda detém o mando de gelo, então adversidade ainda é uma palavra meio forte para o que ocorreu após os jogos na Filadélfia. Adversidade, mesmo, será uma derrota em casa, no jogo 5, o que obrigaria os Hawks a vencer o jogo 6 fora de casa para forçar um decisivo jogo 7. Vale lembrar que o Chicago perdeu os últimos dez jogos na Cidade do Amor Fraternal.
Mas esta série é uma série estranha, e tem sido desde o início. A começar pelos personagens principais. Nenhum deles mais principal que Chris Pronger, um jogador cujo contrato assinado em julho passado foi considerado um estorvo, pois aparentemente pesará contra o teto salarial por alguns anos após sua aposentadoria, graças a um suposto erro (ainda a ser debatido) por parte da gerência dos Flyers em seus cálculos. Pois bem, se o time acabar com a Copa Stanley sobre suas cabeças ao longo da próxima semana, qualquer centavo alocado para o salário de Pronger irá ter valido a pena. Só o que ele tem feito — às vezes tenho a impressão de que ele é o único motivo para esta série ainda não ter se encerrado com uma parada pelas ruas de Chicago — já faz ser difícil qualquer torcedor de laranja reclamar do contrato.
Pelo lado dos Blackhawks, o mais impressionante é que os personagens decisivos nas séries anteriores sumiram. Jonathan Toews, Patrick Kane e Dustin Byflugien (um dos nomes mais legais dos últimos tempos, por sinal) não são sombra do que foram nos últimos dois meses. Marián Hossa, que vinha contribuindo timidamente, foi quem teve papel importante nas duas vitórias em casa.
Quem foi protagonista antes, por parte dos dois times, já não é mais. A começar pelos goleiros. Ao longo das outras séries os goleiros de ambas as equipes foram sempre questionados e não só tiveram atuações consistentes, como por vezes espetaculares. E nesta série, a não ser pelo jogo 2 — que, ainda assim, contou com um gol suspeito sofrido por Michael Leighton —, não é isso que se está vendo. Foram 26 gols nos outros três jogos, média de mais de oito por partida. Esse é o exato total de gols das finais do ano passado se descontarmos aqueles 5-0 no jogo 5.
Mas o mais interessante disso é que não dá para dizer que os goleiros estão tendo atuações desastrosas. Nenhum deles está sendo brilhante, é verdade, só que é justamente isso que está deixando estas finais muito mais divertidas do que as que a precederam. Não se está vendo nenhum goleiro carregar o time nas costas, algo delicioso para quem torce para o time desse goleiro, mas lamentável para todos os outros fãs do hóquei bem jogado.
É justamente a falta desse fator goleiro que propicia este quase-espetáculo de sobe e desce, em que a cada dois jogos a confiança e o pessimismo se alternam de forma quase matemática entre os dois times, com a diferença que a fórmula de Báskara de nada serve aqui, tantas são as variáveis em jogo e no jogo. Esta série virou uma série que interessa ainda mais a cada torcedor, tenha ele algum investimento emocional nela ou não.
Se não é um hóquei de encher os olhos de quem viveu o ápice ofensivo entre os anos 1980 e meados dos anos 1990, é de alegrar àqueles que curtem o hóquei competitivo e imprevisível, que é o que mais difere a NHL da liga norte-americana de bola ao cesto. Se cada time não sabe ao certo onde termina a confiança e começa o pessimismo, haverá mais emoção no gelo.
Isso, sim, é o sinônimo deste esporte. Que os próximos três jogos e todas as próximas finais sigam sendo um brinde à emoção.