Sempre que um time abre 3-0 em uma série são lembrados os feitos dos Leafs de 1942 e dos Islanders de 1975. É inevitável. Mas mesmo essas menções não costumam servir para dar uma injeção de ânimo no time que está atrás, que acaba morrendo no jogo seguinte ou, no máximo, no quinto jogo.
Neste ano, quase tivemos a chance de presenciar a História sendo escrita. Os Stars abriram 3-0 nos Sharks, e de maneira surpreendente, pois a maioria apostava nos californianos, que perderam a primeira partida na prorrogação, tomaram um vareio no jogo seguinte e depois enfrentaram outra dolorosa derrota no tempo extra. Nada dava a impressão que que eles sobreviveriam muito mais.
Mas sobreviveram. Duas vitórias apertadas, a segunda delas na prorrogação, deram vida nova à equipe, que chegou a Dallas para o jogo 6 disposta a forçar a sétima partida. De certa maneira, ela forçou. Foram disputados o equivalente a mais de dois jogos naquela noite e começo de madrugada, em um total de cinco horas e catorze minutos de hóquei.
O tempo normal foi parelho. Os Stars saíram na frente e mantiveram-se assim até o começo do terceiro período, quando sofreram o gol de empate. O fim dos 60 minutos levou a partida à prorrogação, sempre emocionante neste esporte. Difícil dizer quem estava mais confiante: os texanos, que já tinham vencido dois jogos no tempo extra nesta fase, ou os californianos, que saíram vitoriosos na última prorrogação e ensaiavam uma recuperação na série.
Por pouco a prorrogação não acabou rapidamente. Com um minuto e meio, um dos lances mais espetaculares do anos: Brad Richards pegou de primeira, e o disco parecia endereçado ao ângulo superior esquerdo do goleiro Evgeni Nabokov. Parecia. Até para o juiz de gol, que acendeu a luz vermelha. Nabokov esticou-se todo, e sua luva parou o disco no ar. O juiz Tim Peel não caiu na do juiz de gol e mandou que revissem o lance. Nabokov, na hora, já levantou-se balançando a cabeça, para mostrar que tinha certeza de que não havia saído o gol. Na sala de vídeo, confirmou-se que o disco não entrou totalmente.
Os Sharks também tiveram sua grande chance na terceira prorrogação, mas uma defesa brilhante de Marty Turco, que, ao lado de Nabokov, foi o destaque do jogo, impediu que se chegasse ao jogo 7 naquele instante.
Eles nunca vão admitir isso, mas à medida que o tempo passava, os Stars provavelmente ficaram mais preocupados, pois tinham sido personagens de dois dos seis jogos mais longos da história da liga, e tinham perdido ambos, para o Anaheim, em 2003, e para o Vancouver, no ano passado. Turco, que nunca tinha passado da segunda fase dos playoffs, era o goleiro do time nas duas ocasiões. Havia ainda o agravante de que um eventual jogo 7 teria os Sharks como favoritos, não só pelo embalo, mas também por jogarem em casa. Pressão como nunca.
O jogo avançou com apenas uma penalidade ao longo da prorrogação, no terceiro tempo extra, quando os Sharks desperdiçaram a oportunidade com um homem a mais. O jogo começou a parecer-se com tudo aquilo que a NHL prometeu combater ao final do locaute, mas como ninguém tinha mais muita energia para o agarra-agarra, isso não influiu muito e tivemos um jogo muito aberto do que se poderia esperar. De qualquer jeito, fosse esta partida em outubro, e teria acabado muito antes, porque fatalmente uma vantagem numérica teria garantido um golzinho.
E acabou garantindo. Só que demorou. Pouco antes de o jogo deixar a décima posição no ranking dos mais longos da história, Brian Campbell foi mandado para o banco de penalidades. Pouco depois de a partida assumir o oitavo lugar do ranking e um minuto antes do que lhe valeria o sétimo lugar, os Stars aproveitaram-se da chance, com Brenden Morrow aproveitando um passe açucarado de Stéphane Robidas aos 9:03 da quarta prorrogação.
Apesar de toda a raça demonstrada pelos Sharks ao longo dos jogos 4, 5 e 6, eles não conseguiram forçar a partida decisiva. Para alívio, aliás, dos Stars. "Ir para o jogo 7 no Shark Tank seria abominável", reconheceu Steve Ott. "Obviamente, o embalo estaria a favor deles." Provavelmente foi por isso que o time comemorou tanto o gol, que teve uma vibração que não se espera de uma torcida à 1h15 da manhã, horário local.
Ou talvez não. A alegria de um gol já é imensa. Na prorrogação, mais ainda. Decidindo uma série dessas, então, é para extravasar mesmo. O pessoal de Dallas nem precisou entender isso. Simplesmente sentiu. E talvez agora eles percebam que viram a História ser escrita naquele dia. Só que não do jeito que os Sharks esperavam.