Amigo leitor, você não sabe o que é ser torcedor do Anaheim — a não ser, claro, que você seja um torcedor da franquia californiana. E, quando digo isso, não quero, de forma alguma, me vangloriar. Mas você, torcedor de Red Wings, Avalanche, Devils, Rangers ou Penguins, com certeza não entende o que um torcedor do Anaheim vive.
Primeiro de tudo... a falta de torcedores tão sinceros quanto os que seus times têm. Dentre os poucos milhares de fãs de hóquei espalhados pelo país, sem dúvida, os Ducks detêm uma boa parcela. No entanto, boa parte destes é movida pela imagem que o time ganhou graças àquela trilogia promovida pela Disney. Rapidamente, camisas e bonés dos Ducks ficaram comuns nas lojas e muita gente apareceu por aí usando o uniforme da máscara de goleiro com bico de pato. Já vi essa aberração até mesmo nas ruas de Mamanguape, interior da Paraíba.
Depois, o preconceito por parte dos demais torcedores. Afinal de contas, além de ser até então o time da Walt Disney Company e de ter, em geral, torcedores que pouco ou nada entendem de hóquei, o Anaheim ainda goza, na NHL, de nenhuma tradição. Nem mesmo a conquista da Conferência Oeste em 2002-03 e a conseqüente disputa da Copa Stanley salvam. Para o time do então técnico Mike Babcock e do goleiro Jean-Sébastien Giguere, quase vencer a Copa não significou entrar na galeria dos grandes times da NHL, mas, sim, voltar ao buraco de onde veio. Sem tradições, sem conquistas. A maior dessas, talvez, tenha sido varrer os Red Wings naquela mesma temporada — para dar uma idéia das dimensões das tradições em Anaheim. E, talvez, servir de casa para Jari Kurri por uma breve temporada.
Em 2003-04, a ficha caiu, e os Ducks voltaram para o buraco humilde de onde vieram, desta vez sem Paul Kariya, sem Teemu Selanne, sem Mike Babcock. Assim como os Panthers após a Copa Stanley de 1996, os Ducks pareciam estar novamente em rota decadente. Até que, com o locaute da NHL, as coisas pareciam tomar novos rumos. Primeiro, a venda do clube pela maldita Walt Disney Company. Com a aquisição do casal Samueli, os Ducks deixavam de ser o time infantil — embora o estigma seja, provavelmente, perpétuo. Com o sr. e a sra. Samueli, o primeiro fator para a mudança da equipe, veio o gerente geral Brian Burke. E vamos ao recrutamento. Pela primeira vez como torcedor dos Ducks, que sou desde 2002, quando comecei a saber de fato o que era hóquei, pude sentir calafrios e ficar nervoso a respeito do meu time. Mesmo não sendo em um jogo! Acompanhar a ordem do recrutamento ao vivo foi, sem dúvida, emocionante. Perdemos para o Pittsburgh por uma bolinha! Por pouco, não buscamos o tal Sidney Crosby. Mas o casal Samueli e Burke abriram mão do defensor Jack Johnson para escolher um promissor asa direito: Bobby Ryan.
A chegada de Burke trouxe de volta aos Ducks Teemu Selanne. E, para dar cobertura ao atacante Rob Niedermeyer, seu irmão Scott veio da Costa Leste. Junto com eles, o calouro Ryan Getzlaf foi destaque da temporada de 2005-06, de um começo bastante irregular para o time, que em momento algum demonstrou força o suficiente para chegar aos playoffs. No entanto, o "sprint" no final da temporada regular deu uma animada no time. A classificação à pós-temporada já me deixou mais que satisfeito e, mesmo com a vitória sobre o Calgary e a varrida sobre o Colorado, em momento algum acreditei na possibilidade de título. A derrota para o Edmonton apenas me deixou aliviado, pois a ilusão tinha acabado. Mas o caminho havia sido apontado, com os bons calouros Getzlaf e Joffrey Lupul.
Eu não contava era com a virada que a nova temporada traria. Primeiramente, a mudança daquele maldito nome, devido aos direitos autorais da Disney. Muitos dos torcedores brasileiros, que pouco acompanham o time, não queriam a mudança para Anaheim Ducks. Nem a troca do logotipo ou das cores. Até falaram em tradição. Que tradição?
Mudando de nome, o Anaheim não só deixava para trás uma alcunha infantil, mas também o espírito da Disney. O mesmo vale para as cores e o logo.
Para a abertura da temporada de 2006-07, surpreendi-me ao ver Scott Niedermeyer durante o hino dos Estados Unidos. Com o C na camisa, agora dourado, sobre o ombro vestido de preto. Diferente do rosto sereno da temporada passada, que passava até uma sensação de relaxamento e desamparo, Niedermeyer tinha uma expressão forte estampada. Parecia liderar um novo espírito. Uma nova franquia. Selanne não deveria ter voltado a usar a sua camisa 8. Deveria seguir com a 13, em nome dessa mudança. Mesmo assim, com os mil pontos ultrapassados, o finlandês é um dos pilares do time e, a cada jogo, parece indicar que é "um dos pioneiros dessa nova história". E a vibração de Andy McDonald e Getzlaf na pré-temporada e neste início de temporada regular não deixam dúvidas do que é um novo Anaheim. Não mais Mighty. Mas, com certeza, muito mais confiante.
Minha maior surpresa, no entanto, foi a contratação de Chris Pronger. Mal podia acreditar que agora meu time teria a primeira linha de defesa mais sólida da liga.
Agora, com um "novo" nome, com jogadores muito mais inspirados, o Ducks têm dedos-duros apontados sobre ele como os novos favoritos — bem como o Sabres no Leste. Mas, mais que a possível Copa Stanley, quero alguma tradição para esse time. Quero acreditar que Niedermeyer, Selanne e Pronger serão responsáveis por uma postura que será seqüenciada por Getzlaf, McDonald, Bobby Ryan e Stanislav Chistov [N. do E.: Chistov deixou os Ducks após o fechamento desta matéria]. Quero ver meu time nos playoffs desta temporada, nos da próxima, da seguinte... Não faço questão de vencer a Copa ainda. Posso esperar até 2010. Quero, pelo menos, que meu time tenha uma história para contar. Mais que varrer Red Wings ou Avalanche, mais que ser derrotado no Jogo 7 da Copa Stanley pelos Devils. Vencer o Troféu dos Presidentes? É um sonho. Mas está começando a ser construído. E quero ver esse sonho — de tradição — edificado.
Amigo, você não sabe o que é ser torcedor do Anaheim. Agüentar tanta gozação, piadinhas sobre a Disney, chacota após derrotas para Kings e Stars. E vocês não sabem o que é presenciar essa evolução. Agora, sonho, como vocês, em saber o que é ter tradição.