A
diferença entre ouro e prata estava estampada nos rostos de canadenses
e russos, minutos após o término de mais uma edição do campeonato
mundial junior. O abismo entre os metais é ainda maior no esporte.
Ele significou alegria e orgulho para os canadenses, tristeza
e frustração para os russos. O bicampeonato canadense também expôs
a dificuldade recente do hóquei russo em formar bons goleiros e bons
defensores, o que acaba refletindo também na seleção adulta.
Neste artigo você irá conferir o que aconteceu de mais relevante, os destaques individuais e se as expectativas sobre
grandes promessas se confirmaram. Além dos motivos de mais uma
vitória acachapante do Canadá na finalíssima e do fracasso ianque.
Começo pelo fim, relatando a merecida, mas de elasticidade injusta,
vitória dos canadenses.
A filosofia Sutter
A habitual firmeza defensiva propagada por Brent Sutter rendeu
frutos novamente. Suas estratégias iniciais constituíam em encurtar
os espaços, distanciar os sócios Evgeni Malkin e Nikolai Kulemin
e não deixar o defensor de características ofensivas Alexei Emelin
levar o disco ao ataque como havia feito em todos os jogos anteriores
dos russos. Como já era esperado, também abusar do jogo físico
e colocar a peste Steve Downie nas fuças do goleiro Anton Khudobin.
Ah, claro, tentar anular o craque Malkin.
A final
Essas artimanhas não funcionaram em apenas 10 dos 60 minutos de
jogo, mais precisamente nos primeiros dez minutos da partida,
quando a Rússia só não marcou devido às boas intervenções do goleiro
Justin Pogge, da trave — que foi o destino final de um disparo
de Alexander Radulov —, e da imprecisão de Ilia Zubov nas
finalizações. E foi justamente a estrela Malkin que vacilou na
marcação, deixando Steve Downie livre atrás da meta russa. O encardido
prospecto dos Flyers teve caminho fácil para encontrar um espaço
entre Khudobin e a trave. Canadá 1-0, num momento da partida em
que o número de disparos favorecia os russos em 15-4! Com a vantagem,
os canadenses vestiram o traje tático que mais gostam, saindo
no contra-ataque para dominar o restante do jogo. Foi assim que
o defensor Marc Staal encontrou Blake Comeau, que fez o sendo
gol canadense já no final do período.
Mas nada estava perdido para a Rússia. Logo no início do segundo
período chegou o gol que poderia mudar a história da final, só
que os gênios da IIHF escalaram um árbitro americano, Brian Thul,
para a final. Após o disparo, Pogge não conseguiu fazer a defesa
que desejava, o lance ficou confuso e o árbitro deveria ter pedido
a revisão do lance. Mediocremente, só o fez quando os russos começaram
a reclamar, mas já havia se passado muito tempo para pode validar
o gol. Bom para os anfitriões, péssimo para os comandados de Sergey
Mikhalev.
Apesar do frustrante erro do árbitro, os russos ainda demonstravam
ganas e intenções, mas careciam de idéias para chegar com claridade
ao gol de Pogge novamente. Quem deveria assumir a responsabilidade
— Evgeni Malkin — estava sendo castigado pelo jogo
físico, porém limpo, de Marc Staal e Ryan Parent. Com isso, os
canadenses marcaram mais três vezes, para um placar final de 5-0.
Destaque negativo para o goleiro Khudobin, que já havia sofrido
um caminhão de gols dos canadenses na final de 2005, e agora mais
cinco, um ano depois. Os destaques positivos dos canadenses estão
listados abaixo.
Velha receita, mesmo resultado
Em 2005, Shea Weber e Dion Phaneuf formaram uma barreira intransponível
que anulou Alexander Ovechkin — que havia bagunçado com
os canadenses em 2003 — na final. O treinador também era
Brent Sutter, que apostou na mesma receita vencedora. Dessa vez
a responsabilidade pela complicada missão, de parar o melhor jogador
do torneio, Evgeni Malkin, foi dividida entre os defensores Marc
Staal e Ryan Parent. O irmão mais novo do craque do Carolina Hurricanes,
Eric Staal, também foi eleito o melhor em sua posição no torneio,
mesmo terminando a competição com um ponto. Se ofensivamente não
foi um primor, Marc cumpriu com perfeição seu papel de eliminar
as principais armas dos adversários. Podemos afirmar que os Rangers
têm uma verdadeira jóia já lapidada para a NHL, ou seja, Marc
Staal e Fedor Tyutin têm tudo para ser a primeira dupla defensiva
dos camisas azuis para a próxima temporada. Além de Staal e Parent,
Luc Bourdon foi espetacular ao proteger a meta de Justin Pogge.
A peste Downie
Se você não é torcedor do Philadelphia Flyers, prepare-se para
odiar Steve Downie quando o prospecto chegar à NHL. As maiores
tretas da competição foram protagonizadas por esse rapaz. Ele
fez de Jack Johnson inimigo número um na Columbia Britânica. Provocou
tanto o defensor ianque que ganhou como troco uma cotovelada no
final do confronto que definiu a primeira colocação dos canadenses
na fase inicial do torneio. Na final, contra os russos, abriu
o caminho do título ao se desvencilhar de Malkin e marcar o primeiro
gol do jogo. Também induziu o defensor Alexei Emelin e o goleiro
Khudobin a cometerem penalidades desnecessárias ao revidarem as
traquinagens de Downie. Sem dúvida, um jogador que tem o perfil
para atuar no Flyers.
Malkin está pronto para a NHL?
Para os poucos abnegados que acompanham a liga russa e garimpam
os raros jogos do Metallurg Magnitogorsk na internet, a resposta
já era um rotundo sim. Para os que puderam observá-lo com mais
atenção a partir desse mundial júnior, a resposta também já é
a mesma. Os poucos detratores podem citar a final, onde o jogador
não atuou bem, para tentar desmerecer o fato dele ter sido eleito
o melhor atleta da competição, mas isso não foi devido a intimidações,
pancadas ou coisa parecida. Os fortes trancos que sofreu dos canadenses
não chegaram nem perto da batalha que foi a partida contra os
Estados Unidos, nas semifinais, onde o astro russo levou e também
distribuiu pancadas, além de ter decidido o jogo para sua equipe,
mostrando que está apto a enfrentar uma das maiores diferenças
entre o hóquei norte-americano e o europeu. Sorte dos Penguins,
que terá Crosby e Malkin, dois jogadores capazes de mudar a história
de uma partida.
Mundial Júnior ou mundial adulto?
O mundial adulto da IIHF reúne o que "sobra" da temporada regular
da NHL, pois é disputado quando os playoffs da NHL estão a pleno
vapor. Além de ter sempre jogadores preferindo jogar golfe ou
pescar a representar seus países. Já o mundial júnior é o ponto
máximo para qualquer atleta sub-20 que jogue hóquei no planeta.
Há muito deixou a Memorial Cup para trás. Ir bem nessa competição
é encurtar o complicado caminho rumo à NHL, é provar que o jovem
está apto a provar seu talento na mais competitiva das ligas.
Aconteceu assim recentemente com Alexander Ovechkin, Dion Phaneuf,
Sidney Crosby, Fedor Tyutin, Ryan Suter, Andrej Meszaros e muitos
outros, que hoje são peças importantes para suas equipes na NHL.
Duvido que alguma partida do último mundial adulto tenha sido
tão disputada como os jogos decisivos que vimos na Columbia Britânica
nesse começo de ano.
A queda dos favoritos ianques e o tão comentado Phil Kessel Muitos apontavam a seleção dos Estados Unidos como a maior
favorita ao ouro. Apesar de sequer conquistar a medalha de bronze
ao final da competição, achei positiva a campanha ianque. O time
tem atletas com idade para mais um ou até dois mundiais de juniores,
por isso acho que a previsão de favoritismo é mais realista para
a próxima edição da competição. O atleta mais observado foi, claro,
Phil Kessel, mas ele foi ofuscado pela dupla de defensores Johnson
& Johnson. Jack Johnson, prospecto do Carolina Hurricanes, está
pronto para a NHL, só falta colocar a camisa do time de Raleigh.
Possui um físico muito parecido com o do ex-defensor Ulf Samuelsson,
só que muito mais hábil, ágil e veloz. Foi o mais vaiado atleta
da competição, isso devido a um lance onde deu uma cotovelada
na peste canadense Steve Downie, ainda na fase classificatória.
Já Erik Johnson será um dos mais disputados do próximo recrutamento
da NHL, onde provavelmente será selecionado entre os dez primeiros.
Destaque também para a energética linha composta por Chris Bourque,
TJ Oshie e Phil Kessel. Bourque, filho do integrante do Hall da
Fama Ray Bourque, é outro que deverá esta na NHL na próxima temporada,
ainda mais porque é prospecto de um time com pouco talento, os
Capitals. Logo na estréia marcou cinco gols contra a Noruega.
Já Kessel deu mostras que é um grande jogador, mas não tanto quanto
se fala. Particularmente esperava por um atleta fominha, mas vi
um jogador que em muitas vezes passava o disco, mesmo tendo boas
possibilidades de marcar. Ele também irá sofrer com comparações
com Crosby ou Ovechkin, assim que colocar os patins na NHL. Uma
comparação mais justa seria com Marek Svatos.
Tuuka Rask e o bronze agradaram aos finlandeses
A torcida do Toronto Maple Leafs deve ter ficado bem contente
ao assistir os jogos da Finlândia no torneio. Tuuka Rask, goleiro
que tem seus direitos vinculados ao time da província de Ontário,
foi eleito o melhor em sua posição no mundial, recuperando-se
da pobre atuação no torneio de 2005. O ponto alto foi no clássico
contra a Suécia, quando fez 53 defesas — algumas com alto
grau de dificuldade — que garantiram sua seleção nas semifinais.
Outra equipe da NHL com motivos para comemorar é o Nashville Predators,
que em alguns anos terá uma das melhores defesas da NHL. Já possuem
o jovem americano Ryan Suter, o ótimo prospecto canadense Ryan
Parent e viu, nesse torneio, a evolução de Teemu Laakso. O defensor
marcou o gol mais dramático da competição, na prorrogação contra
os rivais suecos. Ofensivamente os destaques foram o atacante
Lauri Tukonen, eleito para a seleção ideal do torneio, e o asa
esquerdo Lauri Korpikoski (escolhido na primeira rodada do recrutamento
de 2004 pelo New York Rangers). Tukonen, do Los Angeles Kings,
contabilizou três gols e sete assistências na competição.
As irmãs eslavas naufragaram juntas
Eslováquia e República Tcheca decepcionaram. Os eslovacos tinham
a vantagem de contar com muitos atletas que disputam as ligas
juniores canadenses, estando acostumados ao espaço mais reduzido
dos rinques norte-americanos. Mas foram humilhados por suecos
e surpreendidos pelos suíços. A estrela da equipe, Marek Zagrapan,
decepcionou os torcedores dos Sabres, que esperavam mais de seu
prospecto de ouro. Seu companheiro de linha, Stanislav Lascek
(do Tampa Bay Lightning), também era um dos motivos do porque
a Eslováquia era considerada como a quarta força, na opinião dos
analistas, antes do torneio começar. Os dois brilharam apenas
contra as nações mais fracas, como quando somaram dez pontos na
goleada de 7-4 sobre a Letônia.
Já os tchecos tinham muitas esperanças no central Martin Hanzal
(prospecto dos Coyotes) e no asa direito Michael Frolik. Esse
último, cotado para ser selecionado nas primeiras escolhas do
próximo recrutamento, produziu apenas um ponto — uma assistência
— em cinco jogos. O ponto alto dos tchecos foi a vitória
sobre a Eslováquia na fase inicial, por 5-3, onde o prospecto
do Boston Bruins, David Krejci, marcou um hat trick.
O país do hóquei
O final desta coluna exalta a paixão do canadense pelo hóquei.
Até mesmo nos jogos da Noruega, Suíça ou Letônia as arenas estavam
cheias. No total, 402.480 torcedores pagaram para assistir aos
jogos do torneio, 150 mil a mais que o público do mundial disputado
na também canadense Halifax, em 2003. E eles não apenas compareceram,
mas também interagiram. Apoiaram os russos de forma fanática na
fantástica semifinal contra os Estados Unidos — para mim
o 3º período desse jogo foi o melhor do ano, com ambos os times
tentando aniquilar o adversário, não apenas do jogo, mas da face
da Terra —, depois deram um espetáculo na final. Sem dúvida,
o melhor dessa versão do mundial júnior foi a torcida
canadense.
Eduardo Costa é fã incondicional de Alexander Ovechkin e sonha em um dia vê-lo vestindo a camisa do Detroit Red Wings, ao lado de Pavel Datsyuk e Igor Grigorenko.
OH, CANADÁ!
Michael Blunden marca seu primeiro gol na partida e comemora
com Benoit Pouliot (ao centro), enquanto o goleiro russo Anton
Khudobin vê o mundo de um ângulo diferente. A alegria
foi só canadense (Arquivo TheSlot.com.br)
PRATA NÃO
É OURO Craque da competição,
Malkin (17) sabe que o segundo é o primeiro dos últimos
(Arquivo TheSlot.com.br)