Se
há um time nesta temporada que calou minha boca, ou seja, que
jogou por terra minhas previsões charlatanescas de antes da temporada,
esse é o Carolina Hurricanes. Aliás, calaram não apenas a minha
boca, mas a de uns tantos outros dos que fizeram aquelas famosas
previsões de antes da temporada.
Os Hurricanes estão muito longe de disputar uma vaga nos playoffs
atualmente. Na verdade eles estão muito além disso. Líderes absolutos
da Divisão Sudeste — antiga pior divisão da liga, hoje razoavelmente
equilibrada —, a briga deles atualmente é para chegar à
liderança da Conferência Leste.
Parece sonhar alto demais, não? Afinal, é lá que está o Ottawa
Senators, time que transborda talento e excelência nesta temporada,
tido por dez entre dez analistas como o favorito absoluto para
a Copa Stanley. É lá também que está o Philadelphia Flyers, outro
grande favorito à Copa que prossegue entre os líderes a despeito
de uma série de contusões de jogadores importantes no time.
Mas é lá também que está o Carolina Hurricanes, time azarão mais
surpreendente da temporada até aqui, distante apenas um ou dois
pontos do líder da conferência.
Boa parte do sucesso do time se deve ao técnico Peter Laviolette,
que conseguiu dar ao time um espírito de equipe. Depois
de duas temporadas seguidas em que carregou aquele complicado
time do New York Islanders aos playoffs, foi demitido. Logo depois
foi contratado pelos Hurricanes, e o resultado está aí.
No último fim de semana os 'Canes jogaram duas vezes seguidas
contra os Isles. Havia uma certa expectativa por conta de Laviolette,
em jogar contra o antigo time, ainda mais duas vezes seguidas,
uma na casa de cada um. Os famosos jogos consecutivos de ida e
volta que a NHL promove. Foram duas fáceis e irrepreensíveis vitórias
dos 'Canes, 4-1 e 3-0.
Claro que as vitórias seguidas sobre o antigo time tiveram um
sabor especial para Laviolette, mas o resultado principal foi
a aproximação do time em relação aos líderes da conferência. Aliás,
não apenas da conferência, mas da liga.
O sucesso do Carolina na temporada se deve em grande parte ao
trabalho de Laviolette, mas, sem um bom material nas mãos, nada
anda. E o material do Carolina é bom.
Começa pelo bom goleiro Martin Gerber, trazido do Anaheim para
ser o número 1, papel que vem desempenhando muito bem. Saudades
zero de Arthurs Irbe e Kevin Weeks. A defesa não conta com grandes
nomes, mas tem sido eficaz. E o ataque conta com jovens batalhadores
que fazem a coisa andar.
Esta é a temporada da Eric Staal. Jovem de apenas 21 anos em seu
segundo ano de NHL, lidera a equipe na artilharia. Se tudo seguir
como está, ele deve ultrapassar a marca dos 100 pontos e despontar
efetivamente como um dos grandes da liga.
Outro jovem talento da equipe é Erik Cole, em ótima temporada,
a melhor de sua carreira até aqui. Do lado direito, Justin Williams
reina absoluto, realizando também a melhor temporada de sua carreira.
Na primeira partida contra os Isles, ele levou uma cotovelada
na cara. Respondeu com um gol e uma assistência, e com a vitória.
Do lado experiente do time, uma peça chave que veio para o Carolina
nesta temporada é Cory Stillman, o novo assistente de capitão
da equipe. Ele parece ter acertado em sair do time campeão para
juntar-se aos 'Canes. Jogadores que fazem esse tipo de mudança
geralmente quebram a cara, mas no caso de Stillman o tiro foi
certeiro: ele é hoje um dos principais jogadores da equipe.
E, se o time de vantagem numérica tem sido uma das principais
armas da equipe, lembre-se dele, Rod Brind'Amour, que marcou 13
dos seus 18 gols até aqui nesta situação. Eu tenho apreço especial
por Brind'Amour, desde os tempos de Flyers. Jogador raçudo, é
o tipo do cara que você quer no seu time, para liderar e empolgar
o grupo. Sua carreira estava em declínio e eu mesmo não imaginava
uma virada sensacional como a deste ano, aos 35 anos de idade.
Do meu ponto de vista ele encarna o espírito renovador do time.
Há ainda os renegados. Por exemplo, Ray Whitney, que saiu
de Detroit sob críticas, apesar de uma razoável temporada, para
jogar no Carolina, onde a cobrança é bem menor e onde uma nova
temporada razoável tem sido bem vista.
Outro exemplo é Matt Cullen. O mesmo Cullen que parte da mídia
um dia acreditou que poderia ser o central da dupla Selanne-Kariya
nos Mighty Ducks. Depois de duas temporadas sofríveis nos Panthers,
eis que ele reaparece em grande estilo, no mesmo patamar de seus
bons dias de Anaheim.
Pena mesmo que a boa temporada — a melhor da história da
franquia — mais uma vez não esteja sendo acompanhada como
deveria pela própria torcida local. Com uma ótima campanha em
casa (17-4-1), o Carolina ainda amarga uma média de público baixa:
14,500. Falta de tradição não se resolve com um bom time, nem
da noite para o dia.
PS.: É risível reler o que alguém escreveu sobre o Carolina no
Guia desta temporada.
Vejam só:
...o Carolina deve apenas figurar nesta temporada(...), time de
baixo orçamento (...) ainda muito longe de representar qualquer
ameaça aos demais times da conferência (...), muito aquém do que
se espera para chegar aos playoffs. (...) Tem tudo para disputar
a lanterna."
VENCENDO E
COMEMORANDO O time do Carolina Hurricanes comemora
mais um gol em mais uma vitória sobre os Isles no último
fim de semana (Gerry Broome/AP - 06/01/2006)
ROD BRIND'AMOUR
Depois de marcar o gol da vitória de 5-3 sobre
os combalidos Canadiens no último dia do ano, o deus
da raça Brind'Amour saúda a torcida (Karl DeBlaker/AP
- 31/12/2005)