Por
Marcelo Constantino
O problema central da guerra entre a NHL e a NHLPA (NHL Players Association,
o sindicato dos jogadores da NHL) é simples. A sua solução é que é complicadíssima,
porque demanda concessões de parte a parte. E, naturalmente, uma parte
acha que a outra é que deve ceder mais.
O último acordo entre as partes, o CBA ("Collective Bargaining Agreement",
ou Acordo Coletivo de Trabalho) foi assinado em 1994, depois de alguns
meses de locaute, que encurtou a temporada de 1994-1995 em 36 jogos
por equipe, a ponto dos times de uma conferência jogarem contra times
da outra em apenas uma exclusiva ocasião: na final, entre Detroit Red
Wings e New Jersey Devils.
O acordo assinado tem teto salarial para novatos, mas não para veteranos,
e dá passe livre aos jogadores com mais de 31 anos de idade. Foi estendido
por duas vezes, a pedido da NHL, para que, segundo a própria, houvesse
paz durante as Olimpíadas e a expansão. Expira agora ao fim desta temporada
de 2003-2004 e a NHL já avisou que não irá estendê-lo novamente.
O fim da vigência do acordo chega em péssimo momento: também está no
final a vigência do milionário contrato da NHL com a ESPN e ABC. Com
a audiência do esporte sem registrar qualquer crescimento considerável,
dificilmente a liga conseguirá um novo contrato com as redes de TV em
bases semelhantes. Ainda mais agora que a ESPN tem contrato com a NBA
por mais uma penca de anos. Cada vez mais é nítido que o hóquei não
é um esporte nacional nos Estados Unidos e que está a léguas de distância
da popularidade e rentabilidade dos outros esportes: futebol americano,
basquete, beisebol NASCAR e, misericórdia!, golfe.
Ainda assim, pasmem, os salários da NHL estão entre os maiores dentre
esses esportes. A média salarial da liga disparou de US$ 231 mil em
1990-91 para mais de US$ 1,8 milhão em 2002-03. Na NFL a média
é de US$ 1,1 milhão.
O que explica isso? Uma concorrência irracional entre franquias, oferecendo
cada vez mais altos salários aos jogadores. Com o acordo de 1994 e as
regras estabelecidas para os jogadores com passe livre, os times passaram
a ter a opção de se recarregar ao invés de renovar e reconstruir o elenco.
Em outras palavras, se a franquia tem dinheiro, ela pode optar por contratar
novos jogadores de peso com passe livre em vez de investir em jovens
prospectos para o futuro. Assim o fazem os Rangers (sem qualquer sucesso),
Maple Leafs, Red Wings e Avalanche (os dois últimos com grande sucesso
e sem descuidar do investimento em jovens valores).
Como o mercado de jogadores com passe livre tornou-se um dos grandes
pilares no acordo atual, há uma considerável concorrência entre os times
pelos jogadores, o que só faz aumentar os salários. Irracionalmente,
várias franquias ofereceram salários irreais a jogadores, promovendo
uma verdadeira escalada inflacionária na liga.
Para conseguir cobrir os custos, já que não houve considerável aumento
de público e nem mesmo de receita, os times também promoveram uma escalada
inflacionária nos preços dos ingressos nos estádios. Ainda que se argumente
que Wings, Avs e Leafs mantêm suas arenas lotadas toda noite (ou que
para ver as estrelas do time é necessário pagar caro mesmo), temos de
reconhecer que são exceções no mercado. No caso desses times o preço
do ingresso está realmente compatível com a demanda. Mas há mercados
que claramente não comportam o alto preço, como Ottawa. Além
de estar seguidamente entre os melhores da liga nos últimos anos,
Ottawa não é como New Jersey ou Carolina, locais onde o hóquei não é
lá muito popular e onde as médias de público são baixas, independentemente
da situação do time (os Devils são os atuais campeões
e amargavam uma lamentável
23ª colocação no ranking das médias de público
nesta temporada, até sexta-feira passada).
Junte tudo isso, escalada inflacionária de salários e ingressos sem
aumento de público e receita e você tem a crise financeira na liga,
com sua faceta mais visível sendo a concentração do mercado. Ainda assim,
a despeito do que se imagina, a concentração não é tão pesada. Por exemplo,
os dez times que mais gastam concentram pouco menos que 50% do total
das despesas com folhas de pagamento na NHL.
Há uma hegemonia, sim, dentro do gelo, mas que não está diretamente
ligada à concentração de recursos na liga. De 1995 para cá, em TODAS
as finais de Copa Stanley ao menos um desses times estava presente:
Detroit, Colorado, Dallas ou New Jersey. São também os únicos que venceram
a Copa nesse período. Destes, apenas Detroit e Colorado se mantiveram
sempre como um dos favoritos ao título durante todas as temporadas;
Dallas e Devils já chegaram a ficar fora dos playoffs. São nove finais,
com 18 possíveis times. O time que mais gastou no período, o New York
Rangers, sequer se classifica para os playoffs há seis anos.
Os dois atores principais -- O Comissário da NHL, Gary Bettman,
e o Diretor Executivo da NHLPA, Bob Goodenow, são as figuras que mais
aparecem nesse cenário extra-gelo. Bettman já sinalizou: é necessário
reverter a escalada inflacionária de salários e ingressos. Isso parece
ser consenso. Os jogadores reconhecem que estão ganhando dinheiro demais,
o que já é um avanço. A discórdia é quanto ao que fazer para chegar
ao equilíbrio.
Afirmando que o atual modelo de acordo não funciona, Bettman diz querer
"alguma forma de relação entre receita e despesa", o que, embora vago,
deve significar um teto salarial. Teto salarial a NHLPA não quer nem
ouvir.
"Gary diz que gosta do sistema do futebol [americano, a NFL].", diz
Goodenow. "Então, se isso quer dizer teto salarial, ele sabe que os
jogadores acreditam fortemente no princípio de mercado, não acreditamos
em tetos. Se os times decidirem que estão pagando demais aos jogadores,
o mercado deverá refletir isso e eles irão pagar menos. E eles podem
fazer isso dentro do sistema atual". Ele tem certa razão nesse liberalismo
radical de mercado, apenas desconsidera o fator concentração de mercado
e finge acreditar que o mercado é um bom regulador.
No Canadá, berço do hóquei da NHL, o problema é mais grave ainda, em
boa parte devido à paridade entre os dólares canadense e norte-americano.
Com exceção do Toronto Maple Leafs, todas as demais franquias têm problemas
financeiros. O Ottawa quebrou em plena temporada passada, quando chegou
às finais de conferência. As receitas desses times são em grande parte
em dólar canadense, mas a maior parte das despesas é em (ou indexada
ao) dólar norte-americano, moeda mais forte.
O que deverá ocorrer? -- Ninguém quer perder e a maior perda para
ambos os lados é não haver hóquei. Eu acredito que a NHLPA cederá na
questão do teto, mas impondo outros pontos à NHL para compensar. Possivelmente
teremos um teto orçamentário para as folhas salariais, mas com uma multa
que permita um time ultrapassá-la. Por exemplo: se o teto é de US$ 50
milhões (e fala-se em US$ 30 milhões como teto) e um time tem uma folha
de US$ 60 milhões, ele paga uma multa proporcional ao valor que está
ultrapassando o teto, isto é, US$ 10 milhões. Em princípio essa multa
será de 100%, o que quer dizer que o time pagaria ainda mais US$ 10
milhões para a liga como multa.
Mas é apenas uma aposta. O cenário de meio de ano, ainda que vários
desfilem certezas disso e daquilo, é uma incógnita sombria.
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Marcelo
Constantino espera que esta seja a única vez que tenha
de escrever sobre o imbróglio entre NHL e NHLPA; a Internet
está recheada deste assunto não muito atraente para
o torcedor. Um agradecimento especial aos leitores que acompanharam
este especial. |
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O FUTURO EM SUAS MÃOS A
temporada de 2004-2005 está nas mãos de Gary Bettman
(foto), Comissário da NHL, e Bob Goodenow, Diretor-Executivo
da NHLPA (Arquivo The Slot BR) |
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ADEUS, MILHÕES Jaromir
Jagr diz que vai jogar na liga russa caso haja locaute. Certamente
irá receber bem menos que os US$ 11 milhões que os
Capitals lhe pagam hoje. Aliás, em qualquer outro lugar,
em qualquer outro time, Jagr irá receber bem menos do que
isso (Kenneth Lambert/AP - 17/07/2001) |
CONCENTRAÇÃO |
Sem desmerecer os três títulos do New Jersey Devils, Detroit Red
Wings e Colorado Avalanche dominam o cenário o cenário da NHL há
anos.
Numa das maiores movimentações já vistas no dia limite de trocas,
em 1999 o Detroit Red Wings realmente puxou o gatilho, quando trouxe
de uma só vez Chris Chelios, Ulf Samuelsson, Wendell Clark e Bill
Ranford. Todos na liga diziam que os Wings haviam comprado o título.
Foram eliminados pelos Avs na segunda-fase.
Para esta temporada o Colorado Avalanche trouxe a valorizada dupla
Teemu Selanne e Paul Kariya por preços bem abaixo do mercado. Eles
juntam-se a estrelas de primeira grandeza, como Peter Forsberg,
Joe Sakic e Rob Blake e ainda os ótimos Mark Hejduk e Adam Foote.
Os Wings não ficaram atrás e contrataram o defensor Derian Hatcher
e o ex-aposentado goleiro Dominik Hasek. Atualmente pagam salários
pesados a dois goleiros de ponta e gastam com ambos mais da metade
do que o Atlanta Thrashers gasta com sua folha inteira. |
LIVRE MERCADO? PARA OS OUTROS! |
A NHLPA argumenta que não aceita teto salarial e
que acredita no livre mercado como melhor regulador de salários.
Parece até discurso de FMI. A NHL responde dizendo que o livre mercado
não funciona para os esportes. Livre mercado é historicamente algo
bom de se recomendar. Aos outros, claro.
Quem poderia imaginar o capital (no caso, a NHL) dizendo, dentro
dos EUA, que o liberalismo não funciona? |
NHL x OUTRAS GRANDES LIGAS NO EUA |
Segundo a NHL, os times gastam em média 76%
de suas receitas com salários. Bem mais que na NFL (64%),
MLB (63%) e NBA (58%).
Cada time na NHL ganha menos de US$ 6 milhões por ano da
TV, enquanto na NFL cada time leva US$ 77 milhões (isso mesmo,
você leu corretamente). |
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