Por
Marcelo Constantino
Antes de toda temporada a NHL promete que vai combater a obstrução no
jogo. O resultado geralmente é o mesmo: balela. Na temporada passada
a liga foi um pouco mais incisiva e anunciou que aquele seria um ano
realmente de guerra total contra a obstrução. Fosse a obstrução simples,
fosse puxar ou enganchar o adversário ou segurar seu taco, a NHL iria
coibir sem fazer vista grossa. Essa era a promessa. "Obstruction crackdown"
era o nome da campanha dessa guerra contra o que eu costumo chamar de
agarra-agarra. E começou realmente bem, para espanto geral. Lembro que
escrevi um ano atrás uma
matéria em defesa da ação da liga, que ainda hoje parece atual.
O número de penalidades marcadas naturalmente aumentou, o fluxo do jogo
melhorou e, ainda assim, o banco de penalidades não ficou abarrotado.
Esperava-se que, com o andar da temporada, a quantidade de penalidades
marcadas fosse cair, com os jogadores se ajustando ao "novo sistema".
Por outro lado, aguerra contra a obstrução fez crescer também o número
de cavadores de faltas, os "mergulhadores". Efeito nocivo
de uma boa ação, os cavadores foram muito bem usados pelos que queriam
ver o fim da guerra contra o agarra-agarra: de efeito colateral, eles
passaram a ser apontados como principal resultado da ação da liga. E
ainda havia outra forma de ataque por parte dos abutres: a falta de
critério das marcações.
É evidente que a questão da rigidez da regra contra a obstrução divide
jogadores, dirigentes e donos de time. Deixar rolar o agarra-agarra
é extremamente benéfico para os times mais fracos e para os jogadores
menos habilidosos.
A reação dessa turma foi grande: "Há um excesso de penalidades marcadas",
"está diminuindo o fluxo do jogo", "não se joga mais no 5-contra-5",
"faltam critérios", "não marcam penalidades para os cavadores", e por
aí vai. Partiu de jogadores, técnicos, gerentes, gente de todas posições.
Muitos dos bem intencionados que teceram algumas dessas críticas pontuais
acabaram sendo usados pelos abutres, e, no fim das contas, tudo parecia
uma grande reação à empreitada da NHL pela dinamização do jogo.
Os dois problemas -- o recrudescimento do cavadores e a falta de padronização
dos critérios de marcação das penalidades -- de fato ocorreram, mas
era algo simples de se resolver: bastaria aplicar as regras. Da mesma
forma que a obstrução deve ser penalizada, os cavadores também devem
receber seus dois minutos de banquinho por conduta anti-desportiva.
Padronizar as marcações de penalidades? Está no livro das regras, é
simples.
Só que os árbitros já deviam estar tão acostumados com o agarra-agarra
que mal se lembravam do que realmente é ou não permitido fazer. Ganchos,
puxões, empurrões, seguradas de taco, tudo isso cresceu intensamente
nos últimos anos na liga diante da vista grossa dos árbitros. Quando
foram chamados no melhor estilo "agora chega de tolerância", eles se
atrapalharam.
A liga ainda tentou uma pequena cartada, divulgando semanalmente uma
lista com os maiores de cavadores de penalidades, mas não perece ter
produzido os resultados esperados.
No fim das contas os abutres venceram. Depois do Jogo das Estrelas a
guerra contra a obstrução foi perdendo cada vez mais terreno. Durou
mais do que se imaginava, mas já na reta final rumo aos playoffs já
havia morrido qualquer ação concreta contra o agarra-agarra. Sistemas
defensivos grudentos voltaram a prevalecer absolutamente sobre qualquer
tentativa de se jogar um hóquei mais aberto e ofensivo (e os Devils
foram campeões!).
Mike Modano acha que alguns times acreditaram na NHL quando ela disse
que agiria fortemente contra a obstrução e montaram equipes mais velozes
e ágeis, sem grande preocupação com tamanho e força física: "Eu acho
que vários times fizeram isso. Construíram um time com jogadores rápidos
e ágeis e não tão grandes assim. Mas veio o efeito reverso, a obstrução
voltou e esses jogadores não são mais um grande fator de diferença".
Difícil crer que alguém tivesse acreditado na ducentésima promessa da
NHL em combater o agarra-agarra, mas é significativo como uma palavra
não cumprida pode arrasar uma estratégia gerencial.
Evolução -- Sabe aquelas máquinas de pinball, em que
você pode bater e balançar um pouco para que a bolinha vá para onde
você quer, mas desde que seja de leve, porque se exagerar dá tilt? Então,
é a mesma coisa com o agarra-agarra na NHL. Você pode puxar o adversário,
segurar o taco dele, enganchar e até dar umas porradinhas, enfim, pode
fazer o escarcéu, mas desde que seja apenas por um tempinho, sem dar
muito na pinta. Se exagerar, aí sim corre o risco do árbitro marcar
alguma penalidade. Só assim.
Eu confesso não ser conhecedor dos árbitros na liga, exceto por Kerry
Fraser, mas, até onde eu vejo, todos os árbitros são assim. Da mesma
forma que a obstrução é praticada por TODOS os jogadores, de TODOS os
times. Pudera, se é algo que facilita a ação defensiva e que não está
sendo punido como deveria, porque não?
Qualquer técnico que ousa abrir seu time para focar as ações essencialmente
no ataque volta atrás logo que vê seus atacantes sendo seguidamente
agarrados por defensores (e tacos) adversários sem que qualquer penalidade
seja marcada. Exemplo disso é Tony Granato, do Colorado Avalanche, que
começou a temporada colocando seu time para jogar aberto e para frente
e decidiu reverter depois de perceber que não pode mais jogar dessa
forma hoje em dia. Resultado da nova estratégia de pensar primeiro na
defesa e depois no ataque: os Avs melhoraram (mesmo sem Peter Forsberg
e Paul Kariya).
Chega de meter o taco no corpo do adversário para segurá-lo ou para
pegar carona na corrida dele, chega de puxar camisa ou literalmente
agarrar alguém para impedir seu avanço. Jogar bem defensivamente e obstruir
o adversário não são necessariamente sinônimos, apenas é muito mais
fácil defender utilizando-se desses expedientes irritantes e ilegais.
De nada adianta fazer qualquer campanha contra o agarra-agarra se não
houver punição. A melhor de todas as medidas para trazer de volta a
dinâmica do jogo e abrir a zona neutra é simplesmente aplicar as regras.
A solução é simples assim: apliquem as regras conforme elas estão descritas
no livro de regras da NHL.
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Marcelo
Constantino não acredita, infelizmente, numa real ação
da NHL contra o agarra-agarra: há mais times beneficiados
do que prejudicados pela obstrução no hóquei. |
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O USO DO TACO Um claro exemplo
de infração considerada normal hoje em dia: o uso
do taco para impedir a ação do adversário (Eric
Miller/Reuters - 11/12/2003) |
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VISTA GROSSA De tão
acostumados a deixar rolar, os árbitros deixam de marcar
até mesmo penalidades escandalosas como este tripping
de Chris Phillips sobre Alexei Kovalev (Jim Young/Reuters - 20/12/2003) |
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