Por
Marcelo Constantino
Eu sempre fui um descrente em relação às notícias
de que a NHL enrijeceria as regras contra a obstrução
e o agarra-agarra. Não é de hoje que a liga promete isso,
mas somente nesta temporada de fato uma atitude foi tomada. Passado
algum tempo, agora começo a ter esperança de que a decisão
seja realmente para valer.
O hóquei norte-americano sempre foi caracterizado pela maior
necessidade de jogo duro da violência física mesmo,
por que não dizer? , em contraponto ao hóquei europeu,
tido como mais técnico. Até o início dos anos 90,
os times da NHL geralmente possuíam jogadores apenas para intimidar
os adversários. Tal qual Wayne Gretzky tinha o seu Semenko na
retaguarda, para dar o aviso implícito "se você chegar
perto do Wayne, eu te quebro a cara", a maior parte da liga seguia
o mesmo caminho.
Claro, Gordie Howe talvez seja o maior exemplo de jogador que fazia
gols e brigava no gelo. Com a evolução do esporte e a
chegada de cada vez mais de europeus na NHL, jogadores passaram a ter
de desempenhar os dois papéis e o espaço para o intimidador
típico é cada vez menor hoje em dia. Permanece aberto,
entretanto, o espaço para o jogador puramente técnico,
que não está no gelo para brigar.
Ainda hoje há times que não dispensam um jogador tipicamente
briguento, mas isso é algo em extinção. Basta ver
o papel reservado a Scott Parker, uma incrível escolha de primeira
rodada, no Colorado Avalanche. Parece que apenas a gerência do
Chicago Blackhawks ainda está com a cabeça na NHL dos
anos 80, já que contratam verdadeiros bondes, como Ryan VandenBussche
e Louis DeBrusk. Ao menos agora trouxeram Chris Simon, que sabe jogar
hóquei além de brigar.
Com o tempo, também foram crescendo as técnicas de parar
as jogadas. Tal qual no futebol, onde vários times adotam a tática
de fazer faltas a todo instante, boa parte das vezes de forma impune,
no hóquei os menos habilidosos passaram a usar o "grude"
para segurar o adversário. Quem nunca viu uma partida de hóquei
onde os atacantes são claramente agarrados, seguros, enganchados
e tudo o mais, sem que haja qualquer tipo de marcação
de penalidade? Sim, chegamos a um tempo em que isso passou a ser considerado
normal. Além da habilidade para o jogo, o atleta precisaria de
uma técnica para se livrar dos grudentos defensores adversários.
Os amantes desse estilo, que chamo de agarra-agarra, não podem
se esquecer de agradecer ao New Jersey Devils, que lançou esta
"forma" de jogo entre 1994 e 1995, infelizmente obtendo grande
sucesso.
Tradicionalmente, os juízes são mais complacentes nos
playoffs da NHL. Não é à toa que a Stanley Cup
é propagandeada como o troféu mais difícil de ser
conquistado e que os playoffs são uma nova temporada, diversa
da regular mais que em qualquer outro esporte norte-americano.
Isso não irá mudar nesta temporada, não há
com o que se preocupar. Agora, os juizes podem seguir a vista grossa
para jogadas mais ríspidas, tudo bem. Mas não para o "grude".
Há uma onda crescente de reclamações contra os
juizes em relação à nova filosofia da liga, e apenas
duas delas têm razão de ser: quando questionam a falta
de critério para as marcações (e nisso está
incluso o aumento do número de jogadores se atirando no gelo
para cavar faltas) e quando afirmam que alguns juizes estão marcando
penalidades em simples trancos. Embora residuais, são os dois
pontos fracos da aplicação desta nova filosofia, que deverão
ser ajustados com o tempo. Caso contrário, os abutres aproveitar-se-ão
das falhas e dá má aplicação de uma boa
idéia para exterminá-la. Dito isso, vamos ao ataque aos
que reclamam porque são incompetentes mesmo.
O ponto em que quero tocar é a reclamação barata.
São aqueles que, no fundo, se sentem frustrados por não
poder mais obstruir o adversário impunemente.
Os jogadores reclamam hoje do "excesso de rigidez" contra
o agarra-agarra da mesma forma com que os motoristas brasileiros reclamam
do "excesso de rigidez" do Código Nacional de Trânsito.
Da mesma forma que lemos e ouvimos absurdos de motoristas "denunciando"
supostas "indústrias das multas" porque "só
colocam pardais (em São Paulo, caetanos) ou radares onde é
sabido que os carros andam em alta velocidade", lemos e ouvimos
jogadores reclamando que os jogos de agora são decididos pelos
times de vantagem numérica, tamanha é a quantidade de
penalidades marcadas pelos juízes. É infrator reclamando
por ter sido pego infringindo. Se não há infração,
não há multa, não há penalidade!
Vamos ao básico: as penalidades ocorrem para acabar com o agarra-agarra
e as obstruções. Como as infrações não
deixam de ser cometidas, dá-lhe mais penalidades. É simples
assim.
De certa forma, isso me causa estranheza, porque enxergo nisso tudo
uma nova filosofia, uma simples aplicação da regra que
não era aplicada. Sim, os juizes provavelmente estão pecando
pelo excesso. Antes pecavam pela omissão. Não pensem que
a temporada espetacular de Mario Lemieux nada tem a ver com a mudança
das regras. O time de vantagem numérica dos Penguins que o diga.
Em hipótese alguma meus leitores devem interpretar ou concluir
que sou um entusiasta da diminuição do número de
trancos e das brigas na NHL. Muito pelo contrário, adoraria principalmente
que houvesse mais daqueles trancos voadores e certeiros. Essa é
uma das principais características do hóquei, que leva
tanta gente a acompanhar o esporte e não deve ser penalizada.
Não é ficar puxando, agarrando, enganchando o adversário.
Essa tática de agarrar o adversário vem dando certo até
no boxe, e, por isso, chegamos a ter um picareta como Evander Holyfield
campeão dos pesos-pesados.
Ainda que faça parte da tradição da NHL fatos como
"Ulf Samuelsson encerrou a carreira de Cam Neely", precisamos
esclarecer que a estrela do jogo é Neely. Por isso, é
necessário (re)abrir espaços para que brilhem novos Gretzkys
e Larionovs, apenas para citar dois exímios jogadores avessos
ao estilo mais duro do jogo.
Se o objetivo é parar o atacante adversário sem cometer
penalidade, que pare no disco. Ou com um tranco voador.
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Marcelo Constantino é gerente do Asas Cariocas, time campeão
da Copa LBH 2002. |
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ISTO É INFRAÇÃO
Todd Bertuzzi (44), do Vancouver, tenta se livrar do
defensor Willie Mitchell, do Minnesota, que parte para agarrá-lo.
O juiz marcou corretamente a penalidade (Richard Lam/CP - 07/12/2002) |
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ISTO É UM TRANCO LEGAL Georges
Laraque, do Edmonton, mandando Matt Cullen, do Anaheim, voar contra
as bordas. Muito embora casos mais perigosos deste tipo sejam penalizados
como boarding, este é um tranco clássico, que deve ser preservado
(Chris Urso/AP - 05/04/2002) |
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BRIGAR É ATRAÇÃO
DO JOGO Dave Scatchard, dos Islanders, derruba Shayne
Corson, dos Leafs, durante uma boa briga em um clássico feroz
(Ed Betz/AP - 06/12/2002) |
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