Por
Ted Montgomery
Originalmente publicado em www.USATODAY.com,
reproduzido aqui com a devida autorização do autor.
Traduzido por Marcelo Constantino
Eles são os dois melhores times da NHL nos últimos 10 anos. Seus capitães
de longa data vestem o número 19 na camisa e estão entre os jogadores
de mais classe que já praticaram este jogo. Ambos os times possuem jogadores
suecos de alta qualidade que são geralmente lembrados como os melhores
em suas respectivas posições. Ambos os técnicos tiveram longas carreiras
na NHL como jogadores. Ambos os times têm um defensor que todo e qualquer
outro time adora odiar. Ambos os times têm uma longa e documentada tradição
de grandes, porém frágeis, goleiros. E estes dois times o Colorado
Avalanche e o Detroit Red Wings têm uma coisa em comum. Eles definitivamente
odeiam um ao outro.
Ah, essa inimizade tem oscilado várias vezes ao longo dos anos, mas
nunca se dissipou completamente. Nem nunca irá. O mesmo sangue que tem
corrido pelas veias dos jogadores de Avs e Wings desde 1996 também foi
derramado, em quantidades variáveis, na arena de ambos os times. A NHL,
e todos os seus torcedores, deveria se alegrar toda vez que esses rivais
se encontram.
Esta é a história dessa rivalidade.
Eu estava num jogo em 15 de dezembro de 1979 quando os Red Wings protagonizaram
uma improvável virada contra o Quebec Nordiques, então liderado pelos
irmãos Statsny, no terceiro período do último jogo realizado no Olympia
Stadium. Os Nords, uma franquia nova na NHL, advinda da WHA, já eram
bem melhores que a safra de 1979 dos "dead things" [coisas mortas].
Entretanto, os fantasmas de Howe, Sawchuk, Lindsay, Abel e Delvecchio
pareciam ter baixado em jogadores como Mike Foligno e Reed Larson, já
que eles saíram de uma desvantagem de 4-0 para empatar com os selvagens
Nordiques em 4-4 antes do sino mortal da sirene final soar no Olympia
naquela noite. A arena lotada ficou absolutamente frenética, celebrando
um triunfo vazio naquela que talvez tenha sido a mais gélida era da
história dos Red Wings.
Está registrado na história da NHL que o Quebec Nordiques penou durante
os primeiros anos da década de 90, tanto no gelo como nas bilheterias.
Recrutamentos inteligentes lhes deu um punhado de jogadores excepcionais
Joe Sakic, Owen Nolan e Mats Sundin são os mais representativos entre
eles e trocas que sacudiram o elenco e trouxeram para o time jogadores
como Mike Ricci, Sandis Ozolinsh, Patrick Roy e Peter Forsberg colocaram
a franquia no caminho rápido para a elite da NHL. A mudança do time
para Denver em agosto de 1995 e, além disso, para a Conferência Oeste,
estabeleceu o cenário para florescente rivalidade com os Red Wings,
uma robusta franquia da NHL desde 1927.
Os Red Wings, enquanto isso, tiveram tempos tumultuados no início da
década de 90. Rotineiramente eles tinham grandes temporadas regulares,
somente para fracassarem nos playoffs. Esses fracassos custaram o trabalho
do técnico Bryan Murray e Scotty Bowman chegou de Pittsburgh em 1993-94
para substituí-lo. Começou então o processo de Scotty, um dos mais notórios
e meticulosos técnicos dos anais da NHL, moldando os Red Wings num time
solidamente gravado na sua imagem.
Os Wings, a despeito das dominantes três primeiras fases dos playoffs,
dançaram nas finais de 1995 contra o supostamente azarão, o New Jersey
Devils. Era uma chance dos Wings vencerem a primeira Stanley Cup desde
1955.
Ao invés disso, os Devils trataram dos Wings com facilidade. Meros quatro
jogos depois, os fiéis torcedores de Detroit estavam novamente planejando
um longo verão.
Na temporada seguinte, os Red Wings estabeleceram um recorde histórico
de vitórias numa única temporada, com 62. Foi durante os playoffs de
1996 que a rivalidade entre Avs e Red Wings floresceu em cheio. Em 29
de maio de 1996, com os Avs vencendo por 3-2 em jogos nas finais de
conferência, eles dominavam os Wings no jogo 6, em Denver. Caminhando
para o fim da partida, Claude Lemieux, do Colorado, falhou em diminuir
o ritmo quando se aproximou de Kris Draper, do Detroit, que estava de
frente para as bordas na zona neutra. O tranco resultante custou alguns
dentes a Draper e quebrou sua mandíbula. Ele teve de se submeter a uma
abrangente cirurgia para reconstruir sua face. Os Wings estavam pálidos
e prometeram vingança. Ainda assim, os Wings tiveram todo o verão para
ruminar sobre o tranco, enquanto os Avs seguiam rumo à conquista da
primeira Stanley Cup de sua história. Mas o primeiro tiro havia sido
dado. A batalha havia começado.
A rivalidade teve seu momento mais feio em 26 de março de 1997, quando
os Wings receberam os Avs numa tarde quente de sábado. Os então campeões
abriram uma vantagem de 4-1, mas os Wings seguiam na cola. O grande
momento ocorreu quando Darren McCarty exigiu vingança pelo tranco de
Lemieux no amigo dele, Draper. Lemieux posicionou-se como uma tartaruga
e a briga seguiu. Patrick Roy chegou carregando o mais volumoso equipamento
na liga e começou a brigar com o goleiro dos Wings, Mike Vernon. Todos
no gelo se envolveram durante a melhor e mais quente briga da NHL nos
anos 90.[*]
[*Nota do tradutor: na realidade a partida foi disputada numa quarta-feira
à noite e a vantagem máxima dos Avs na partida foi de 4-2 e 5-3]
O rosto de Roy estava sangrando e atitude tartaruga de Lemieux de nada
adiantou para encarecê-lo junto aos colegas, que freqüentemente tinham
de brigar nas batalhas que ele iniciava. Depois da partida, que os Wings
venceram na prorrogação com gol de McCarty, o atacante do Avs Mike Keane
chamou os Red Wings de "time covarde".
Aquele time covarde venceu a Stanley Cup naquele ano (derrotando os
Avs em seis jogos durante as finais de conferência) e a maioria dos
jogadores dos Wings apontou aquele jogo do fim de março como o ponto
de virada.
Na temporada seguinte, os goleiros de ambos os times brigaram novamente
(desta vez o goleiro dos Wings era Chris Osgood), mas nunca tiveram
a chance de se reencontrarem nos playoffs, quando os Wings venceram
a segunda Copa consecutiva. Pior para a NHL.
Nas duas temporadas seguintes, a rivalidade entre Avs e Wings entrou
em fogo brando, mas nunca se enfureceu. Os Avs tiveram uma relativa
facilidade em derrotar os inferiores Red Wings nos playoffs em ambos
os anos, e a falta de intensidade naquelas séries foi uma marca contrastante
com os entreveros anteriores. De fato, alguns combatentes se foram.
O técnico Marc Crawford, Keane, Lemieux e Ricci foram despachados de
Denver e Vernon e alguns outros Wings também se foram.
Os técnicos dos times, Bob Hartley e Bowman, tiveram uma rixa contínua.
Num ano, Hartley acusou Bowman de mandar pintar o vestiário dos Avs
na arena Joe Louis durante os playoffs, possivelmente prejudicando os
jogadores com uma tinta nociva. Outra vez, Hartley começou a ir aos
treinos dos Wings, aparentemente para colher alguma informação sobre
o plano de jogo deles, mas provavelmente para pegar no pé de Bowman.
Na última temporada, com mais um novo goleiro dos Wings (dessa vez Dominik
Hasek), os times elevaram o nível de intensidade em alguns pontos. Numa
partida no fim da temporada em Denver, Roy fez objeção a uma exuberância
de Kirk Maltby na área do Colorado e começou a esfregar a cara dele
no seu equipamento pra lá de grande. Numa cena aparentemente largada
no chão da sala de cortes do filme Slapshot, Hasek veio pesadamente
se movimentando pelo gelo para se juntar ao tumulto. Assim que ele chegou
à rede do Colorado, tropeçou num taco, escorregou e deslizou para o
gol. O drama do momento foi abolido pelo efeito cômico de se assistir
os dois maiores goleiros da história enrolados juntos dentro da rede.
A série de final de conferência do ano passado foi uma obra prima e
permanece como uma das maiores séries de playoffs já vistas. Os Wings
perderam dois jogos na prorrogação em casa e os Avs um. Os Avs tiveram
a vantagem de 3-2 na série quando se preparavam para o jogo 6 em Denver.
Entretanto, o gosto de Roy pelo exibicionismo custou ao time uma vitória.
Depois de uma feroz disputa na frente de seu gol, Roy levantou sua luva
triunfantemente, imaginando que o disco estava nela. Infelizmente para
o time dele, o disco estava na área, ao menos até que Brendan Shanahan
o empurrasse para dentro da rede. Hasek fechou o gol para os Avs no
resto da partida e o jogo 7 surgiu.
E assim foi; o mundo do hóquei estava alvoroçado dois dias antes do
jogo 7 em Detroit. Muitos observadores imaginavam que o jogo seria decidido
por um gol apenas, talvez até mesmo na prorrogação. Era realmente provável;
todos os jogos anteriores haviam sido apertados.
O improvável ocorreu, os Wings venceram por 7-0 e tiraram Roy do jogo.
É impossível explicar o que aconteceu, exceto dizer que o Detroit veio
com mais fogo nos olhos que o Colorado. O primeiro período terminou
com 4-0 para os Wings. Trata-se de uma montanha muito dura para qualquer
time escalar.
Mesmo que os Wings tenham vencido a Copa contra um recém-chegado à grandiosidade
time do Carolina, as finais de conferência contra o Colorado eram o
que todos mais se recordavam sobre os playoffs de 2002. Até os índices
de audiência na TV foram maiores naquela série.
O que nos traz ao presente. Recentemente, eu sentei na sala de imprensa,
no alto da arena Joe Louis numa tarde de sábado, quase exatamente seis
anos depois do dia da grande briga entre esses dois times. Era um grande
jogo naquele dia, já que ambos os times estavam competindo por uma posição
nos playoffs.
O jogo foi decepcionante. Os Wings venceram por 5-3 e a habilidade esteve
em mais evidência do que estiveram a paixão ou a intensidade. Somente
cinco penalidades menores foram marcadas durante a partida.
Isso significa que a rivalidade acabou? Definitivamente não. Algumas
vezes a rivalidade sai de folga, mas nunca vai embora. Sakic disse após
o jogo que ele certamente espera que Wings e Avs se encontrem nos playoffs
deste ano. É melhor que a NHL espere isso também. Diga o que quiser
sobre estar cansado de ver esses dois times com tanta freqüência nos
playoffs, mas é exatamente disso que o hóquei precisa. Você não precisa
ser um torcedor de Detroit ou Colorado para reconhecer um hóquei de
alta qualidade.
Em meus pensamentos, algumas vezes imagino os Seis Originais jogando
uns com os outros por 14 vezes num ano e odiando um aos outro com paixão.
Eu os imagino passando uns pelos outros no vagão de jantar do trem que
os leva para Toronto, ou Montreal, ou Nova York para uma segunda partida,
ou uma série com um jogo na casa de cada um, e olhando de cara feia,
jurando e ameaçando fisicamente cada um ou pior.
Eu sou de um tempo quando jogos de hóquei significavam alguma coisa
toda noite, quando reputações e o direito de se gabar estavam em jogo
em cada turno. Na minha cabeça, eu evito pensar sobre jogos em janeiro
entre Anaheim e Tampa Bay porque é doloroso demais contemplar. Com 30
times espalhados pela América do Norte e um calendário de 82 jogos que
praticamente não dá qualquer atenção à tradição (os Red Wings não foram
a Montreal, Nova York e Boston nesta temporada), rivalidades como a
batalha Colorado-Detroit representam o melhor que a liga tem a oferecer.
E talvez sua última boa chance de sobreviver.
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Ted Montgomery escreve sobre hóquei para o USATODAY.com. Clique
aqui para ler as colunas dele (em inglês). |
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