Por: Thiago Leal

Esporte é sacrifício físico por princípio. As lendas gregas que referem-se aos primeiros atletas e origem dos Jogos Olímpicos sempre mencionam homens que esgotavam suas forças na realização de determinada atividade, nem que para isso tivessem que morrer.

Talvez seja por isso que, mesmo em dias modernos, o atleta que mais ganha a simpatia de seus fãs é aquele que se entregue completamente ao jogo. No hóquei, um esporte mais intenso que qualquer outro, isso parece valer ainda mais. Todo bom jogador de hóquei deve se levar ao limite, independentemente de qual for seu papel no jogo. E essa é uma tarefa que torna-se ainda mais dramática quando se é um intimidador, função de Matt Cooke.

Se a função de um intimidador é jogar de maneira mais física e agressiva, dar trancos, qual seria o limite desta tarefa? O esporte respeita jogadores agressivos e valoriza brigas, mas não respeita quem jogue sujo. O problema é que o limite entre ser agressivo e jogar sujo talvez seja muito tênue. E nesse meio há a imprudência. É complicado dizer onde Cooke se encaixa nesses três aspectos. O Prêmio Fred J. Hume, troféu entregue pelo Vancouver Canucks ao "herói não-aclamado" da temporada, certamente lhe colocaria do lado do intimidador agressivo que todo fã adora. Mas seu histórico de agressões e trancos imprudentes o colocam do outro lado, entre os jogadores mais violentos da atualidade.

Cooke, definitivamente, é um intimidador imprudente que ficou marcado por um lance sujo em particular: o infame tranco em Marc Savard. E, à partir do momento que não sofreu punição alguma da NHL, tornou-se refém da omissão da liga. À época, TheSlot.com.br criticou severamente a covardia da NHL em não se pronunciar sobre o lance e não tomar nenhuma atitude contra Cooke. O aviso foi dado: em não punir Cooke, a NHL abre precedentes para que lances do tipo tornem a acontecer. A capa da edição 293 sobre o tranco de Zdeno Chara em Max Pacioretty até pareceu crônica da morte anunciada. No começo de março, Trevor Gillies já havia pego nove jogos de suspensão por acertar Cal Clutterbuck na cabeça num lance fora da disputa de disco. Gillies deliberadamente quis agredir Clutterbuck e nada mais.

Esse lance de Gillies serve como exemplo para inocentar Cooke de sua alcunha de violento? Leve-se em consideração também que Cooke nunca agrediu ninguém com seu taco, coisa que até jogadores mais finos como Scott Niedermayer ou Owen Nolan já cometeram. Exagero querer que ele chegue a esse extremo para ser tachado de violento? Talvez. Mas violento não seria um jogador que agride deliberadamente? Cooke simplesmente parece imprudente e desajeitado no seu papel de intimidador — o que de forma alguma abranda a culpa que teve em seus lances mais violentos e desnecessários, que são passíveis de suspensão.

A rigor, Cooke já havia sofrido duas suspensões antes de seu tranco imrpudente/sujo em Savard: um por acertar Artem Anisimov e outro por acertar Scott Walker, ambos ombro na cabeça baixa, como no Savard. Nos dois casos, Cooke fora punido com dois jogos de suspensão. Fora um aviso. Se mesmo com a luz amarela acesa, Cooke não diminui a intensidade e acerta o ombro na cabeça de Savard, pelo ponto cego, obviamente ele não havia aprendido a lição. Aquele era o momento da NHL partir para uma punição mais severa. Nada aconteceu.

Em fevereiro Cooke acertou Fedor Tyutin pelas costas e pegou quatro jogos de suspensão. E agora o golpe final: uma cotovelada na cabeça de Ryan McDonagh que levou a NHL à punição definitiva a Matt Cooke: dez jogos (o restante da temporada regular) e a primeira fase dos playoffs. O Pittsburgh Penguins, que anteriormente havia reclamado do rigor físico exagerado de jogadores adversários, deu uma lição de espírito esportivo ao apoiar a punição e Cooke.

Cooke se desculpou publicamente aos jornais de Pittsburgh dizendo que tinha consciência de que precisa mudar seu estilo de jogo. Na verdade a intensidade de seu jogo vai muito além de McDonagh, Tyutin, Savard, Walker, Anisimov... o histórico de Cooke e suas jogadas imprudentes remetem a seus tempos de Washington Capitals (por exemplo, quando acertou Vincent Lecavalier e chegou a ser multado por isso) e de Vancouver Canucks. As críticas a seu estilo de jogo vêm dessa época e alguns chegam a apelidá-lo de "Elbow". Isso tudo em um jogador de apenas 1,80m de altura.

Dá para acreditar que um jogador que sempre teve esse estilo de jogar vá se controlar? Se Cooke estiver na intensidade e calor da partida, ele vai tirar o pé ao perceber que está patinando rápido demais em direção a um jogador de cabeça baixa? Boatos dizem que o próprio Mario Lemieux deu um ultimato a Cooke de que seu contrato seria rescindido caso o evento se repetisse. Conforme muitos fãs e até mesmo jornalistas chegaram a ironizar, Cooke envergonhou Lemieux — a lenda e proprietário dos Penguins reclama da briga de rua em que um jogo contra o New York Islanders se transforma e de repente Cooke lhe vem com essas. A revolta, seja ela geral, seja de Lemieux, não é para menos.

O outro lado da moeda é a punição tardia: o tranco em Tyutin foi assim tão sujo? Quatro jogos? Não era necessário nem mesmo um! A cotovelada absurdamente suja e desnecessária em McDonagh foi mais grave que a forma violenta como Cooke acertou Walker, Anisimov e, principalmente, Savard?

Cooke está sendo punido pelo conjunto da obra — da sua e também de outros, como o lance recente de Chara ou o tranco de Matt Hunwick em Savard. E, talvez mais importante, agora a NHL tenta empurrar a sujeira para baixo do tapete. Suspender Cooke por dez jogos mais primeira rodada de playoffs também acaba servindo como punição exemplar e como forma da NHL finalmente dar uma resposta a seus críticos por ter se omitido por tanto tempo. O que deve ser uma piada.

Se a punição em Cooke pelo lance em Anisimov, que já era reincidente, fosse mais severa, talvez nem tivéssemos tido o desagradável episódio de Marc Savard. E o mais absurdo de tudo é o próprio lance envolvendo Savard ter passado impune. Dez jogos e uma rodada de pós-temporada por esse histórico de agressões não é o preço justo. Mas também não é justo punior Cooke agora por tudo que foi feito há algum tempo, muito menos que ele pague pelas controvérsias em que a NHL se mete por não se pronunciar ou tomar devidas atitudes em seu tempo.

Punir jogadores com base no histórico é bem do feito da NHL. Tudo bem que Chris Simon pegue 25 jogos por acertar o taco na cara de Ryan Hollweg fora da disputa do disco. Mas daí meses depois 30 jogos para o mesmo Simon por um pisão em Jarkko Ruutu? E vale lembrar que os 30 jogos de Simon são a terceira punição mais longa da NHL, que não costuma suspender jogadores por muito mais que 20 jogos (contagem não cumulativa).

Com seus dez jogos mais primeira rodada dos playoffs, que deve esticar a suspensão para no mínimo 14 e no máximo 17 jogos, Cooke agora entra para a infame lista de suspensões mais longas. O comportamento controverso da NHL, por outro lado, está longe de ser resolvido.

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Página publicada em 27 de março de 2011.