Por: Thiago Leal

Um tranco sujo, mas normal de jogo, dificilmente daria tanta dor de cabeça quanto uma colisão envolvendo Marc Savard. Literalmente. O golpe de Matt Hunwick em Savard durante a vitória do Boston Bruins sobre o Colorado Avalanche por 6-2 no sábado, dia 22, é só mais um dos inúmeros solavancos que fazem parte da dinâmica deste jogo. Não fosse as dores de cabeça do Savard que voltaram a incomodar... e uma nova concussão em seu quadro médico.

Certamente quem viu Savard se contorcendo de dor após o lance sabia o que esperar. Tudo bem que sua cabeça foi pressionada contra as bordas, mas não seria um lance para tamanho alarde, tanto que o próprio Savard deu sinais de que levantaria sem maiores problemas. Mas aí voltou a arriar, aparentemente sentindo fortes dores de cabeça. O atacante foi retirado do gelo e passou por exames.

O boletim médico da segunda-feira de manhã informou que Savard sofreu uma concussão mediana, adiantando que não há data estipulada para seu retorno. As velhas dores de cabeça voltaram. E o filme de acontecimentos recentes voltou a passar.

A chamada "concussão cerebral" é resultado de golpes violentos na cabeça. Os danos são neurológicos e, diferentemente do traumatismo craniano, não gera uma lesão facilmente identificada. Seu quadro, no entanto, pode ser irreversível e causa vertigem, náusea, perda de memória, distúrbios visuais e, claro, as famigeradas fortes dores de cabeça. Essa não é a primeira concussão que Marc Savard sofre na carreira. O modo como Savard reagiu ao tranco de Hunwick, desequilibrando e levando a mão ao capacete, trouxe à tona dolorosas lembranças de sua primeira concussão.

Savard foi vítima de um tranco desleal de Matt Cooke em março de 2010. Na ocasião, após Savard fazer um passe, Cooke veio por trás e o acertou na cabeça. O resultado foi uma concussão de segundo grau e muita discussão. O ponta esquerda do Pittsburgh Penguins não sofreu punição alguma pela entrada criminosa, nem durante e nem após o jogo, numa decisão que causou polêmica na NHL. Colin Campbell, diretor de operações da liga, chegou a dizer que não puniria Savard por ele ser um grande fingidor, aumentando a ira de torcedores e fãs do esporte, principalmente por ter sido um lance envolvendo os Penguins. Diante da declaração irresponsável de Campbell vieram perguntas como "E se fosse o Crosby?" No final das contas, nada além da concussão de Savard aconteceu.

Não há porque comparar os dois lances. O golpe de Cooke foi um tranco maldoso e despropositado desferido pelo chamado "ponto cego". Savard foi alvejado sem saber o que lhe atingiu. Hunwick, por sua vez, atingiu Savard de forma suja e intimidadora, mas longe de ser desleal. Ele estava ao lado de Savard, o golpe foi ombro a ombro e foi sequência de uma jogada em que os dois disputavam o disco. Perfeitamente normal. Talvez por medo, receio do que já aconteceu, Savard se encolheu e acabou pagando o preço. O mais irônico é que Hunwick jogava ao lado de Savard nos Bruins, e foi trocado para abrir espaço para o retorno do próprio Savard, recuperando-se da tal consussão.

À época do tranco de Cooke, os mais temerosos chegaram a colocar em dúvida se Savard voltaria ou não a jogar (!), problema sanado na pós-temporada, quando o central do Boston voltou e marcou o gol da vitória dos Bruins sobre o Philadelphia Flyers no jogo 1 da série — da qual o Boston Bruins viria a ser eliminado. Após seu gol decisivo, Savard falou sobre como era bom estar de volta ao rinque e ver a fanática torcida de Boston gritar seu nome. Tudo estaria resolvido e Cooke poderia voltar a dormir com a consciência tranquila então?

Nem tanto. Sua volta pode ter parecido superação após um forte trauma, mas se revelou prematura. As férias trouxeram mais dores de cabeça ao atacante e ele acabou perdendo os treinos de pós-temporada dos Bruins. Agora, com o incidente envolvendo Hunwick, a discussão voltou à pauta de jornalistas, colunistas e torcedores. Savard volta a jogar? A sugestão geral é que o central se aposente para evitar riscos desnecessários.

A essa altura crucificar Cooke já nem é mais válido. Que ele tem sua parcela de culpa nisso tudo, sem dúvida. Mas seu débito fica apenas naquele lance. A partir do ponto que os Bruins liberam Savard para voltar ao rinque e o tranco simples de Hunwick passa a ameaçar sua carreira, a lista de responsáveis por sua atual situação aumenta. Cook foi imprudente, desleal, covarde, sujo, tudo que se falar a seu respeito, mas na época de seu tranco. Os árbitros de linha falharam em não tê-lo punido e a NHL foi omissa em não tê-lo suspendido. Caso a carreira de Savard tivesse acabado ali, Cooke hoje estaria carregando o fardo, como aconteceu com Todd Bertuzzi e seu golpe criminoso em Steve Moore.

Uma vez que Savard retorna ao gelo e seu quadro médico piora com nova concussão, o Boston Bruins e seu departamento médico, além do próprio jogador também devem responder pelos acontecimentos. Hunwick é totalmente inocente, independentemente de ter acertado um tranco forte em um jogador fragilizado. A revista The Hockey News abordou a vitimização de Cooke e foi severamente criticada por fãs e pela própria imprensa. Talvez tenha faltado sensibilidade à Hockey News, Cooke está longe de ser vítima. Mas a situação de Savard agora tem mais gente envolvida e não apenas um culpado.

O departamento médico nunca foi grande novidade para Savard. Mas uma coisa é lidar com ossos quebrados e joelhos contundidos. Feridas se curam, ainda que não totalmente. O problema são essas pancadas de cabeça e suas dores crônicas e Savard entra para o clube de jogadores com mais de uma concussão na carreira e o sinal de alerta daqui pra frente fica permanentemente ligado. Ou permanentemente desligado com o fim de seus serviços como jogador de hóquei.

A aposentadoria de Savard é sugerida devido ao grande número de carreiras encerradas por concussões. Eric Lindros talvez seja o mais notável, mas Scott Stevens, seu "algoz", também teve que parar mediante a dores de cabeças crônicas causadas por concussões. O lendário Mike Richter não suportou duas consussões em um curto período de tempo e encerrou seu turno antes que as dores piorassem. Adam Deadmarsh parou após sua segunda concussão. Keith Primeau, Steve Dubinsky, Matthew Barnaby, Steve Rucchin... todos jogadores que se aposentaram devido a essas malditas dores de cabeça.

Apesar do drama, há um alento bem próximo do próprio Savard: seu colega de time Patrice Bergeron. Aos 25 anos de idade, Bergeron já sofreu duas concussões na cerreira num intervalo relativamente curto: pouco mais de um ano entre os dois incidentes. A primeira ocorrera em 2007, no começo da temporada 2007-08, num tranco de Randy Jones. A situação de Bergeron foi mais dramática que a de Savard. O jogador perdeu o restante da temporada e seu futuro no esporte era incerto. Um ano depois Bergeron voltou para sofrer nova concussão com apenas dois meses. Houve o alerta de que as concussões poderiam encerrar a carreira de Bergeron mas ele segue jogando, aparentemente sem maiores problemas.

Qualquer que seja a situação de Savard daqui pra frente, leve-se em conta que uma concussão não causa dores de cabeça apenas em quem a sofre. Aos 33 anos de idade, Savard é pai de três crianças, Isabella, Zachary e Tyler. Seus pais são fãs fiéis, como não poderiam deixar de ser, e acompanham sua carreira. Além deles, considere os colegas de time nos Bruins, a direção e corpo técnico e executivo da franquia e seus inúmeros fãs.

Desde segunda, 24 de janeiro, o boletim médico dos Bruins segue sem maiores informações. Que o quadro médico de Savard seja reavaliado com responsabilidade, de modo a preservar sua integridade física e mental, ainda que para isso sua carreira seja descontinuada. Ninguém merece tanta dor de cabeça assim.

Thiago Leal teve um quadrinho de uma página publicado num fanzine australiano.

Arquivo TheSlot.com.br
Marc Savard, sendo retirado do rinque após o tranco covarde de Matt Cooke...
(07/03/2010)

NESN
... e se contorcendo de dor após o tranco de Matt Hunwick.
(22/01/2011)
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Página publicada em 30 de janeiro de 2010.