Por: Thiago Leal

Hóquei ao ar livre não é mais novidade pra ninguém. Desde a Guerra Fria, o primeiro jogo de hóquei a céu aberto da era moderna, entre a Universidade de Michigan e a Universidade Estadual de Michigan, em 9 de outubro de 2001, já tivemos 20 eventos neste mesmo estilo. Enquanto este artigo está sendo escrito, Spokane Chiefs e Kootenay Ice realizam o 21º, no primeiro jogo ao ar livre da WHL. Ainda teremos pelo menos mais três este ano: mais um na WHL, outro Heritage Classic na NHL e o primeiro jogo ao ar livre na AHL. Hóquei ao ar livre está perdendo seu estranhamento.

Mas e se um jogo desses for realizado num local improvável? Alguém aí consegue imaginar jogo ao ar livre em Los Angeles? Em Miami? Dallas? Dá para imaginar Kings e Ducks, Coyotes e Dallas ou Lightning e Panthers a céu aberto? Impossível! Mas e se eu dissesse que é possível? Tenho precedentes para embasar minha afirmação: a vitória da Seleção Mexicana Sub20 por 8-0 sobre a Bulgária, pelo Campeonato Mundial Sub20 da Divisão III, realizado no último dia 9 de janeiro, ao ar livre, na Praça Zócalo, o marco zero da... Cidade do México.

Isso mesmo: tivemos um jogo de hóquei ao ar livre na Cidade do México. Ay caramba!

O estranhamento deste jogo é tão grande que a partida em si é quase irrelevante. Certamente, para muita gente que ler este artigo, só o fato do México ter seleções de hóquei no gelo já é uma surpresa. Quanto mais um jogo ao ar livre? Joaquin de la Garma, presidente da Federação Mexicana de Hóquei no Gelo, foi competente em organizar um evento deste tipo na Cidade do México e em adaptar a arena local de uma capacidade de 20 para 50 mil espectadores. Nesse sentido, não dá para deixar de exaltar seu sucesso. Na época do Heritage Classic, qualquer um que pensasse em jogo ao ar livre abaixo do Sul dos Estados Unidos certamente seria chamado de louco. Aliás, por si só, manter uma federação de hóquei no gelo e segurar sua seleção em 32º lugar do ranking mundial, por si só, já é um grande feito. E, em um mês onde a Revista ESPN tem artigo assinado pelo excelente Ubiratan Leal (comprem e leiam) sobre as dificuldades que as franquias de cidades quentes da NHL sofrem para manter seus times, temos um jogo a céu aberto no México.

Se você mora no Norte, no Nordeste ou no Rio de Janeiro, até que poderia considerar a Cidade do México um lugar frio. À noite, no inverno, a sensação térmica pode chegar a 9°C. Durante o dia, 23°C. OK, pode parecer frio para quem está acostumado ao calor de 40° do verão brasileiro. Essa temperatura no entanto está muito longe de fazer nevar, congelar um lago ou permitir a prática de esportes de inverno. Isso não impediu que um rinque de patinação fosse armado na praça central da capital mexicana há cerca de três anos, com fins de recreação e também para a prática de eventos esportivos. Assim, tivemos o primeiro jogo de hóquei ao ar livre no México, com uma paisagem bastante incomum ao fundo: a Catedral, o Palácio Nacional e uma pirâmide asteca, lembrando o Kremlin de Moscou no Jogo das Estrelas da KHL em 2009.

O México fechou o primeiro período vencendo por 1-0. No segundo período ampliou a vantagem para 5-0 e fechou o massacre na terceira etapa. Christian Smithers foi o grande destaque do jogo com quatro gols. Diego Linares e Hernando Chavez marcaram dois cada. O pobre goleiro búlgaro Nikola Nikolov chegou a parar 39 chutes, mas tomou sete gols. Seu substituto, Teodor Asenov tomou um gol e fez 9 defesas. A Bulgária só chutou 11 vezes a gol. E foi isso. Viu que o jogo em si é bem mais desinteressante que o evento? Não quero desvalorizar o México, todo o trabalho da federação nem a bela atuação de Smithers. Mas esse jogo sozinho é maior que qualquer coisa pelo seu significado. Um jogo anteriormente restrito ao Canadá, aos Estados Unidos e ao Norte Europeu praticado em terra mexicana é expandir os limites do esporte.

Até o fechamento deste artigo o México se segurava em segundo lugar na Divisão III, empatado com a líder Sérvia e a terceira colocada Coreia do Norte. Os mexicanos venceram a Turquia por 7-5 e a China Taipei por 9-1. Teria jogo hoje contra a Coreia do Norte, uma das partidas decisivas. Todos os jogos estão sendo realizados no Rinque Lomas Verdes, com exceção da partida no marco zero. A Bulgária, que de certa forma também foi protagonista desta história, é o saco de pancadas do torneio: tomou de 17-1 da Sérvia e 8-1 da Coreia do Norte. É a última colocada na tabela. O torneio terminará no dia 18 com o jogo entre México e Sérvia, com chances de ser o jogo do título. Os dois melhores avançam à Divisão II.

Voltando ao que interessa, o jogo ao ar livre, de la Garma destacou o quanto este evento é importante não apenas para o México, mas para a América Latina. Estranho é que ele afirmou que o jogo seria transmitido ao vivo na TV mexicana, argentina, chilena, colombiana e... brasileira! Alguém aí tem operadora de TV a cabo que possua algum canal mexicano na grade?

Só é uma pena que a arena tenha sido ampliada à toa. Os 20 mil lugares eram mais que suficientes. Apenas 3 mil torcedores saíram de casa na fria noite de 9 de janeiro para ver, sem dúvida, o mais exótico evento esportivo já realizado na Cidade do México. Talvez tenha faltado um pouco mais de empenho da IIHF em divulgar e buscar prestígio para esse evento. É triste imaginar a decepção de quem tem o trabalho de organizar um grande evento e ter um público 16 vezes menor daquele que se esperava. Estamos falando sobre um jogo de um esporte associado as regiões mais frias do planeta realizado a céu aberto em um país historicamente quente, na zona intertropical. Até mesmo a USA Hockey, a NHL e principalmente a Hockey Canada deveriam ter prestigiado esse evento de alguma forma, porque ele é a prova de que não há fronteiras para a prática de hóquei. Este esporte é um dos cartões de visita do Canadá e é interessante para o país que ele se popularize pelo mundo.

Uma pena que hóquei no gelo em terra quente se mostre tão possível quanto inviável financeiramente.

Hóquei no sufoco: Além da Seleção Mexicana Sub20, atualmente na Divsão III, temos a seleção adulta do México, que disputa a Divisão II. As divisões adultas da IIHF ainda possuem países como Austrália e Nova Zelândia (Divisão II) e África do Sul (Divisão III). A Austrália Sub20 está na Divisão II, a Nova Zelândia na Divisão III junto com a China Taipei, outra região quente.

Brasil, Índia, Tailândia e Malásia são exemplos de países quentes que fazem parte da IIHF, embora nunca tenham tido seleções inscritas em nenhum torneio oficial de hóquei no gelo. É a mesma situação de Argentina e Chile, que não entrariam na condição de países quentes (embora o Chile seja bem quente em determinadas regiões) uma vez que são países que possuem épocas do ano e regiões frias, com direito a neve e estações de esqui.

Thiago Leal recebeu um belíssimo presente de sua amiga Anna Sellheim.
IIHF.com
O marco zero da Cidade do México virou rinque de hóquei no gelo.
(09/01/2011)

IIHF.com
Seleções do México (branco) e Bulgária (vermelho) perfiladas para a cerimônia antes do histórico evento.
(09/01/2011)

IIHF.com
Destaque do jogo com quatro gols, Christian Smithers deu entrevista para a TV mexicana.
(09/01/2011)
IIHF.com
México! México! Rá, rá, rá! Após a vitória incontestável, os jogadores mexicanos são saudados pela pequena torcida, com direito a muitas cores vibrantes, como é tradição no país.
(09/01/2011)

IIHF.com
Chega a ser quase irrelevante, mas houve um jogo. E o México massacrou a Bulgária.
(09/01/2011)

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Página publicada em 16 de janeiro de 2010.