Por: Marcelo Constantino

O Atlanta Thrashers negociou o craque Ilya Kovalchuk com o New Jersey Devils em troca de uma escolha de primeira rodada, o defensor Johnny Oduya, o atacante Niclas Bergfors e o prospecto Patrice Cormier.

Chovem críticas à gerência do Atlanta Thrashers por conta da negociação de Ilya Kovalchuk. Há duas vertentes: uma defende que o gerente geral Don Waddell deveria ter negociado Kovalchuk bem antes, no máximo antes de esta temporada começar. Outra que entende que o Atlanta recebeu pouco pelo craque.

Eis o que eu entendo dessa história toda: Waddell tentou manter o craque o quanto pôde. Quando Kovalchuk recusou até mesmo um contrato que seria o mais lucrativo da história da NHL, Waddell finalmente percebeu que o russo não queria ficar e saiu no mercado.

Vejam bem: Kovalchuk mostrou que não queria ficar em Atlanta. Porém, tal qual acontece com outros jogadores, ele não disse isso claramente à gerência. Ele decidiu seguir outra via, também tradicional em casos semelhantes: pedir um salário absurdo. Do tipo: “se é pra ficar aqui nessa porcaria, vou cobrar mais caro”.

O Atlanta tentou. Consta que Waddell ofereceu 12 anos valendo R$ 101 milhões. Foi recusado. Ofereceu outro, de sete anos e US$ 10 milhões por temporada. Ninguém tem contrato com média maior que essa. Também foi recusado. Ou seja, Kovalchuk entende que consegue algo melhor no mercado. E melhor não significa necessariamente mais dinheiro: eu acredito que ele assinaria (assinará) um contrato semelhante ou pior do que lhe foi oferecido pelos Thrashers, mas com um time de ponta. Enfim, Kovalchuk queria sair.

Waddell deveria ter antevisto que Kovalchuk queria sair? Sim, mas falar isso agora é fácil, convenhamos. Ele tentou o quanto pôde e ofereceu algo que, convenhamos também, deveria atender ao que o craque demanda. Isso porque os dois pontos (fora a grana, claro) mais supostamente importantes pra Kovalchuk estavam dentro do previsto.

Kovalchuk supostamente adora Atlanta (ele disse isso reiteradas vezes à imprensa) e supostamente queria que o time ao menos brigasse pelos playoffs (ou seja, que fosse competitivo). O Atlanta está brigando pelos playoffs nesta temporada.

Então vejamos: o Atlanta está na briga pelos playoffs nesta temporada, Kovalchuk adora Atlanta e a gerência lhe ofereceu um salário milhardário. Em tese era o necessário, certo? Mas Kovalchuk recusou, queria mais dinheiro. Ou, como já dissemos, para ficar em Atlanta (que ele supostamente adora) ele queria mais dinheiro.

O que Waddell pode fazer? Ceder seria cair na insanidade. O jeito era negociá-lo. Deveria ter feito isso antes? Pode ser, talvez o erro dele tenha sido acreditar no craque russo.

Então o jeito, dadas as circunstâncias, era sair no mercado. Era natural que Waddell jogaria no ventilador as ofertas que fez, para mostrar a todos que o entrave não era com o Atlanta. E aí vem outro problema: quem vai querer pagar caro por um jogador que é de aluguel e que provavelmente vai querer ganhar um salário no patamar de Alex Ovechkin? Vai ser difícil um time da NHL pagar a ele o que ele demandou dos Thrashers. Talvez na Rússia, quem sabe?

Waddell saiu no mercado com a demanda por um atacante e um defensor que jogassem numa das duas linhas principais do time, um prospecto e uma escolha de primeira rodada.

Os tempos de hoje são outros, o teto orçamentário limita e muito o poder de fogo das equipes tradicionalmente compradoras. Portanto, não compare o que o Atlanta recebeu com o que outros times já receberam por craques de aluguel em temporadas anteriores ao locaute e ao teto orçamentário. A comparação é inválida. Seguramente o Atlanta receberia bem mais por ele naqueles tempos pré-locaute.

E, na minha opinião, Waddell conseguiu um bom pagamento por Kovalchuk, dadas as condições. Johnny Oduya é um defensor de qualidade, um tanto subvalorizado na liga (mas não no salário de US$ 3,5 milhões) que já chega pronto para atuar nas linhas principais da equipe. Niclas Bergfors não é um craque, mas é um jovem bom jogador e no Atlanta deverá ter mais tempo de jogo que nos Devils. É verdade que há dúvidas quanto ao potencial dele de tornar-se um jogador de linhas principais. Por ignorar completamente as ligas inferiores, eu desconheço quem seja Patrice Cormier, mas consta que trata-se de um bom prospecto, embora alguns projetem que ele não passará de um jogador de terceira linha. E ainda uma escolha de primeira rodada que, é verdade, será baixa. Mas qualquer escolha de primeira rodada seria baixa, visto que times de ponta geralmente têm escolhas baixas.

Li em vários cantos que Chicago Blackhawks, LA Kings e NY Rangers eram outros pretendentes. Chicago? Você acredita que os Blackhawks cederiam Patrick Sharp? Kris Versteeg? Cam Barker? Dois desses? Eu acredito que sim. Mas somente se Kovalchuk se comprometesse a assinar um contrato imediatamente para os anos seguintes e, ainda assim, em patamares bem menores que os oferecidos pelo Atlanta. Ou seja, inviável. Os

Kings teriam mais espaço para arcar com Kovalchuk, mas é difícil de imaginá-los negociando jovens valores como Jack Johnson ou Alexander Frolov. Mais difícil ainda de imaginar é que algum desses estivesse na mesa e que Waddel tenha recusado.

No caso dos Rangers, será que eles disponibilizariam Brandon Dubinsky e/ou Ryan Callahan dentro da demanda do Atlanta? Difícil de acreditar.

Foi bom negócio também para os Devils, que automaticamente tornam-se um dos favoritos do Leste, com um time para fazer frente aos Caps e Pens. E isso independentemente de conseguir assinar com Kovalchuk, estou falando somente desta temporada. O gerente Lou Lamoriello é dos melhores que a NHL já teve, está muito longe de ser trouxa e fazer maus negócios. O tiro dele é para esta temporada, para esses playoffs. O que ele cedeu, ele terá como repor tranqüilamente mais à frente. Lamoriello certamente quer assinar com Kovalchuk, mas seguramente não no patamar que o russo deseja.

É uma aposta. Não há muito times de ponta na liga com espaço para oferecer tanto a um jogador. Oferecer o que Kovalchuk quer é uma jogada de alto risco, visto que ele é um craque que não faz chover, não carrega um time nas costas rumo ao paraíso — vide sua carreira no próprio Atlanta. Ele precisa ao menos de bons coadjuvantes para, talvez, conseguir isso. E, mais que tudo isso, não faz sentido dar a Kovalchuk um contrato no mesmo patamar de Alex Ovechkin.

Por outro lado, há uma lei fundamental na NHL que aprendi e jamais desrespeitei: jamais duvidar da insanidade dos gerentes. Eu não duvido que um desses inconsequentes surjam com uma oferta até mesmo superior ao que o Washington Capitals paga a Ovechkin. Fazer isso seria trabalhar fora do bom senso. Não foi o que a gerência dos Trashers fez.

A negociação enterra as chances dos Atlanta de chegar aos playoffs este ano? Em tese sim. Em tese. Nunca se sabe como será uma nova química na equipe, como o conjunto reagirá à saída do seu líder, como os novos jogadores se encaixarão. Começa finalmente um novo capítulo na história do Atlanta Thrashers. E a história até aqui não vinha sendo boa.

Marcelo Constantino lista seus jogos mais marcantes, por esporte. No basquete, Brasil 120 x 115 EUA, final dos jogos Pan-Americanos de 1987. No tênis, empate entre Guga 3 x 2 Michael Russel, oitavas de Roland Garros/01, e Rafael Nadal 3 x 2 Roger Federer, final de Wimbledon/08. No futebol, o gol do Pet em 2001. No hóquei é óbvio.

Andy Marlin/Getty Images
Ilya Kovalchuk vestindo a camisa do Atlanta Thrashers: cena de um capítulo
encerrado.
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Página publicada em 10 de fevereiro de 2010.