Por: Thiago Leal

Como criticar um jogador que tem em sua carreira quatro Copas Stanley e um Troféu Conn Smythe? Como falar mal de alguém que é um dos dez maiores goleadores da pós-temporada e membro do Salão da Fama da QMJHL? Fácil. É só esse alguém ser Claude Lemieux. O Homem-Tartaruga. O anti-herói. Aquele que todos que gostam de hóquei no gelo detestam. E para desespero desses... ele está de volta. E com grandes chances de ganhar sua quinta Copa Stanley.

Mas "o outro" Lemieux é assim tão ruim?

Com apenas um ano de juvenil, atuando pelo Trois Rivieres Draveurs, Lemieux foi recrutado pelo Montreal Canadiens como 26ª escolha geral. Ou seja... tecnicamente, esse Lemieux surgiu para a NHL até antes que o Mario, que só fora recrutado em 1984. Claude, no entanto, teve poucas oportunidades com os Canadiens, disputando apenas oito partidas na temporada 1983-84 e uma na temporada 1984-85. Antes de estrear em definitivo na grande liga, Lemieux transitou entre a QMJHL (Verdun Junior Canadiens) e AHL (Nova Scotia Voyageurs e Sherbrooke Canadiens). Em apenas um momento Lemieux realmente teve desempenho fora do comum: na temporada 1984-85 da QMJHL, quando marcou 124 pontos na temporada regular e 40 na pós-temporada.

Em 1986, Lemieux passou a integrar o elenco do Montreal Canadiens de maneira definitiva. Disputou dez partidas de temporada regular e, com apenas três pontos, partiu para a pós-temporada com o time. E se tem uma coisa que levanta a moral de qualquer atleta, essa coisa é playoff. Um dos nomes decisivos na conquista da Copa Stanley dos Canadiens, a primeira na sua carreira, Lemieux passou a ser valorizado como um dos principais jogadores da Liga, integrando inclusive o elenco da seleção canadense na Canada Cup do ano seguinte. Durante as finais da Copa Stanley, Lemieux envolveu-se numa famosa briga com Jim Peplinski, que logo se generalizou e envolveu praticamente todo elenco de Canadiens e Calgary Flames. Mas é sórdido o motivo que levou à briga. Claude Lemieux mordeu Jim Peplinski, que comentou após o tumulto: "Eu não sabia que permitiam canibalismo na NHL". Começava a ficar claro que o seu grande talento era arrumar confusão — mas suas assistências e gols também foram importantes para a conquista dos Canadiens. E foi por causa dessas assistências e gols, e não pela briga, que Lemieux passou a ser valorizado na NHL.

Nas temporadas subsequentes, Lemieux manteve bons números e mostrava que era mais assistente que goleador, um dado mais incomum do que aparente, e que justamente por isso torna um jogador importante dentro do time, como é o caso, por exemplo, de Corey Perry no Anaheim Ducks atualmente. Moeda de troca com peso moderado, Lemieux foi para o New Jersey Devils em 1990. Na franquia de Newark Lemieux teve os momentos mais brilhantes da sua carreira, nas pós-temporadas de 1993-94, avançando à final de Conferência contra o New York Rangers; e em 1994-95, quando finalmente venceu sua segunda Copa Stanley, sendo também o jogador mais valioso da pós-temporada e conquistando seu Troféu Conn Smythe. Foi memorável a atuação de Lemieux na série contra o Philadelphia Flyers, nas finais de Conferência.

Mas por que um jogador que tem todo esse valor é trocado, em sequência, no mesmo dia, por Steve Thomas (do New Jersey Devils para o New York Islanders) e por Wendel Clark (dos Islanders para o Colorado Avalanche)? Consideremos Lemieux bom o bastante para que as franquias para onde ele se destinou abrisse mão desses bons jogadores... ou não tão bom assim, a ponto de ser trocado por dois jogadores "apenas bons"?

Fato é que uma temporada depois de brilhar e ser o jogador mais importante dos Devils na conquista da primeira Copa da franquia, Claude Lemieux estava vestindo nova camisa: a do Colorado Avalanche. E em sua primeira temporada com o Avalanche, dois fatos corriqueiros na sua carreira: mais uma Copa Stanley; uma jogada suja, que contribuiu para sua fama. No caso, durante a final de Conferência contra o Detroit Red Wings, Lemieux acertou o que para muitos foi um tranco covarde em Kris Draper. O Avalanche venceu a série e seguiu rumo à conquista da Copa. O Detroit Red Wings ficou com as mágoas e iniciou uma grande rivalidade, da qual ele, Lemieux, foi o grande alvo na temporada seguinte, no famoso Banho de Sangue em Detroit.

No episódio, tantas vezes comentado em TheSlot.com.br, Lemieux acabou tendo sua imagem manchada, não só para a Liga, mas para seus próprios companheiros de equipe. Quando se acovardou e, ao invés de partir para a briga com Darren McCarty durante o Banho de Sangue, se agachou, na famosa "posição tartaruga", Lemieux passou a ser visto realmente como um jogador covarde. Alguém que agride por trás, mas pela frente não tinha coragem de revidar nem a um tranco.

Em 1999, Lemieux iniciou sua quinta temporada pelo Colorado Avalanche. Mas não a terminou. Em fase decadente de sua carreira (que, após o auge de 1995, entrou em curva descendente), foi trocado com o New Jersey Devils. E, pela sua antiga franquia, passou apenas mais uma temporada. Mas foi suficiente para vencer a sua quarta Copa Stanley. Não teve seu contrato renovado após o título e, como agente livre, assinou com o Phoenix Coyotes. Sua carreira daí pra frente não merece consideração.

Não que Lemieux realmente seja um Forrest Gump da NHL. Pelo menos até 1995, quando realmente foi fundamental e decisivo. Mas depois disso, sua carreira se resumiu a um jogador comum, como se tivesse sido recrutado nas últimas rodadas e sem grande brilho, mudando de time em time e frequentemente rebaixado à AHL. Após o Conn Smythe, Lemieux só chamou atenção por se acovardar e arregar para McCarty. E não são torcedores de Red Wings, Flyers ou Flames que o acham um canastrão covarde, mas seus próprios companheiros de time. Ou alguém consegue me dizer o que Lemieux produziu de bom depois que levou os Devils à sua primeira Copa Stanley?

E a pergunta agora é outra. O que o San Jose Sharks, em rota de briga pela Copa Stanley, quer com Claude Lemieux? Um nome experiente para as linhas mais baixas, agora que Jeremy Roenick está lesionado? Acho que Mike Grier tem experiência suficiente para cumprir esse papel. Um grande goleador? Patrick Marleau. Então, afinal, o que faz Lemieux nesse time? Doug Wilson realmente acha que ele é um reforço para a conquista da Copa Stanley?

Não é que Lemieux não tenha valor. Mas o cara joga duro e não serve para intimidador, uma vez que essa valentia toda só funciona quando o adversário não está de frente. Foi um grande goleador, mas isso a quase 15 anos atrás. E estratégia de marketing (como o Corinthians contratar Ronaldo...), bem, digamos que Lemieux foi eleito pela ESPN o mais jogador mais odiado da NHL em todos os tempos . Se analisarmos seu desempenho com o Worcester Sharks... temos seis pontos em 14 jogos. Um número razoável... para a NHL. Para a AHL não é grande coisa. Pelo menos não é "coisa" o suficiente para que você seja requisitado para o time de cima.

A incógnita persiste.

Claude Lemieux não vai atrapalhar os Sharks em sua chance de título da Copa Stanley. Mas também não vai fazer grande diferença no processo.

Talvez a explicação mais simples seja: cansado de depender de jogadores "apenas habilidosos", como Joe Thornton e Patrick Marleau, que acabam sendo massacrados na pós-temporada por defensores grandes e dispostos a quebrá-los, os Sharks decidiram aderir à prática anti-desportiva do New Jersey Devils, que já lhe valeu três Copas Stanley. E, bem, nesse caso, Claude Lemieux é um bom professor.

Thiago Leal é ateu e membro contribuinte da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos.
AP
Ele voltou: Claude Lemieux patina novamente pela NHL depois de quatro temporadas.
(20/01/2009)

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A boa e velha rotina de treinos.
(20/01/2009)

devils.nhl.com
O Conn Smythe após o título da Copa Stanley de 1995, seu único grande feito..
(23/11/2008)

Arquivo TheSlot.com.br
Uma das fotos mais publicadas em TheSlot.com.br: a famosa "posição-tartaruga" de Lemieux.
(26/03/1997)

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Página publicada em 21 de janeiro de 2009.