É com grande pesar que eu começo a escrever este artigo sobre
a virada dos Canes na série, para 4-2 contra os combalidos Habs,
carentes de seu capitão e "muso" inspirador Saku Koivu, para seguirem
adiante no sonho de levantar a Copa Stanley pela primeira vez
em sua existência.
Jogo 3: Montreal 1-2 Carolina (OT) - uma luz no fim do túnel
Assim como o jogo 2, foi um partida muito igual, disputadíssima,
decidida nos detalhes. Clichês de playoffs à parte, minha dúvida
da coluna anterior, Sheldon Souray, jogou sim, e pontuou! Entretanto,
um problema muito mais grave aconteceu para os Habs: estão novamente
sem seu capitão e ícone Saku Koivu. Ao contrário da temporada
2001-02, na qual ele ficou de fora durante a temporada regular,
voltando de maneira espetacular para liderar o time nos playoffs
com toda sua garra e energia, o "muso" inspirador desfalcará o
Montreal durante um bom tempo nessa pós-temporada...
A tragédia se deu no início do segundo período, quando o capitão
levou uma tacada no olho, cortesia de Justin Williams. E o pior
é que nem foi marcada falta! Um absurdo! Por outro lado, contra
os Habs, até disco sobre as bordas é penalidade!
Depois de perderem seu mito, os canadenses começaram vencendo
o jogo com um gol de Richard Zednik na metade do segundo período,
em uma vantagem numérica. Com esse gol, Zednik chegou à marca
de 16 gols em 40 jogos de playoffs. O Carolina empatou o jogo
com o capitão Brind'Amour, que marcou seu terceiro gol em dois
jogos na metade do terceiro período, o que levou o jogo para a
prorrogação. Nesse gol, o capitão passou por Souray e chutou entre
as pernas de Huet. Um golaço!
No tempo extra, Eric Staal pôs números finais ao placar, numa
vantagem numérica concedida após Tomas Plekanec enganchar um adversário
com seu taco. Em sua segunda temporada na NHL, Staal pontuou mais
de 100 vezes, e agora deixou nas redes seu primeiro gol em playoffs.
Com a vitória nesse jogo, os Canes ganharam uma partida estratégica,
pois seria muito difícil virar uma série com uma desvantagem de
3-0 e com o adversário jogando bem.
Ao final da partida, mesmo saindo derrotado, o goleiro "Cristo-wall"
Huet fez 34 defesas, contra 27 do novato Cam Ward. Em várias defesas,
a torcida ensandecida gritava a altos brados: "Huet! Huet!". Mas,
dessa vez, não deu para a muralha francesa.
Jogo 4: Montreal 2-3 Carolina - desde quando jogar em casa é vantagem?
Com o capitão de fora, os Habs não conseguiram converter o mando
de gelo em vantagem. Assim, os Hurricanes ganharam mais uma, deixando
a série totalmente indefinida. E adivinhem quem foi o nome do
jogo... Isso mesmo: Rod Brind'Amour! Ele fez o gol da vitória
quando faltavam 5:54 para acabar o jogo.
Os visitantes saíram na frente logo no primeiro período, abrindo,
de cara, uma vantagem de 2-0, com um gol e uma assistência de
Justin Williams — aquele rapazinho que tirou Koivu da temporada,
mas que continuou jogando, como se nada tivesse acontecido. O
outro gol dos Canes foi marcado por Aaron Ward.
No segundo período, o Montreal deixou tudo igual, com gols de
Alexander Perezhogin — a flecha das estepes russas —
fazendo seu primeiro gol em playoffs, e Sheldon Souray —
o zagueiro artilheiro —, que fez seu segundo gol na série,
em uma penalidade de 5-contra-3. Com o empate, os canadenses voltaram
à partida, assim como a fanática torcida no Centre Bell voltou
a gritar e acreditar na vitória.
Porém, não foi dessa vez que os Habs ganharam em casa nesses playoffs.
Com um excelente trabalho defensivo, o time da Carolina do Norte
não permitia que o ataque da equipe de Quebec chutasse ao gol
de Cam Ward, que foi titular pela segunda vez seguida nesta série.
Mesmo de fora, o grande Saku Koivu continuou incentivando seus
comandados, mandando-lhes mensagens de apoio para a partida e
dando a boa notícia de que assistiria ao jogo em sua casa. Entretanto,
seu substituto na partida não conseguiu corresponder: o jovem
zagueiro suíço Mark Streit foi o escolhido pelo técnico e gerente
geral Bob Gainey. Isso mesmo, para jogar no ataque! E como asa
esquerdo! Vai entender...
Jogo 5: Carolina 2-1 Montreal - de novo o disco sobre as bordas...
De novo o disco sobre as bordas. De novo gol dos Hurricanes
na vantagem numérica. Só que, dessa vez, foi muito pior: esse
gol foi o gol da vitória! Isso é uma palhaçada!
Com 30 defesas de Ward e gols em vantagem numérica de Matt Cullen
e Eric Staal, a franquia que já teve sede em Hartford chegou à
liderança da série pela primeira vez. Também pela primeira vez
nessa série o time da casa saiu com a vitória. O primeiro zero
saiu do marcador com o gol de Staal, com menos de cinco minutos
jogados na partida. O Carolina fez 2-0 no segundo período com
Cullen, aproveitando o jogador a mais por causa do disco sobre
as bordas...
Mesmo com a desvantagem no placar e com os juízes prejudicando
o time, o Montreal não se rendeu e lutou bravamente até o final
do jogo. No minuto final do segundo período, o monumento nasofálico
Alex Kovalev diminuiu a vantagem dos donos da casa, após bela
jogada individual. Mas não foi suficiente. Novamente, Ward fechou
as portas para os Canadiens e os Canes conseguiram se defender
até o fim do jogo, chegando à terceira vitória na série.
Jogo 6: Montreal 1-2 Carolina (P) - a primeira vez a gente nunca
esquece
Em toda a sua história, o Carolina nunca havia virado uma série
que começara perdendo por 2-0. Pois é, tudo tem sua primeira vez!
Com pouco mais de um minuto jogado na prorrogação, Cory Stillman
pôs números finais ao placar do jogo e da série, finalizada em
4-2 a favor dos furacões.
Quem saiu na frente foram os Habitants, com mais um gol de Sheldon
Souray — o terceiro dele na série — em vantagem numérica.
Apenas 30 segundos depois, Mark Recchi, que já defendeu as cores
vermelho, azul e branco, fez seu primeiro gol nesses playoffs
para empatar a partida.
Huet foi novamente sensacional. Em toda a série, ele pode ter
perdido quatro jogos e vencido apenas dois, mas fez defesas fenomenais,
que mantiveram o sonho canadense aceso até o último momento. Nesse
jogo derradeiro, foram 27 defesas, contra 25 do goleiro vencedor,
Cam Ward. "Sem ele, a série teria sido menor", disse Craig Rivet.
A torcida mais apaixonada do hóquei novamente mostrou porque é
a detentora do título. Não pararam de incentivar o time durante
o jogo e, após a derrota, reconheceram o esforço de seus jogadores,
que deram tudo de si. Não ganharam em casa, é verdade, mas a torcida
fez sua parte, dando um show a cada noite de hóquei no Centre
Bell. "Eles foram estupendos, de novo!", definiu o novo ídolo
local, Cristobal Huet, que tem seu nome gritado a cada defesa
que faz.
O fator Cam Ward
Antes dele, o Montreal fez nove gols em um jogo e meio. Depois,
apenas oito nos quatro jogos e meio restantes. Precisa falar mais
algo? Esse jovem goleiro parou, literalmente, todo o poder ofensivo
dos Canadiens. Não parece grande coisa, mas o time estava disposto,
atacando com todas as suas armas e usando as quatro linhas para
tentar furar o bloqueio de Ward. Graças a ele, o Carolina conseguiu
ressuscitar no jogo 2, depois de estar levando de 3-0, chegando
até a prorrogação. Graças a ele, mesmo com toda a insistência
de Alex Kovalev, Richard Zednik, Michael Ryder & cia., o Carolina
não precisou fazer muitos gols no também excelente Cristobal Huet
para fechar a série em 4-2. Graças a ele, os Canes estão na semifinal
de sua conferência. Mais uma vez, ele encara um goleiro excelente:
Martin Brodeur.
O fator Saku Koivu
Com uma grave contusão no olho esquerdo, provocada pelo taco alto
de Justin Williams no jogo 3 da série, Saku Koivu ainda hoje não
sabe a extensão de sua contusão, e nem sabia se poderia voltar
ainda nessa temporada, caso o Montreal prosseguisse.
O que se sabe é que a contusão é muito delicada, dado o local.
Por ser no olho, sempre aumenta a gravidade, pois o risco de perda
da visão ronda o paciente. Além disso a quantidade de sangue no
olho é enorme em conseqüência da pancada, fazendo com que o mito
dos Canadiens sinta dificuldade para enxergar e uma constante
irritação. Sabe-se que ele recuperará totalmente a visão nos próximos
meses, podendo estar curado já para o início da próxima temporada.
Primeira escolha do Montreal no recrutamento de 1993, ele foi
nomeado capitão da equipe em 1999-2000. Um posto tradicionalíssimo,
que já contou com Toe Blake, Maurice Richard, Jean Beliveau, Henri
Richard, Yvan Cournoyer, o próprio Bob Gainey, além de Guy Carbonneau
(último capitão tricolor a levantar a Stanley) não podia ter sido
dado a alguém melhor.
Cheio de garra, dedicação, liderança e perseverança, Koivu sabe
motivar como ninguém um time. Sua simples presença no banco ou
no gelo já traz mais confiança para o elenco Hábitant, que passa,
assim, a dar sua força máxima pelo time e, principalmente, seu
capitão. Após passar por um câncer complicadíssimo na temporada
2001-02, motivo pelo qual muitos acreditavam que ele não voltaria
a jogar, ele mostrou o quão guerreiro é, voltando ao time para
liderá-lo novamente!
Mesmo sem estar sendo brilhante nesta temporada, Koivu é extremamente
importante para o time, pois sem ele a equipe cai de produção
espantosamente. Na temporada regular, quando ele se contundiu
e perdeu alguns jogos, o Montreal passou um bom tempo sem vencer,
caindo de produção e de posição na tabela. Agora, quatro derrotas
seguidas sem ele... Koivu foi o melhor do time em assistências
(45) e segundo maior pontuador (62), atrás apenas de Kovalev (65).
Para finalizar, uma curiosidade: Saku Koivu já é o quarto capitão
mais longevo dos Canadiens, atrás apenas de Jean Beliveau, Emile
"Butch" Bouchard e Bob Gainey.
A importância dos capitães
Além de toda a falta que Koivu fez para os Canadiens ao longo
da série, o outro capitão, Rod Brind'Amour, foi também o maior
destaque do time na série inicial dos playoffs. Seja marcando
gols sempre em momentos cruciais, seja dando ânimo aos companheiros
de equipe devido à sua enorme vontade de ganhar, o Carolina deve
a ele em grande parte a sua classificação. Eu diria que metade
da classificação se deu por causa dele. A outra metade, obra de
Cam Ward.
Os homens de roupa listrada
Pode parecer desculpa de perdedor, mas o Montreal vem sendo prejudicado
pelas arbitragens ao longo dessa temporada. Seja em jogos contra
o Toronto pela temporada regular, seja com penalidades absurdas
sendo marcadas contra o time nos playoffs, enquanto faltas claríssimas
não são marcadas a favor dos Habs. Enfim, bem disse Sheldon Souray:
"Você não pode acusar a arbitragem, mas que é frustrante, isso
é".
Dois casos que se encaixam perfeitamente nessa reclamação são
os que eu frisei à exaustão aqui: a contusão de Koivu e o disco
por cima das bordas. No caso de Koivu, inclusive, deveria ser
uma penalidade dupla, assim como qualquer taco alto, sendo intencional
ou não! Ainda mais que Saku estava na frente do gol, pronto para
marcar! O disco sobre as bordas eu me recuso a comentar mais ainda,
pois a cada vez que me lembro disso, fico louco de raiva!
Mesmo com a eliminação, e mais um ano sem a Stanley (o período
mais longo sem títulos, junto com 1931-1944), resta aos torcedores
dos Habs, como consolo, que o time jogou corajosamente, com garra
e vontade de ganhar, no mesmo nível dos Canes, favoritíssimos
na série. Muitas vezes, os Habs foram até melhores, mas NHL é
isso: às vezes, mesmo com a superação e a vontade de vencer, não
dá.
Igor Vasconcelos promete que esta será sua última
coluna escrita de modo passional! A partir de agora os Habs serão
tratados de modo igual aos outros 29 times da NHL, e Saku Koivu
de modo igual aos outros jogadores.