Como o nobre leitor já deve ter conferido, o editorial desta edição aborda as dificuldades de se fazer previsões diante das mudanças drásticas nos elencos e das novas regras. Estou de acordo, mas, em um sinal de atrevimento sem precedentes na história da minha, da sua, da nossa TheSlot.com.br, afirmo com todas as letras que o Montreal Canadiens estará na próxima pós-temporada.

E, apesar de a alta cúpula da TheSlot.com.br ser pró-Leafs (lembram-se da capa da edição especial "A NHL no Brasil"?), tenho o dever de manter minha opinião até o final da temporada. Por isso, se há uma equipe que terá ampla cobertura e atenção por parte da nossa equipe de colunistas nessa temporada, essa equipe é o Montreal. E, pegando carona nessa cobertura, traremos — como bônus pra quem é apaixonado por rivalidades — uma cobertura religiosa sobre as oito partidas que serão disputadas entre Montreal Canadiens e Toronto Maple Leafs nessa nova NHL. Isso mesmo, todos os confrontos que paralisam as duas províncias que mais cedem atletas para a NHL terão cobertura completa por parte da sua revista eletrônica semanal de hóquei. Começando no dia 8 de outubro, com a primeira partida, e encerrando-se em 25 de março, com a oitava. Oito superclássicos que formarão uma competição à parte na liga. Vale lembrar que o clássico terá cobertura isenta, livre de clubismo.

Tradição conta, mas não joga

A rica história do Montreal Canadiens é realmente invejável, mas as 24 Copas Stanley conquistadas pelo tricolor não colocam patins, não entram no gelo e muito menos marcam gols. Um belo exemplo vem da última temporada, quando os Canadiens exibiam mais Copas Stanley na vitrine do que os Bolts tinham de jogos de playoffs em sua existência antes de se enfrentarem na pós-temporada. O resultado foi uma dolorosa varrida favorável ao Tampa Bay. Por isso, devemos esquecer as glórias passadas por um momento e analisar o que os Habs podem apresentar após mais de 500 dias sem disputar uma partida oficial. De uma extremidade do gelo à outra. De Théodore a Kovalev. Finalmente, dirá o leitor, começamos aqui a esmiuçar esses Canadiens versão 2005-06.

Théodore: o sucesso da equipe depende dele

Equipamentos menores podem significar algumas mudanças bruscas para certos goleiros. O milagroso Roberto Luongo, do Florida Panthers, pode não continuar a ser tão milagroso e tornar-se um bom goleiro. O limitado Garth Snow, dos Islanders, pode deixar de ser um goleiro limitado na NHL e tornar-se um goleiro nível AHL, e olhe lá. Já Théodore é um dos goleiros mais ágeis e de melhor movimento lateral da NHL. E, para um goleiro com esses atributos, a redução do equipamento não terá impacto significativo. Essa redução e a promessa de um jogo mais aberto poderão separar os bons dos medíocres e com certeza Théodore ficará do lado dos bons.

Embora Théo faça parte do grupo dos bons, ele ainda tem algo a provar. Estranho falar isso de um goleiro que já venceu os troféus Hart e Vezina. E ainda mais estranho é falar isso de um goleiro que já foi por duas vezes capa da TheSlot.com.br (edições número 20 e número 59). Essa primeira capa poderia ter vindo antes, mas... lembra-se daquele sentimento pró-Leafs na redação da revista, em São Paulo, de que falei? Então, em 2002 Théodore foi o maior responsável pela volta dos Habs aos playoffs após três anos de amargura, foi o mais valioso atleta da temporada (coisa que nem Patrick Roy conseguiu) e ainda levou o Vezina, e nada de capa para o rapaz. Na temporada seguinte, nada deu certo (esse foi o motivo de sua primeira capa na Slot), e ele chegou a perder a posição para Jeff Hackett.

Na última temporada Théodore voltou a dar mostras do grande goleiro de 2001-02 e ajudou a recolocar os Canadiens nos playoffs, mas não foi um fator contra o Tampa Bay Lightning, assim como não havia sido contra os Hurricanes nos playoffs de 2002. Ou seja, Théo tem conta pendente quando o assunto é levar sua equipe mais à frente na pós-temporada. Como é certo para nossa equipe que os Habs irão aos playoffs, José terá mais uma chance de reverter esse cenário.

Ainda no gol: o Montreal provavelmente submeterá Théodore a muitas partidas, mas um reserva é necessário. Recém-contratado junto aos Kings, o francês Cristobal Huet é um goleiro para lá de mediano que já chega com problemas no joelho. Isso abre as portas para o novato Yan Danis.

Na defesa falta profundidade

Os Canadiens não têm aquele defensor número 1. O homem designado para preencher esse posto nas últimas temporadas era o atleta mais vaiado por sua própria torcida na NHL. Era, porque o Montreal não renovou com Patrice Brisebois, e este rumou para Denver. Ironia do destino: o Colorado Avalanche, que uma vez levou Patrick Roy — o mais amado jogador dos Canadiens em sua era —, agora leva o mais criticado.

Por falar em Roy, o espaço deixado por Breezer será ocupado por Mathieu Dandenault, uma opção muito mais barata. O polivalente ex-jogador do Detroit é desses jogadores que se beneficiarão de um jogo mais aberto, pois é rápido e patina bem. Mas o que Roy tem a ver com Dandenault? Na histórica partida em dezembro de 1995, quando os Wings massacraram os Habs por 11-1, gerando a discórdia entre Roy e o na época treinador Mario Tremblay, Mathieu marcou duas vezes. E isso no histórico Fórum de Montreal.

Já para intimidar, o Montreal conta, e muito, com o possível progresso do jovem Mike Komisarek. Particularmente contra os Leafs, ele deve ser o homem a combater o gigante sueco Mats Sundin. Lembram-se quando Darius Kasparaitis desfilava brilhantemente toda sua fúria pelos rinques da NHL, atingindo tudo o que se movia à sua frente e fazendo com que ele se tornasse o ídolo dos inconseqüentes e dos amantes de trancos? Pois então, Komisarek tem potencial pra ocupar o lugar que Kasparaitis deixou vago desde que saiu dos Penguins e voltou para sua Lituânia natal para ensinar crianças órfãs... (O quê? Kasparaitis ainda atuou na NHL depois de sair dos Pens? Onde? Avalanche? Rangers? Como?) E Komisarek ainda tem a vantagem de ter quase o dobro do tamanho de Darius.

O oposto disso é Andrei Markov, homem de paz e principal defensor da equipe em situações de vantagem numérica. Caberá a ele levar o disco à frente durante essas situações de jogo. E é bom exercer isso de melhor maneira que na última temporada, quando surpreendentemente marcou menos pontos que seu companheiro Sheldon Souray, reconhecidamente um defensor de pontuação baixa, mas que teve a temporada de sua vida (chegou a disputar o sempre insosso Jogo das Estrelas).

Souray, no entanto, é tão propício a contusões que estava saudável quando comecei essa coluna (pouco antes da partida de pré-temporada contra os Senators) e, quando terminei, já estava com o pulso esquerdo machucado. Os outros dois defensores que devem compor os seis titulares são Craig Rivet (deve se cuidar, pois agora é o defensor mais bem pago da equipe, e isso é perigoso em Montreal) e Francis Boullion. Mark Streit, capitão da seleção suíça, e o novato Ron Hainsey são as outras opções.

Ataque com a maior profundidade dos últimos dez anos

Contratado junto aos Rangers para ser o diferencial dos Canadiens na reta final da temporada 2003-04, Alexei Kovalev só despertou nos playoffs, com dez pontos em 11 jogos. E manter esse jogador capaz de desequilibrar uma partida foi a principal missão do gerente geral Bob Gainey nesse período de intensas modificações na NHL. O asa direita, capitão da seleção russa, deverá formar uma primeira linha de alta pontuação com o central Saku Koivu e o eslovaco Richard Zednik. Detalhe: Kovalev é o jogador mais velho da equipe, com apenas 32 anos.

Saku Koivu merece parágrafo à parte. O capitão da seleção finlandesa é um herói até mesmo aqui, nas frias e inóspitas salas da redação da TheSlot.com.br. Não fosse pelo grande contingente de torcedores dos Penguins na redação, já teríamos substituído o pôster do Dick Tarnström da sala de xerox por um de Saku Koivu. Mas contentar-nos-emos com Koivu chegando a 60 assistências na temporada e Tarnström relegado à segunda linha defensiva dos Penguins!

Da segunda linha de defesa dos Pens para a segunda de ataque dos Habs. Duas jovens revelações tentarão provar que a última temporada não foi obra do acaso. O diminuto e arisco central Mike Ribeiro liderou a equipe com 65 pontos, apenas dois a mais que Michael Ryder. Ribeiro, nascido em Montreal, compensa seus lapsos defensivos com um arsenal rico de jogadas de efeito. Já o asa direita Ryder ficou apenas atrás do goleiro do Boston Bruins, Andrew Raycroft, na eleição do melhor novato da temporada e é o protótipo de atleta que mais agrada a Gainey e ao treinador Julien.

Quem se aproveitou da boa fase desses dois atletas citados acima foi Pierre Dagenais, que, após penar nos Devils e nos Panthers, encontrou espaço em Montreal. Só que, dos seis jogadores que ocupam as duas principais linhas ofensivas da equipe, ele é o mais ameaçado de perder a vaga para alguns dos jogadores que citarei mais abaixo. A principal crítica ao jogo de Dagenais é que ele foge do jogo físico, apesar de ser um jogador relativamente grande.

Daí para a frente, as combinações se tornam imprevisíveis. O mais certo é que o tcheco Radek Bonk centre a terceira linha da equipe e tenha ao seu lado Jan Bulis. Eterno culpado pela torcida de Ottawa por muitas das frustrações da equipe nos playoffs, Bonk é o único central da equipe que não cabe em um Mini Buggy, por isso deve combater as linhas inimigas mais poderosas e físicas. A esperança em Montreal é que Bonk, sem a pressão que recebia da torcida dos Senators por ter sido uma terceira escolha geral e por ganhar muito bem, pode finalmente desenvolver sua capacidade. Talvez seja sua última chance.

O asa esquerda Jan Bulis, também tcheco, marcou na última temporada dez pontos a menos que na anterior (necessário dizer que atuou também em dez partidas a menos), e tudo leva a crer que a companhia de Bonk irá ajudá-lo a voltar à casa dos 40 pontos por ano. A vaga no lado direito dessa linha não tem dono e pode vir a ser de Niklas Sundstrom. Após boas temporadas beirando os 50 pontos nos Rangers e nos Sharks, ele agora se resume a matar penalidades. Para realizar o sonho de marcar mais de um ponto por jogo em uma temporada, Sundstrom foi exibir todo seu potencial na débil e desorganizada liga italiana durante o locaute.

As últimas três vagas no ataque merecem destaque especial, já que monopolizaram as atenções durante o campo de treinamento da equipe. E ninguém se destacou mais que Guillaume Latendresse. O atleta de apenas 18 anos vai atrás do disco com a mesma voracidade que nossos estimados leitores correm atrás da última edição da TheSlot.com.br nas bancas. Latendresse obedece à risca tudo que o treinador pede e consegue ser um atacante de força sem cometer penalidades estúpidas, ao contrário de seu ídolo Todd Bertuzzi. Mas, para a infelicidade geral da nação, Guillaume foi mandado de volta para o Drummondville Voltigeurs da QMJHL no último corte.

Bertuzzi pode ter um fã em Latendresse, mas quem andou seguindo seu estilo "loco" de jogar foi o cazaque Alexander Perezhogin. Figurinha carimbada aqui na TheSlot.com.br devido à nossa cobertura sobre as competições de juniores, Perezhogin causou inveja a muito rebatedor de beisebol numa jogada durante os playoffs da AHL de 2004. Após ser atingido por trás ele acertou o agressor da mesma forma que os rebatedores acertam a bolinha no esporte de Sammy Sosa: Com um swing perfeito, acertou em cheio a face do atleta Garrett Stafford com o taco. Só não foi um "home run" porque o pescoço do jogador do Cleveland Barons não deixou. Foi punido com um ano longe dos gelos norte-americanos. E como castigo foi atuar na liga russa ao lado de Jaromir Jagr no campeão europeu de clubes, Avangard Omsk.

Como temos uma base muito sólida de leitores no Cazaquistão, ficam aqui nossas condolências à família Perezhogin por tantos momentos difíceis. Que os Canadiens nos ouçam e dêem a vaga para esse brilhante jogador, até porque se ele voltar para a AHL terá pela frente momentos de muita hostilidade, principalmente em Cleveland. Definitivamente, não queremos isso.

Para finalizar (já era hora, não?): o agitador Steve Begin era o favorito de Julien para centrar a quarta linha. Era. Após o jogo contra o Ottawa na pré-temporada, em que Tomas Plekanec arrebentou com a partida, o treinador declarou que estava começando a ver que o tcheco é muito mais do que um jogador de terceira ou quarta linha. Chris Higgins é outro atleta que promete fazer parte do futuro próximo do time. Escolha de primeira rodada, não conta com unanimidade nas arquibancadas do Bell Centre.

A briga era ainda mais acirrada, mas Marcel Hossa, irmão mais novo da nova estrela do Atlanta Thrashers, Marian, foi trocado com os Rangers por Garth Murray (que irá direto para o Hamilton Bulldogs, afiliado dos Habs na AHL). Hossa poderia sair de graça se fosse mandado de volta para a AHL, e a direção do Montreal preferiu não arriscar. Na verdade, faltou paciência com Hossa em Montreal, e os Rangers agradecem.

Bem, é isso aí. Esta versão do Montreal Canadiens buscará repetir 1986, quando uma equipe mesclada de veteranos e novatos talentosos surpreendeu e ficou com a Copa. E, no mesmo dia em que vejo que um colunista qualquer aí da The Hockey News apostou que o grande Montreal Canadiens não se classificará aos playoffs, nós bancamos a equipe de Québec. Não por sua história, mas, sim, pelo seu presente. Podem cobrar no final da temporada.

Para mais informações sobre o Montreal Canadiens e análises sobre os seus rivais de divisão, não deixe de ler neste mesmo número da TheSlot.com.br o guia da Divisão Nordeste feito por Daniel Rocha.


Eduardo Costa ouvia "Geni e o Zepelin", de Chico Buarque, quando iniciava sua coluna. Ao terminar, estava ouvindo "Dirty Woman", do Black Sabbath.
JOSÉ THEODORE O sucesso da equipe depende dele (Arquivo The Slot BR)
HABS COMEMORANDO Com o respaldo da Slot! (Arquivo The Slot BR)
 
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Página publicada em 5 de outubro de 2005.