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16 de maio de 2003
ZZZzzzzzzzzzzzzZZZZZZzzzzzzzzzz!

Por Eduardo Costa

No esporte, assim como na vida, sucesso traz além de prestígio uma legião de imitadores. Quando o New Jersey Devils, na época um time com um passado não muito distante de mediocridade, obteve a Stanley Cup em 1995, todo o mundo do hóquei passou a estudar melhor o que se passava nos confins da Meadowlands Arena.

Algumas cópias paraguaias surgiram, mas outras se aproximaram muito da original. Hoje não há como escapar, estamos vivendo na era das defesas. O responsável pelo início dessa revolução tem nome: Jacques Lemaire, eternamente conhecido como o "pai" da armadilha da zona neutra.

Os Devils corriam o risco de irem para o Tennessee no início dos anos 90 pois não levavam torcedores à arena (hábito mantido até os dias atuais), além de não ser uma equipe competitiva. Em apenas dois anos Lemaire transformou os Devils em uma equipe vencedora mesmo com um bando de jovens desconhecidos e alguns veteranos que tiveram poucas chances na NHL até então. Na equipe, apenas dois jogadores já haviam conquistado a Stanley Cup: Stephane Richer e Claude Lemieux.

A armadilha de zona neutra deu certo porque os jogadores acreditaram em Lemaire. Automaticamente eles acreditaram no sistema. Lemaire partiu do princípio que nenhum esforço individual vale mais que um time jogando como um. Frustrar o oponente, fazer com que ele erre e, aí sim, agir. Funcionou com os Devils e vem funcionando com o Minnesota Wild.

Quem melhor pode falar sobre isso é o central Jim Dowd, campeão com os Devils de Lemaire em 1995 e um dos pilares do Minnesota Wild nesta temporada: "Nós adoramos os primeiros sete, oito, nove ou dez minutos de um jogo quando estamos por toda parte no gelo. Eles (os adversários) se frustram. E é isso é o que nós queremos".

Dowd tem realmente de agradecer pois a maioria dos beneficiados são os jogadores menos habilidosos como ele e/ou jogadores já em fim de carreira querendo estender sua permanência na NHL. No ano seguinte à primeira Copa dos Devils, Doug MacLean já seguia o exemplo e os esforçados Panthers chegavam às finais com uma boa leva desses tipos de atletas.

Mas a armadilha da zona neutra ainda funciona porque o livro de regras da NHL é tão respeitado quanto o Código Penal no Brasil. A zona neutra na NHL atual é como as ruas do Rio de Janeiro. Ninguém é de ninguém. Nada é mais contrário ao sentido do hóquei que impedir o avanço do adversário se atracando a ele. Os árbitros fazem vista grossa enquanto o comissário Gary Bettman se preocupa em acabar com as brigas...

O ideal teria sido os Devils não terem vencido a Copa em 1995, mas eles venceram e de forma esmagadora. Quando se falava em varrida naquela época, estava sempre relacionada aos poderosos Red Wings. A equipe de Scotty Bowman tinha uma média de 30 disparos por jogo na pós-temporada, mas contra os Devils esse número caiu quase pela metade e, com a equipe de Michigan marcando sete gols em quatro jogos, quem varreu alguém na série foram os Devils. Paul Coffey, Steve Yzerman e os russos de Detroit não foram páreo para eles. Não foram páreo para Bob Carpenter, Sergei Brylin, Mike Peluso, Bobby Holik, entre outros.

A vitória do antijogo significou para o torcedor comum ter que acrescentar Prozac no pote de aperitivos para acompanhar a cerveja nas transmissões de seu esporte favorito. Jacques Lemaire ganhou a culpa por tornar o jogo chato. Porém, para ser justo, quando suas únicas estrelas são um jovem goleiro, Martin Brodeur, um defensor fixo, Scott Stevens, e um agitador, Claude Lemieux, você tem mesmo que colocar a defesa acima de tudo.

É o que acontece também com o Minnesota Wild. Sinceramente, tirando Marian Gaborik qual jogador do Wild pode ser considerado uma estrela da NHL? Pode ser que você encontre mais um, pode ser que alguns jogadores, como Pierre-Marc Bouchard ou Filip Kuba, possam um dia se tornarem jogadores de impacto. Mas por enquanto o Wild é mais um projeto bem sucedido de Lemaire. Como prêmio, o ex-jogador dos Canadiens é um dos três indicados ao Troféu Jack Adams, concedido ao melhor treinador da temporada. Mas nada impede que, assim como os Devils, a equipe do estado do hóquei se estabeleça como uma das forças da liga.

Em sua primeira participação em pós-temporada o Wild eliminou o poderoso Avalanche. Um detalhe que mostra a disparidade entre essas duas equipes é que as duas maiores estrelas do time de Denver, Joe Sakic e Peter Forsberg, juntos, têm um salário anual que pagaria todo o elenco da equipe de Minnesota. Em seguida, mais um surpresa eliminando o Vancouver Canucks. Em ambas as séries o Wild deu volta após um déficit de 1-3.

Algo de estranho aconteceu contra os Canucks. Após perder a quarta partida da série contra o time canadense, Lemaire chegou no vestiário e disse: " Bem já viramos uma série após estarmos 1-3, mas duas na mesma pós-temporada não dá, ninguém nunca fez isso na história da NHL. Portanto vocês estão liberados. Podem ir ao ataque, disparar a gol, deixar de lado um pouco os agarrões, as enganchadas, esqueçam apenas um pouquinho da zona neutra. Divirtam-se".

Marian Gaborik & cia. sorriram e visualizaram que finalmente estavam livres para... jogar hóquei. Esse discurso de Lemaire não existiu, até porque ele afirmou que desistir foi uma palavra que sequer foi mencionada no vestiário do time, mas depois do que houve após o jogo 4 em St. Paul contra os Canucks, não é absurdo imaginar esse discurso acontecendo. O Wild marcou 16 gols contra os cinco dos Canucks nas últimas três partidas da série e ao final da mesma o inimaginável: o melhor ataque dos playoffs era da equipe comandada por Lemaire.

Novamente deram volta e se classificaram. Aí Lemaire chegou no vestiário do GM Place em Vancouver após a sétima partida e disse: "Parabéns, rapazes, mas vocês já se divertiram o bastante, agora contra os Ducks quero novamente o jogo preso na zona neutra, segurem, enganchem".

Bem, esse discurso de Lemaire também não existiu (ou quem sabe...), mas também não seria difícil de acreditar nele. Nos dois jogos contra os Ducks nas finais da conferência do Oeste o Wild ainda não marcou um mísero gol.

Um total de três gols foram marcados em dois jogos. Todos os três em situação de desvantagem numérica. Vendo o jogo dois da série na ESPN nessa última segunda-feira não pude deixar de ajudar, mesmo a milhares de quilômetros, os amigos torcedores do Wild presentes ao Xcel Energy Center a vaiar sua equipe no final do segundo período. Não quero, nem tenho o direito, de desmerecer o trabalho do MVP dos playoffs até agora, mas Jean-Sébastien Giguere teve uma partida bem tranqüila, considerando que tratava-se de um jogo de pós-temporada e na casa do adversário.

Sendo razoável, posso dizer que foi o jogo mais chato de playoffs que já vi na vida. E a maioria dos meus seis leitores devem concordar com isso.

Mas por que será que o Minnesota está sendo tão ineficiente contra os Mighty Ducks?

Bem, nada pode ser pior para uma equipe que joga na espera dos erros de seu oponente, amarrando o jogo, controlando o tempo e frustrando o adversário do que jogar contra uma equipe que... joga na espera de erros, amarra a partida, controla o tempo e frustra o adversário.

Ou seja, Lemaire está experimentando do seu próprio veneno. Vale lembrar que foi a derrota para outra equipe que usava a armadilha "genérica" que encerrou o ciclo dele em Nova Jersey.

Acionando novamente a máquina do tempo: Incrivelmente o hoje bem orientado ofensivamente Ottawa Senators, usou, com relativo sucesso, uma variação menos "radical" da armadilha da zona neutra nos playoffs de 1998. E logo contra os Devils de Lemaire. Os representantes do Diabo na NHL tinha feito a melhor campanha do Leste com 107 pontos e o Ottawa tinha ficado com a última vaga aos playoffs com 83 pontos. Ambas as equipes praticaram um jogo paciente no centro, mas os Sens tinham jogadores mais velozes e assim que recuperavam o disco encontravam a defesa adversária desguarnecida. A derrota na série por 4-2 decretou o fim da era Lemaire nos Devils.

Contra os Ducks vem acontecendo mais uma vez, o criador vem provando do seu próprio veneno. O antídoto contra a armadilha, infelizmente é a própria armadilha.

Por fim faço um pedido aos deuses do hóquei. Devils ou Wild. Um deles nas finais da Stanley Cup até vai. Mas os dois na final, não. Pelo bem do hóquei.

Eduardo Costa ainda é fã da dupla Bud Spencer e Terence Hill.
EM APUROS Darby Hendrickson dá um tranco em Ruslan Salei (24) durante o jogo 2 (Jim Mone/AP - 12/05/2003)
 
O CRIADOR DA ARMADILHA O técnico do Minnesota, Jacques Lemaire, dá instruções durante um treinamento opcional no Parade Ice Garden, um dia depois da derrota no jogo 1 da série contra o Anaheim (Tom Olmscheid/AP - 11/05/2003)

 

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Página publicada em 15 de maio de 2003.