Edição n.º 34 | Editorial | Colunas | Jogo da semana | Notas | Fotos
 
21 de fevereiro de 2003
Patos selvagens deixando de ser patos

Por Marcelo Constantino

Na semana passada o Anaheim Mighty Ducks conseguiu bater um recorde na NHL que perdurava desde 1927. E um recorde positivo. A vitória sobre o Calgary Flames na quarta-feira, dia 12, foi a décima vitória consecutiva em jogos com um gol de diferença. O recorde anterior, de nove jogos seguidos, era do Ottawa, na temporada de 1926-27!

O Calgary Flames é um time saco de pancada, tudo bem, mas ainda assim a vitória foi emocionante. Os canadenses empataram quando faltava um mísero segundo para o fim, mas Mike LeClerk marcou o gol da vitória na prorrogação, logo aos dez segundos.

A novidade disso é que os Ducks agora estão vencendo esses jogos apertados, que têm diferença de apenas um gol. Na temporada passada, quando amargaram um 13.º lugar, geralmente perdiam. De 34 partidas decididas por um gol, venceram apenas 13 delas (38%). Nesta temporada o aproveitamento foi invertido: venceram 18 de um total de 30 (60%) até o fechamento desta edição. Quem leu a reportagem de capa da semana passada sabe que o New Jersey Devils está aí mesmo para provar que é possível construir uma sólida campanha na NHL desta forma.

Sim, os Mighty Ducks estão surpreendendo. Não só eles; parece que há novos ventos nesta temporada: alguns times que costumeiramente eram tratados como chacota na NHL estão dando um importante passo em direção ao respeito. O Tampa Bay sempre foi sinônimo de "o que faz uma porcaria dessas na NHL?" e faz uma campanha surpreendente; o Minnesota está mostrando que é possível praticar um hóquei decente mesmo sendo um recém-nascido na liga.

E o Anaheim, que já esteve nos playoffs em 1997 e 1999, mas que vinha caminhando rumo à pecha de chacota permanente, está de volta ao seleto grupo que deverá ir para à pós-temporada. Nada muito confortável, porém. Na verdade, estão lutando para se manter nesta posição, ali no perigoso oitavo lugar na conferência. Entretanto, depois de duas campanhas vexaminosas nas duas últimas temporadas, esta vem sendo tratada como o reencontro com alguma qualidade.

Paul Kariya enxerga o óbvio: "O grande negócio [desta temporada] é que temos um time melhor. Temos melhores jogadores e melhores jogadores fazem melhores jogadas."

A melhora do time não é à toa. Começou antes da temporada, quando a gerência assinou com o consagrado central Adam Oates, mais uma das inúmeras tentativas do time ter um central à altura de sua estrela, Paul Kariya. Oates é o típico jogador que chama um grande atirador a seu lado. Ele fora contratado pelos Flyers no dia-limite de trocas do ano passado, numa verdadeira loucura da gerência de Philadelphia, que cedeu suas três primeiras escolhas por ele, alem de um jovem goleiro de futuro promissor.

Só que Oates começou a temporada frio demais. Foi quando o time teve de recorrer mais uma vez ao eterno central do Anaheim, Steve Rucchin. Jogador de 31 anos de idade, tem uma boa experiência na NHL e já foi uma dos vários candidatos a ser "o central de Kariya e Teemu Selanne", nos tempos quentes da dupla. Atuou por pouco mais da metade do conjunto de jogos das duas últimas temporadas, tendo passado por seu pior momento justo durante aquelas que foram as piores temporadas dos Ducks. Em 2001-02 fraturou a canela da perna esquerda, tendo perdido 44 partidas por conta disso.

Neste ano Rucchin tem conseguido permanecer saudável e deu conta do recado ao lado de Kariya. Atualmente, com o crescimento da produção de Oates e a boa química encontrada pelo trio Kariya-Oates-Sykora, Rucchin passou a liderar a segunda linha do time.

Petr Sykora é outra peça importante do novo Anaheim. Membro da famosa linha EASY (Elias-Arnott-SYkora) do New Jersey Devils, foi negociado também antes desta temporada, numa troca que envolveu a cessão de Jeff Friesen e Oleg Tverdovsky. Embora esteja muito longe de repetir as atuações de Selanne ao lado de Kariya na linha principal, ou mesmo as suas nos melhores tempos de Devils, tem sido um jogador eficiente nesta temporada.

Friesen havia chegado no mau negócio que mandou Selanne para San Jose, em 2001. Mau negócio para ambos: o Anaheim cedeu um dos grandes jogadores da NHL àquela altura por um preço baixo, e Selanne nunca mais repetiu a grande fase que teve quando jogava pelo time da Disney. Friesen chegou e teve um rendimento abaixo do esperado na temporada seguinte à negociação. Não deixou saudades.

Para a defesa sem o "não-é-só-isso-nem-é-tudo-aquilo" Tverdovsky, foram buscar Fredrik Olausson. Campeão da Stanley Cup de 2002, ele recusou-se a assinar por mais um ano com o Detroit Red Wings, alegando que desejava retornar ao seu país. Eis que logo a seguir decide permanecer na NHL, aceitando proposta do Anaheim, de US$ 1,1 milhão por um ano.

Completando a construção do time, acabam de contratar Sandis Ozolinsh, um jogador com ótimas características ofensivas que um belo dia cismou que sua posição era de defensor. Para obtê-lo, cederam um central que, anos atrás, foi mais um dentre os diversos apontados com "ideal" para centrar Kariya e Selanne: Matt Cullen. A folha salarial dos Ducks aumentou em mais de US$ 3 milhões com a troca, numa clara indicação de que a gerência quer sair da mediocridade.

Desde que Ozolinsh chegou, Olausson foi barrado do time. Contratado para ajudar a vantagem numérica (VN), ele decepcionou com a pouca produtividade (sete pontos, sendo cinco em VN).

No gol, lembram-se de Jean-Sebastien Giguere, aquele que, em dezembro passado, conseguiu a terceira maior seqüência sem levar gols da história da NHL? Ele segue numa boa campanha, sem deixar saudades de Guy Hebert, goleiro com mais bagagem na história da franquia. Com seis shutouts, 25 vitórias, aproveitamento médio de 91,5% de defesas e média de gols sofridos na faixa dos 2,4 por partida, ele está entre os dez melhores da liga nesta temporada. Não é nada pouco para um time que briga pelos playoffs.

O time tem uma relativamente baixa média de gols sofridos, na faixa dos 2,45 por jogo (nono lugar na NHL). O que não quer dizer muito, afinal sofreram menos gols ainda na temporada passada, que foi um desastre. O ponto é que o time só se preocupava em defender sob o comando do gerente geral Bryan Murray, que também foi o técnico do time em 2001-02. Com Mike Babcock no comando este ano, a ordem é que o defensor avance ao ataque sempre que possível. Ozolinsh cai como uma luva nesta filosofia.

O goleiro prefere dizer que a defesa é que o faz eficiente: "Eles clareiam o disco da frente da área, evitam rebotes." O defensor Ruslan Salei concorda e diz que o grupo atual é o melhor desde que ele chegou ao time. Trata-se de uma boa mistura entre juventude e experiência e, fora Ozolinsh, todo o restante é de pouca expressão na NHL.

Um dos times da NHL mais populares no Brasil, certamente devido à propaganda de seus donos (Neste país é costume mandar os filhos de classe média para conhecerem o que se chama comumente de "Disney" — geralmente a de Orlando, não a da Califórnia. De lá, muitos trazem um casaco do time de hóquei, boa parte das vezes sem sequer conhecer o que está vestindo, mas este já seria outro assunto.), o Anaheim dificilmente é tratado com a devida seriedade por aqui.

Esta temporada é a chance de darem ao respeito.

Marcelo Constantino nunca quis ir à Disney.
VITÓRIA E RECORDE Jogadores do Anaheim comemoram a vitória na prorrogação, por 4-3, sobre o Calgary Flames, que marcou a quebra de um recorde de 75 anos na NHL
(John Hayes/AP - 12/02/2003)
Edição atual | Edições anteriores | Sobre The Slot BR | Contato
© 2002 The Slot BR. Todos os direitos reservados.
É permitida a republicação do conteúdo escrito, desde que citada a fonte.
Página publicada em 19 de fevereiro de 2003.