Por
Thomaz Alexandre
"Bryan Trottier, New York Rangers: Aqui nem se
pode falar em balançar o elenco, pois poucos desses superfaturados
jogadores seriam acomodados em alguma outra folha salarial da liga.
E quando esses Rangers dão segurança a um técnico?
Maior folha de pagamento e capa da edição passada como
fracassados. Estar em sétimo da conferência, um ponto à
frente do 11.º não é maravilhoso, mas deixaria de
ser péssimo se os Rangers não precisassem de três
jogos a mais para consegui-lo (e ainda têm quatro jogos a mais
que o oitavo e o nono, e cinco a mais que o décimo). Alguns acham
que o jeito de Trottier é realmente lento e que ele vai endireitar
o time. Vamos ver se Glen Sather tem esse entendimento. Ou essa paciência."
(texto extraído do artigo de Thomaz Alexandre, na edição
n.º 24)
Acho que nem quando Carolina perdeu as finais do ano passado o hóquei
da NHL permitiu a este redator um palpite tão "barbada".
Quem achava que Trottier, um treinador novato na liga, poderia lidar
com esse grupo de estrelas? Mais que estrelas, essas supervalorizadas
estrelas, tão cobradas e a cada dia mais frustradas? Poucos comandantes,
talvez nenhum, poderiam domá-los.
Glen Sather, o Anakin Skywalker da NHL, garante ser um dos poucos que
podem. No máximo, arrisco eu, ele deveria achar. Garantir? Arrisco-me
ainda mais, dizendo ser em vão qualquer conversa deste tipo vinda
dele.
Para quem não conhece bem as duas trilogias Guerra Nas Estrelas,
de George Lucas, Anakin Skywalker é, a grosso modo, um menino
Jedi prodígio que, ao amadurecer, passa ao Lado Escuro da Força
e torna-se seu líder. E eu duvido que George Lucas pague ingressos
para ver os Camisas Azuis.
O mais novo derrubado
Bryan Trottier não poderia ter entrado numa canoa mais furada.
Vejamos o que ele já fez na NHL. Jogou 15 anos pelos odiados
rivais locais dos Rangers, o NY Islanders, conquistando aí quatro
copas consecutivas, de 1980 a 1983. Tornou-se, para muitos este
redator considera Mike Bossy à frente por larga margem
o maior astro da história dos Isles. Foi então jogar com
Mario Lemieux e os Penguins, outros rivais de divisão. Venceu
mais duas copas pelo time que possui a maior média de gols em
jogos no Madison Square Garden de 1985 até então.
Após a aposentadoria, treinou o Portland Pirates da AHL e, pouco
depois de começar a exibir boa performance, foi contratado ao
Colorado Avalanche como auxiliar de Bob Hartley. Em quatro anos, acostumou-se
a finais de conferência, e venceu uma Copa Stanley em 2001.
Após o fim da temporada 2001-2002, na qual o Avalanche não
fez das melhores campanhas na fase de classificação, todavia
tenha conseguido uma recuperação nos playoffs, viu uma
chance de deixar a equipe e dar um passo à frente em sua carreira
fora do gelo. Suas últimas lembranças de Colorado serão
as de que conseguiram sair humilhados mesmo tendo levado a série
final do oeste a um jogo sete, jogo este em que eles e Patrick Roy foram
derrotados por 7-0 pelos arqui-rivais de Detroit.
Com o posto de treinador dos bem servidos Rangers vago, Trottier e outros
candidatos se movimentaram em busca do emprego. Se o fato de ter atrás
do banco de seu time um homem que venceu em vários lugares em
vários momentos da vida enchia os olhos de Sather, a resposta
de entrevista de emprego enviada manuscrita por Trottier todos
os outros candidatos responderam ao questionário de Glen via
e-mail o convenceu de vez. Páginas e páginas de
fax depois, Trottier era o novo treinador de Nova Iorque, mas do outro
time que não os seus Islanders.
Banca com o GG, estrelas no elenco, dinheiro para contratações.
Tudo uma maravilha. Exceto pelos detalhes de que um rival por quinze
anos no passado jamais conquistaria a torcida Ranger, e sim inspiraria
a exibição dos dizeres "traidor" pela torcida
em Long Island. Tudo uma maravilha, exceto que um homem sem experiência
como treinador na NHL, com uma postura muito liberal e pouco exigente,
nada disciplinadora, e de métodos lentos, jamais sobreviveria
no time da Grande Maçã.
Hoje, Trottier ainda tem muito a receber pelo contrato de três
anos que assinou com os Rangers. Se estes não permitirem que
negocie com outro time, Trottier ficará em casa recebendo pelos
dois anos e oito meses restantes o alto salário pago pela Cablevision,
empresa que gerencia os Rangers e os Knicks da NBA. Se puder buscar
seu caminho, já lhe foi oferecida uma vaga de olheiro nos Isles.
Porém, o mais provável, é que volte a Colorado
como assistente ou que vá se aventurar com o bom Bob Hartley
em Atlanta.
Passado, e apenas passado, de glórias
Glen Sather foi durante anos, antes e depois da transição
da WHA para a NHL, o treinador e gerente geral do Edmonton Oilers. Num
time de mercado pequeno, na província canadense de Alberta, ele
precisava lutar contra os "esbanjões" e se virar para
ser competitivo.
Sem problemas: ele revelou Mark Messier, capitão e futuro membro
do Salão da Fama, que mais uma vez o terá como técnico;
colocou a seu lado Kevin Lowe, Paul Coffey, Jarri Kurri, Glenn Anderson,
Grant Führ, Esa Tikkanen e o mais que necessário protetor
Dave Semenko. E, ainda na época de WHA, o mais incrível:
gastou uma pequena quantia, algumas dezenas de milhares de dólares
(o que hoje em dia seria considerado troco) para ter como central em
seu time um garoto franzino. O garoto não era lá um grande
patinador, muito menos o mais veloz em linha, não disparava tacadas
muito fortes, e para um jogador primordialmente ofensivo também
pecava pela falta de jeito nos contra-ataques em situações
um contra um. Não parece um bom negócio? Isso porque faltou
mencionar que o rapaz encerrou sua carreira na NHL com os maiores totais
em gols e assistências na história da liga, além
de mais de 60 recordes, e atendia pelo nome de Wayne Gretzky. Aquele
mesmo, que diferente da maioria, recebeu um apelido menor do que merecia:
"The Great One".
Durante os anos em que Sather comandou os Oilers, estes foram campeões
cinco vezes, jogando num estilo veloz e arriscado, no qual não
davam sossego aos goleiros adversários. Lá atrás,
confiavam em Führ, que não decepcionava quando tinha de
garantir o sucesso do jogo aberto de seus companheiros. Em vantagens
numéricas advindas de penalidades menores, que no começo
da dinastia do Edmonton Oilers (1984-1990) não acabavam à
marcação de um gol pelo time beneficiário, era
bem longe do incomum vê-los marcando mais de um gol enquanto o
adversário cumpria uma única pena. Eram tempos em que
não havia armadilha na zona neutra, tempos em que Jacques Lemaire
ou Ken Hitchcock jamais haviam erguido uma copa. Nos últimos
anos da dinastia, Glen Sather largou o comando do time e se concentrou
no serviço de GG, ainda assim vencendo uma Copa Stanley em 1990,
já passada a negociação de Gretzky a Los Angeles.
Sather ainda voltou aos Oilers como treinador em 1993-1994, quando treinou
um time já desmanchado pelo poderio financeiro das franquias
americanas, e aparentemente terminava ali a carreira de campanha 464-268-110
para um dos dez treinadores mais vitoriosos da história.
Nesse mesmo ano, com Neil Smith como GG, os Rangers estavam conquistando
seu único título de Copa Stanley pós anos 40. Na
capitania do time estava Messier, líder dentro do gelo dos times
treinados por Sather.
Smith, já convertido ao lado negro, começou a gastar indeterminadamente
em busca de manter o time no topo. Reuniu Gretzky e Messier, trouxe
Petr Nedved e Kevin Stevens. O que conseguiu? Mais três anos indo
aos playoffs e um time que jamais voltou a jogar como campeão.
Criança mimada, mesada gorda: haja supérfluos
no orçamento!
Após o fim da temporada 1999-2000, a Cablevision, empresa de
TV por assinatura à qual pertencem o Madison Square Garden, os
Rangers e os Knicks, mandou Neil Smith embora e contratou Sather, que
não vinha tendo lá muito sucesso como GG dado o já
falado restrito orçamento dos Oilers nos anos 90.
Sather, negando seu passado de negociador hábil e que construía
grandes times, começou a gastar de maneira ainda mais irresponsável
do que Smith fazia. Trouxe Ron Low, o querido "Baixo" para
os mais ilustres torcedores dos Rangers na equipe desta revista, para
ser o técnico. Trouxe um Messier que embora campeão no
passado por Nova Iorque e cinco vezes por Edmonton, já havia
há muito tempo passado do limite em sua carreira no gelo. Montou
a linha de Hlavac-Nedved-Dvorak, os Czech-Mates (um trocadilho entre
colegas tchecos, no sentido literal, e cheque-mate, expressão
tirada do jogo de xadrez), trouxe o defensor Vladimir Malakhov e assinou
com o goleiro Guy Hebert após este ter sido dispensado por Anaheim.
E tentou convencer que começaria também uma renovação
do time mantendo os jovens Manny Malhotra, Mike York e Pavel Brendl.
Sempre sob a desculpa das contusões, dessa vez mais intensamente
a dos ligamentos de Mike Richter, os Rangers não foram aos playoffs
em 2001.
Após uma parte da temporada anterior tentando, os Rangers finalmente
conseguiram tirar Eric Lindros dos Flyers. Veja como Bob Clarke, GG
dos Flyers, desdenhou do time de Manhattan nesse negócio: apesar
de ser um adversário de divisão e conferência, mais
próximo ainda do que os também interessadíssimos
na época Maple Leafs, Clarke não relutou em mandar sua
superestrela a esse time. Os Rangers não eram participantes de
disputa alguma na liga, na visão de Clarke, que provavelmente
pensava algo assim: com Lindros ou sem Lindros eles não estariam
mesmo no caminho dos Flyers ou de outro candidato à Copa.
Os Flyers receberam o prospecto Pavel Brendl, o asa Jan Hlavac e ainda
escolhas de recrutamento por Lindros.
Para 2001-2002, Sather ainda tentou trazer Jaromir Jagr e seu salário
de mais de US$ 10 milhões. Foi superado por George McPheee, dos
Capitals. Não teve problema: envolveu mais um jovem promissor,
Mike York, numa troca em que recebeu o infeliz Rem (assim mesmo, como
a banda de Michael Stipe) Murray e o defensor que não defende
Tom Poti, cuja determinação ao proteger a própria
rede já era piada em Edmonton ("Os Oilers sofreram gol?
Culpa do Poti, óbvio!"). Beirando o dia limite de trocas,
os Rangers adquiriram também o estelar goleador Pavel Bure, dos
Panthers, que até se salvou no último mês de jogo
para os Rangers. Florida recebeu em troca alguns prospectos, escolhas
altas de recrutamento e o contra-peso Igor Ulanov.
Saldo da temporada: mais uma vez nada de playoffs.
Entre-safra 2002 e temporada 2003: espetáculo circense
Respeitável público, Glen Sather no picadeiro.
Só de listar os fatos, já faz cócegas.
Contratar o técnico mais inoportuno possível, sem experiência,
de fala mansa e com um currículo de caça aos Rangers.
Tudo isso quando Pat Burns e Ken Hitchcock estavam disponíveis
no mercado. Quando tiver tempo, caro leitor, compare ligeiramente as
campanhas dos Devils de Burns e dos Flyers de Hitchcock com a dos Rangers.
Números não mentem.
Para facilitar mais a vida deste treinador que de qualquer forma já
teria egos demais com que lidar, ele assina o central de marcação
Bobby Holik e o defensor de choque Darius Kasparaitis por valores surreais.
Mais à frente, os Hawks desistem de pagar o alto salário
do defensor Boris Mironov e qual o único time disposto a resgatá-lo?
Os Rangers, que adicionam mais alguns milhões à sua folha.
Com Richter mais uma vez enfermo, Trottier suga até apodrecer
o novato Dan Blackburn por quase 20 jogos seguidos até o time
fechar negócio por Mike Dunham.
Pagando respectivamente US$ 9 milhões a Holik e US$ 4,5 milhões
a Kasparaitis, ambos em contratos de longa duração, e
mais de US$ 3 milhões a Mironov, os Rangers são justamente
considerados um câncer para a NHL. Por quê? Porque esses
valores absurdos acabam se tornando um "padrão" a alcançar
na mente da NHLPA (associação de jogadores) e dos próprios
atletas. Ou será que, vendo Holik ganhar esses nove milhões
anuais, Alexei Kovalev está errado em recusar seis?
Atualmente os Rangers mantém uma folha salarial, contando apenas
os jogadores, de US$ 69,8 milhões.
Voltando à atual temporada, faltou concluir que os Rangers jamais
emplacaram. Hoje, em décimo primeiro lugar no leste, estão
cinco pontos atrás do oitavo. E com uma média de três
jogos disputados a mais que a concorrência. Mesmo assim, Sather
garante que achou a solução. Despachou Trottier e assumiu
o cargo. E foi à imprensa garantir que o time, nessas condições,
alcançará a pós-temporada. A campanha atual é
de 21-26-6-1.
O que faz o Sr. Sather acreditar que com ele será diferente?
O que faria esse time vencedor de uma hora para a outra? O
jeito mais disciplinador de Sather, acha ele. A partir de agora, ele
garante que não há mais chance do time se desligar de
modo a jogar de forma eficiente numa semana inteira, para na seguinte
ser goleado pelos Capitals, no meio de duas derrotas para os Thrashers,
pior time do leste. Sanduíche indigesto, não mais, garante
o GG, presidente, técnico e falastrão.
Se o que vimos na derrota em prorrogação para Colorado
vale como estimativa, disciplina não vai ser suficiente. O time
atacando a esmo, esbarrando no reserva David Aebischer, e deixando o
fardo cair sobre os ombros de Dunham do outro lado. Sather precisa saber
que o hóquei de hoje não é o de 1988. E as estrelas
de seu Rangers, algumas idosas demais e outras suaves demais, não
são Gretzky ou Lowe na faixa dos 27.
Falando em idade, os Rangers podem minimizar este problema negociando
Leetch e reconquistando alguma juventude qualificada para o elenco.
Com muitos centrais e asas direitos no time, Jan Hlavac (de novo!) e
Sami Kapanen dos Canes, sabidamente disponíveis para troca, poderiam
ajudá-los. O problema é que Leetch se encaixa melhor em
uma equipe que está tentando uma caminhada aos playoffs. Os Rangers
perderam, por exemplo, a chance de enviá-lo aos Ducks pelos promissores
Cullen e Trnka além de escolhas no recrutamento. Anaheim contratou
Sandis Ozolinsh junto ao Florida.
Os asas direitos Ziggy Palffy, Alexei Kovalev e Owen Nolan poderiam
muito bem acomodar altos salários no Madison Square Garden. Mas
aí, o time precisará improvisar alguns de seus já
muitos asas direitos em outras posições. Ainda mais quando
Bure voltar.
Sather sabe que a maré está contra, e que a assunção
do cargo de técnico somada às promessas colocam sua cabeça
a prêmio. James Dolan, dono da Cablevision e verdadeiro adorador
de seu GG, endossa as promessas de Sather e garante que não vai
perder um profissional como Glen de sua franquia. Discurso manjado.
Dolan, não satisfeito, ainda é infeliz o bastante para
ir ele mesmo falar com os jogadores sobre o assunto e declarar-lhes
"apoio". O que um milionário que não sabe nada
de hóquei tem a fazer junto a atletas que se matam num jogo tão
difícil e punitivo para o corpo?
Ou teria ido apenas falar com colegas, outros milionários que
não sabem nada de hóquei?
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Thomaz Alexandre indica aos fãs de hóquei em São
Paulo o evento Planeta
Alfa TouchDown, com a presença do narrador André
José Adler. |
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COLECIONADOR DE TÍTULOS, NUNCA
A FAVOR DOS RANGERS Bryan Trottier conquistou seis títulos
como jogador de Islanders e Penguins e mais um como auxiliar em
Colorado. Aqui ele comemorava seu segundo título em Long
Island, com uma pequena mãozinha de Dennis Potvin para erguer
o pesado caneco (Arquivo The Slot BR - 06/1981) |
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QUE DEFESA! Richter
confirma para o belo ângulo de câmera a consistente
temporada, defendendo uma tacada de Pavel Bure no decisivo
confronto mano-a-mano. Essa era a realidade em 1994, quando
os Rangers conseguiram seu único titulo na mais recente
meia-dúzia de décadas. Messier, Richter e Leetch
já faziam parte deste time (Arquivo Ham N’ Egg
- 06/1994) |
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SATHER ACUMULA EMPREGOS...
E tenta trazer seu time, que perdia por 2-0, de volta ao jogo.
Não se sabe o que de tão engraçado Petr
Nedved (E) e Ted Donato viram nessa situação
(Mark Lennihan/AP - 30/01/2003) |
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ESTRELA SOLITÁRIA?
Apesar do caríssimo elenco, apenas um dos jogadores
dos Rangers participou do Jogo das Estrelas. Sem nenhuma relação
com o Botafogo, Tom Poti (D, segundo plano) comemora aqui
com Roman Hamrlik um dos quatro gols de Dany Heatley pela
Conferência Leste (Gary I. Rothstein/AP - 03/02/2003) |
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OLÉ! TOURO POR UM TRIZ
Brian Leetch, de azul, a segundos de sofrer um drible humilhante
do Canadien Oleg Petrov durante a pré-temporada. Este
jogo, uma derrota nova iorquina, marcou a estréia de
Bryan Trottier como treinador principal na NHL. Ele acaba
de ser demitido e Leetch, o protagonista da imagem, está
no bloco dos trocáveis (Mark Lennihan/AP) |
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