22 de maio de 2002
Constantino: O sonho do Montreal Canadiens acabou

Por Marcelo Constantino

Olhar apenas para o lamentável final nos faz cegos para toda a linda trajetória do Montreal Canadiens nesta temporada. O retorno do capitão Saku Koivu após uma vitoriosa batalha contra o câncer, as milagrosas defesas de Theodore, a ressurreição de Gilmour e, claro, o retorno do time à elite da NHL.

Depois do recorde negativo de ficar de fora dos playoffs por 3 temporadas consecutivas, a praga finalmente poderia ser exterminada.

Mesmo com a fragorosa eliminação para o Carolina Hurricanes, o time mais tradicional da NHL - vencedores de 24 Stanley Cups - parece estar de volta ao circuito dos candidatos ao título.

Nas últimas três temporadas os Habs sofreram com inúmeras contusões - que somam mais de 1.300 jogos perdidos pelos jogadores. Nesta temporada, o Montreal trouxe seus torcedores de volta com uma magnífica escalada final rumo aos playoffs e ainda vencendo o odiado Boston Bruins, primeiro colocado na Conferência Leste, na primeira fase, antes de ser defenestrado pelos Canes em seis jogos.

Assistindo aos dois jogos finais da série, quando os Canes marcaram 13 gols e sofreram apenas 3, é difícil acreditar que os Canadiens estiveram a apenas 40 segundos de estarem 3-1 em partidas. Mas acabou, é História.

Os poucos torcedores que ficaram até o final da terrível, fatídica e definitiva goleada de 8-2 no jogo 6 fizeram tanto barulho que o Molson Centre parecia cheio. O barulho não era vaia, era para saudar a bela campanha do bravo time canadense.

Jose Theodore -- O principal alvo era o goleiro José Théodore, que havia sido sacado do gelo no fim do primeiro período e retornado no minuto final do jogo para receber uma emocionante homenagem da torcida. Não somente os torcedores, mas todo o banco do time começou a bater com os tacos nas bordas em tributo ao goleiro. Todos sabem o que Theodore fez pelo time nesta temporada e que não chegariam tão longe sem ele.

Um dos três finalistas do Troféu Hart, principal prêmio individual concedido a um jogador pela temporada, Theodore é uma das peças fundamentais do futuro do time. O fato de ser franco-canadense só torna tudo melhor ainda numa cidade como Montreal.

Facilmente apontado como a principal razão do Montreal ter chegado aos playoffs com 30 vitórias e .93,1% de defesas, o goleiro faz coro com o sentimento relativamente orgulhoso que emana no time:

"Encaramos vários desafios. Muita gente não acreditava que chegaríamos aos playoffs e chegamos. Muitos disseram que não venceríamos os Bruins e vencemos."

Saku Koivu -- Quando a temporada começou, parecia que seria mais um longo martírio - como nos anos anteriores - até ficar de fora dos playoffs. Ainda mais depois do capitão Saku Koivu ter de abandonar o gelo para tentar vencer um câncer no abdome, tendo apenas 50% de chances de sobreviver.

Aí veio o inesperado. Perigando ficar de fora da pós-temporada mais uma vez, os Habs venceram sete jogos seguidos nas últimas três semanas e ainda começaram a ter casa cheia. Pra emocionar de vez, Koivu venceu o câncer e retornou de forma triunfal, no dia da classificação para os playoffs. A história do capitão nesta temporada é tocante.

Koivu terminou com 4 gols e 10 pontos em 12 jogos nos playoffs e ainda distribuiu alguns bons choques, jogando com no máximo 80% de sua capacidade física.

"Esse time batalhou o ano inteiro. Estamos todos desapontados, detestamos perder. Mas esses dois últimos jogos não mostram o que foi o ano todo. Todo mundo dizia que não chegaríamos aos playoffs", diz Koivu.

O time, hoje e amanhã -- Fazendo boa política, o gerente geral do Montreal Andre Savard trouxe e promoveu alguns jogadores franco-canadenses para o time - que ainda ajudaram bastante na campanha.

Yanic Perreault liderou o time na temporada com 27 gols e 56 pontos e Donald Audette marcou 6 gols nos playoffs, mesmo estando se recuperando de uma greave contusão sofrida no braço em janeiro.

O que acontecerá com Doug Gilmour, que saiu da aposentadoria para assinar com os Canadiens em outubro? Gilmour tem passe livre, está para fazer 39 anos de idade, marcou 10 pontos nos playoffs e mostrou toda sua importante liderança de quase duas décadas de NHL. Ele deverá se reunir com Savard para conversar sobre seu futuro no time.

Michel Therrien -- Assim como deverá fazer o técnico Michel Therrien, protagonista do lance que mudou definitivamente a história da série com os Hurricanes. Jogo 4, 3º período, Montreal jogando em casa e vencendo a partida por 3-0 e a série por 2-1. Stephane Quintal é penalizado por um choque cruzado (cross-checking) e Therrien começa a reclamar da marcação. Abre os braços, berra com o juiz Kerry Frazer, que lhe aplica uma nova penalidade por tanta reclamação.

Isso deu dois homens de vantagem para o Carolina, que marcou e começou a escalada da virada de 4-3 até a prorrogação. Típico ponto de ruptura, aquilo acabou com o Montreal na série. Uma virada dessa faria tremer as bases de qualquer grande time que estivesse vencendo a série por 3-0, imagine um time médio, porém bravo, como os Canadiens, que vencia por apenas 2-1.

Acreditava-se que Therrien estaria no fio da navalha em Montreal com esse lance. Episódio esse comparado inclusive ao famoso taco ilegal de Marty McSorley em 1993 e ao gol perdido por Esa Tikanen contra os Red Wings em 1998 - dois dos maiores micos da história recente da Stanley Cup. Enfim, um claro exagero da imprensa canadense, afinal Canes x Habs sequer era uma final de conferência. O fato é que Therrien sofre ainda com a ascensão de seu principal assistente, Guy Carbonneau, que estava do outro lado do banco até poucos anos atrás.

Na verdade, a atitude de Therrien não é lá muito diferente da maioria dos técnicos da Liga. Infelizmente (para ele) parece ter pego Fraser num dia de mau humor e pouca tolerância. Ainda assim, um jogador que não se identificou - mas que acredita-se ser Audette - disse, taxativamente e com palavrões, que o culpado pela derrota fora o técnico.

Quando Kyle McLaren estraçalhou Richard Zednik com uma cotovelada e o retirou dos playoffs, Therrien esbravejou para quem quisesse ouvir que os Canadiens iriam se vingar em cima dos melhores jogadores do Boston no jogo seguinte. Acabou multado por isso, acalmou-se e o Montreal venceu no gelo, sem precisar revidar fisicamente a agressão sofrida. Não foi uma atitude profissional, mas é fato que esquentou e atraiu atenção para a série e para a Liga.

Michel Terrien merece continuar à frente do time.

Carolina Hurricanes -- Bom, então segue o Carolina Hurricanes, ex-Horrorcanes, para a final da Conferência Leste contra o Toronto Maple Leafs. Cheios de moral, ainda como azarões e cheio de jogadores ascendentes e sub-valorizados.

Um deles, o sub-valorizado Rod Brind'Amour - vindo de uma excelente troca pelo engana-otário Keith Primeau - bem disse: "Aquele jogo, aquele período, realmente acabou com eles. Eu não consigo imaginar, estando do outro lado, o que teria acontecido comigo."

Confiança, o nome que resume a ruptura.

Marcelo Constantino Monteiro assistiu ao vivo e com tristeza — do meio do segundo período em diante — ao triste fim de temporada dos Habs.
AGONIA José Théodore balança a cabeça após levar o terceiro gol no primeiro período do jogo 7 contra os Hurricanes. Ele levaria ainda mais dois no mesmo período, antes de ser substituído, mas a performance não apaga a sensacional temporada que teve (Arquivo The Slot BR - 1997)
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Página publicada em 20 de maio de 2002.